domingo, 27 de abril de 2014

O homem e o mar

Ele se abaixou lentamente, pois os longos anos que vivera já lhe pesavam sobre os ombros e muita da flexibilidade de tivera outrora já não mais existia. Apanhou um punhado de areia e deixou que ela escorresse lentamente por entre seus dedos. Fechou os olhos e sentia grão por grão lhe fugir, escapar e mergulhar de volta ao chão de onde foram retirados. Era uma areia fina, seca, mas que fora banhada na noite anterior quando a maré encheu.
            Mesmo com os olhos ainda fechados, o homem podia ver tudo que acontecia ao seu redor. Ouvia as ondas quebrarem perto, a poucos metros de onde estava, com as pessoas deixando que o mar, com suas mãos delicadas, lhe acariciasse seus pés; ouvia os casais conversando, ao longe, e suas vozes sussurradas trazidas pelo vento; ouvia os risos das crianças, brincando entretidas na construção de seus gigantescos e frágeis castelos de areia ou rindo, assustadas, quando o mar tentava agarra-lhes os diminutos pezinhos. Ouvia e via com clareza a tudo isso e sorria por dentro. Abriu lentamente os olhos e deixou que a claridade do sol lhe ferisse momentaneamente e lhe deixasse cego por um curto-longo instante. Olhou para a mão, onde apenas restavam uns poucos grãos de areia que ali se mantinham agarrados, com medo da queda em direção ao chão. Ele trouxe a mão até o nariz, para sentir o cheiro da terra e depois a passou no seu rosto seco, onde o tempo havia sulcado profundas rugas. Despiu-se da camisa de tecido áspero que lhe sufocava e das sandálias que incomodavam e feriam seus pés, sentindo-se, agora, livre. Respirou fundo duas ou três vezes, deixando que o cheiro do mar entrasse por suas narinas, invadisse seus pulmões e percorresse seu corpo. Ouvia o barulho do mar vivo, de suas ondas indo e vindo, das pessoas que brincavam em suas bordas ou mergulhadas em seu seio.
Ele deu dois ou três passos pesados, inseguros, pois suas pernas já não tinham mais a leveza e segurança de tantos anos atrás. Demorou uma eternidade até chegar onde a areia estava úmida e viu que ainda estava longe de onde o mar tocava e se fundia a terra, de onde deixava rastros da espuma de sua respiração. Continuou em seu trajeto lento e vagaroso, mas determinado tal qual um maratonista. A cada passo que dava sentia mais firmeza nas pernas a ponto de estar quase correndo e quando chegou bem perto do ponto até onde os dedos do mar alcançavam, sentiu medo, tal qual uma criança ao se deparar pela primeira vez com aquele gigante, e parou. Seu coração batia acelerado e ele fechou novamente os olhos e se deixou guiar pelo som do mar a lhe chamar com sua voz rouca. Sentiu quando o primeiro eco de onda lhe roçou nos pés. Foi um toque frio como gelo que lhe percorreu todo o corpo. Abriu repentinamente os olhos e o mar, ao ver isso, tocou-lhe novamente, dessa vez com mais calor, lhe chamando. O homem, ao sentir tão caloroso toque, foi, dando um passo depois do outro, até que estava submerso da cintura para baixo. Com sua mão, sentia a mão do mar a lhe chamar, a lhe seduzir, e ele deu mais alguns passos, até que a metade do seu peito já estava mergulhada, sendo embalada pelo mar. Parado, ele abriu os braços e sentiu o silêncio lhe invadir por inteiro. Inclinou-se levemente para mergulhar e ficou inteiramente submerso por alguns segundos, como que em completo desprendimento do mundo que o cercava. Riu ao sentir a paz que lhe tomava naquele instante. Só emergiu de volta a superfície quando o ar começou a lhe faltar nos pulmões. E tal não foi o sentimento de renovação ao, com o corpo molhado, deixar que o ar renovado percorresse seu corpo. Deu mais vários mergulhos e em cada vez que emergia se sentia mais e mais renovado, e quando se sentiu novamente pleno, despediu-se do mar, soltando um beijo quando submerso.
Quando saiu do mar, não era mais o mesmo homem que havia nele entrado. Sua pele não estava mais seca e enrugada, mas firme, com o viço da juventude a nela brilhar. Caminhava lentamente, deixando que a água escorresse por seu corpo, despedindo-se lentamente. Quando estava se libertando dos braços do mar, ainda sentiu a mão dele a lhe chamar novamente para um último mergulho. Ele se virou e sorriu, dizendo por dentro que não agora, mas que logo voltaria para mergulhar, para se deixar novamente rejuvenescer e tornar-se seu amante quando em seus braços.

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