domingo, 25 de maio de 2014

A Magia do Livro



Ao abrir aquele livro, fora golpeado nos olhos por aquela forte luz que antes de lhe cegar, lhe possibilitava ampliar a visão e ver mais longe. Ficou maravilhado com aqueles desenhos multicoloridos e aquelas linhas grafadas que, à princípio, ele não ficou preocupado em tentar decifrar. Ficou longos minutos ali, sentado, com o livro no colo, em estado de contemplação, segurando-o delicadamente com medo de, caso o mexesse bruscamente, aquela magia sumir. Com a respiração presa e olhos arregalados, tocou na ponta daquela página e começou a vira-la delicadamente.
Na página seguinte deparou-se com mais belas figuras do que as que vira na anterior, e mais uma vez, não se preocupou em entender o que aquelas letras impressas lhe diziam, mas somente em deixar que os desenhos lhe contassem a história. E assim prosseguiu em sua leitura, passando página a página, se demorando em cada uma delas em barulhenta-silenciosa contemplação, vendo cor por cor de cada ilustração, de cada personagem e de cada cenário, que compunham, por si sós, histórias a parte dentro daquela história maior que ele lia.
Ficou longas horas perdendo-se-e-se-encontrando, sequestrado por aquela história impressa nas páginas daquele livro, sendo banhado e tomado por aquela luz que emanava daquele objeto mágico. Perdeu a noção do tempo e do espaço, e só voltou a dar por si, a voltar a habitar seu corpo, que percebeu que o sol já estava fechando os olhos no horizonte e o céu seu cobria com seu lençol estrelado, quando fechou o livro e olhou para o alto, através da janela, e viu, parada à porta, a sua mãe, que em muda felicidade sorria ao vê-lo ali, tão belo, tão envolvido com a leitura de um livro, mesmo sendo ainda tão pequeno e não tendo, ainda, a habilidade e conhecimento para decifrar as palavras escritas.

domingo, 11 de maio de 2014

Mãe - homenagem



Vivemos durante nove longos e maravilhosos meses num mundo escuro, porém quentinho e acolhedor, onde nos sentimentos seguros. Ao término deste período, somos brutalmente postos para fora, não sendo expulsos, mas sim porque chegou a hora de sermos colhidos do útero maternos e virmos ao mundo. Choramos, sim, pois o choro é um clamor que implora para que nos ponham lá, de volta, onde é quentinho e seguro, já que o mundo aqui fora é claro, e sua luz nos cega, e não é nada seguro. No meio daquele clamor, ouvimos um som que é entre um choro, de emoção, e de uma alegria incontida, e nos viramos instintivamente naquela direção, e vemos um sorriso acolhedor. Somos levados até tal pessoa, que nos recebe com todo o amor do mundo e em um apertado-delicado abraço nos transmite todo o calor de que precisamos. O choro diminui, a paz nos invade e chegamos a cochilar enquanto estamos em seus braços.
            Somos postos num mundo-cão onde tudo acontece muito rápido. Recebemos uma avalanche de informações diárias e ficamos loucos uma vez por minutos, e se não perdemos a sanidade é devido a ela, que está sempre ali, para nos fazer rir, para nos dar seu seio onde sugamos o néctar divino, que nos põe para dormir, que nos limpa de todas as impurezas do mundo, que nos coloca no chão e nos dá a mão, guiando nossos primeiros passos e que abre o maior sorriso do mundo quando a chamamos pela primeira vez, mesmo sem saber articular bem as sílabas, mas só em falar “má-má” ela já sabe que é a ela quem chamamos.
            Sentimos firmeza nas próprias pernas e, rebeldes, começamos a não querer mais aceitar sua mão, e não mais andar, mas sim correr livremente. Caímos muitas vezes em nossa pressa de correr o mundo, e a primeira para quem olhamos é ela, que corre em nosso socorro e cura o nosso “dodói”, que nos ensina a bater naquele que nos derrubou, o chão, para que ele nunca mais faça aquilo conosco. Começamos a falar mil e uma palavras e nossa língua tropeça, pois queremos fala-las todas de uma única vez, e é ela quem, carinhosa e pacientemente, nos ensina a arte da calma de falar palavra por palavra, a falar só as essenciais e necessárias e nos ensina, pelo exemplo, a maior importante, a quem vai nos acompanhar e guiar por toda a vida, Amor.
            Começamos a correr de um lado pro’outro e a aprender aquilo que o mundo tem a nos ensinar, mas é a ela para quem os nossos caminhos sempre convergem, é ela, e somente ela, quem tem o dom de nos ensinar o que é certo e o que é errado, sendo ela a primeira, maior e mais importante professora de nossa vida.
            Temos fases rebeldes em nossas vidas, sim, e por vezes até brigamos, mas não é por maldade, tanto que depois que “o sangue esfria”, que pensamos melhor, analisando toda a situação, é para você que voltamos, humildes, pedindo desculpas, muitas vezes sem externar palavras, mas apenas com um sorriso ou chegando perto, para assistir televisão juntos (um programa do qual nem sequer gostamos, no qual nem estamos prestando atenção, mas estamos ali não por conta do que vemos e ouvimos vindo daquela “caixa mágica de luzes de cores”, mas só e unicamente para estar perto dela, para sentir o calor da sua presença).
            Chega uma fase de nossa vida em que, realmente, começamos a andar com nossas próprias pernas, a ter a nossa própria vida e por vezes até nos distanciamos, mas por mais distantes que estejamos, estamos sempre perto; por mais frio que esteja, é só invocar seu nome que somos assaltados de um agradável calor; por mais que tenhamos estudado, por mais longe que tenhamos chegado, é sempre a ela a quem recorremos quando queremos aprender algo novo, é a ela, e somente ela, quem tem o dom de nos ensinar o certo e o errado que irá guiar nossa vida; conhecemos milhões de pessoas, mas é somente ela o nosso exemplo maior, aquela a quem queremos ser iguais quando crescermos.
            Envelhecemos, aprendemos, lutamos, caímos, nos reerguemos, choramos, sorrimos, mas a seus olhos somos sempre os mesmos, chorosos, pequenos, frágeis, inocentes, que fomos cultivamos e colhidos de/ em seu útero, e a quem, por mais longe que cheguemos, por mais que tenhamos feito, por mais que tenhamos alcançado, nunca lhe conseguiremos expressar toda a nossa gratidão, por tudo: pela vida, pelas mãos, pelo coloco, pelo seio, pelo aconchego, pelos ensinamentos, pelas palavras, pelos sorrisos, pelas brigas, pelos sorrisos e, acima de tudo, pelo amor.

Obrigado, mãe, por tudo.

sábado, 3 de maio de 2014

Tessitura das Estações


Marcela observava, lá do alto, as ondas do mar se quebrando quando batiam com força à rocha. Os sons dos lamentos do mar lhe chegavam aos ouvidos trazidos pelas delicadas mãos do vento. Sentia-se solitária ali, naquela casa, tão alta e longe de tudo, mas que, contudo, somente ali se sentia mais perto de si mesma, onde podia escutar a sua voz e ouvir o som da batida do próprio coração.
Todas as manhãs, ao acordar, abria as janelas do quarto e convidava o sol e o vento a entrarem, fechava bem os olhos e deixava que o mundo lhe tomasse por inteiro no desabrochar de mais uma manhã daquele Verão. Sentia-se em paz, livre e leve como um pássaro. Abria os braços e inspirava todo aquele ar matinal, deixando que ele lhe inundasse todo o corpo, então abria seu lindo sorriso e deixava que seus olhos se abrissem pouco a pouco para contemplar o mundo que se descortinava perante seus olhos.
Mas seus olhos, certa manhã, ao mirarem ao longe, viram algo a que não estava acostumada: uma pesada e escura nuvem que vinha se aproximando lentamente, empurrada por um frio vento. Soube, então, que era o Outono que se aproximava, então a solidão começou a se adensar ao seu redor. Fechou a janela e se jogou de volta na cama, protegendo-se debaixo dos cobertores, no escuro, esperando que o outono passasse. Mas o outono não passou logo, e Marcela se sentia a cada dia mais angustiada. O vento frio a incomodava, o cinza do céu lhe tirava o colorido da vida e toda manhã ela, quando abria a janela, era saldava não por uma carícia, mas por uma bofetada de um vento frio. O mar, lá embaixo, chorava e tornava-se revolto, golpeando a rocha como se quisesse fazê-la vir abaixo, e ela ouvia o seu clamor e uma ou duas vezes correu até a beira do penhasco para vê-lo em sua fúria, para lhe jogar palavras de consolo, dizendo que logo aquela cinza e fria estação iria passar e que tudo iria ficar bem. Mas o mar, poderoso e sábio como o é, não se acalmou, pois sentia, lá longe, já as grossas gotas da chuva que caíam em seu corpo e lhe tornavam mais e mais caudaloso.
O Inverno chegou, e com ele as lágrimas do céu caíram incessantemente, e o vento soprava carregado. Fechada em seu quarto, Marcela se sentia carente da felicidade de outrora, da suave carícia do vento das manhãs, da saborosa brisa do fim de tarde. Ficou deprimida naquela clausura imposta pelo Inverno e começou a definhar lentamente, como uma árvore que perde, uma a uma, as suas folhas no outono, como uma flor que murcha, que vai perdendo, pouco a pouco o viço de sua beleza, que vai perdendo as suas pétalas sem que nada possa fazer para impedi-las de cair.
Entregue como estava, sentindo-se morta naquela geladeira de emoções, Marcela foi surpreendida, certa manhã, com um suave roçar na janela. Abriu uma pequena brecha, por onde entrou um vento fino, frio, mas de toque gostoso. Ele a acariciou suavemente nas faces e lhe sussurrou melífluas palavras, prometendo-lhe redamar eternamente, por mais que, apesar das, mudanças de estações do ano. Ela, resistente, tentou fechar a janela, cansada como estava daquelas mudanças, mas ele foi mais firme, e segurou-lhe a mão com força e delicadeza, afastando-a para que pudesse entrar mais livremente e circular naquele quarto. O vento se deitou na cama dela e se insinuou por entre os seus lençóis num jogo de sedução, e ela se deixou seduzir, entregando-se por inteiro, sem dores ou pudores, àquele amante que lhe legava todo o amor do mundo na forma de uma estação do ano. Ele, para provar isso, segurou sua mão e a fez se levantar. Conduziu-a passo a passo até a janela e a convidou a olhar para fora, onde se descortinava um imenso tapete de rosas multicoloridas que desabrochavam naquela primeira manhã da Primavera. Marcela sorriu, feliz, ao ver aquilo, aquela prova de amor. Abriu a porta de casa e correu para fora, jogando-se de braços abertos naquele felpudo tapete. Ali, deitada, sentindo deitado sobre si o vento, fechou os olhos e sonhou, e no sonho sorria, compreendendo toda a poesia da mudança das estações.