Marcela observava, lá do alto, as ondas do mar se quebrando
quando batiam com força à rocha. Os sons dos lamentos do mar lhe chegavam aos
ouvidos trazidos pelas delicadas mãos do vento. Sentia-se solitária ali,
naquela casa, tão alta e longe de tudo, mas que, contudo, somente ali se sentia
mais perto de si mesma, onde podia escutar a sua voz e ouvir o som da batida do
próprio coração.
Todas as manhãs, ao acordar,
abria as janelas do quarto e convidava o sol e o vento a entrarem, fechava bem os
olhos e deixava que o mundo lhe tomasse por inteiro no desabrochar de mais uma
manhã daquele Verão. Sentia-se em paz, livre e leve como um pássaro. Abria os
braços e inspirava todo aquele ar matinal, deixando que ele lhe inundasse todo
o corpo, então abria seu lindo sorriso e deixava que seus olhos se abrissem
pouco a pouco para contemplar o mundo que se descortinava perante seus olhos.
Mas seus olhos, certa manhã, ao
mirarem ao longe, viram algo a que não estava acostumada: uma pesada e escura
nuvem que vinha se aproximando lentamente, empurrada por um frio vento. Soube,
então, que era o Outono que se aproximava, então a solidão começou a se adensar
ao seu redor. Fechou a janela e se jogou de volta na cama, protegendo-se debaixo
dos cobertores, no escuro, esperando que o outono passasse. Mas o outono não
passou logo, e Marcela se sentia a cada dia mais angustiada. O vento frio a
incomodava, o cinza do céu lhe tirava o colorido da vida e toda manhã ela, quando
abria a janela, era saldava não por uma carícia, mas por uma bofetada de um
vento frio. O mar, lá embaixo, chorava e tornava-se revolto, golpeando a rocha
como se quisesse fazê-la vir abaixo, e ela ouvia o seu clamor e uma ou duas
vezes correu até a beira do penhasco para vê-lo em sua fúria, para lhe jogar
palavras de consolo, dizendo que logo aquela cinza e fria estação iria passar e
que tudo iria ficar bem. Mas o mar, poderoso e sábio como o é, não se acalmou,
pois sentia, lá longe, já as grossas gotas da chuva que caíam em seu corpo e
lhe tornavam mais e mais caudaloso.
O Inverno chegou, e com ele as
lágrimas do céu caíram incessantemente, e o vento soprava carregado. Fechada em
seu quarto, Marcela se sentia carente da felicidade de outrora, da suave
carícia do vento das manhãs, da saborosa brisa do fim de tarde. Ficou deprimida
naquela clausura imposta pelo Inverno e começou a definhar lentamente, como uma
árvore que perde, uma a uma, as suas folhas no outono, como uma flor que
murcha, que vai perdendo, pouco a pouco o viço de sua beleza, que vai perdendo
as suas pétalas sem que nada possa fazer para impedi-las de cair.
Entregue como estava, sentindo-se
morta naquela geladeira de emoções, Marcela foi surpreendida, certa manhã, com
um suave roçar na janela. Abriu uma pequena brecha, por onde entrou um vento
fino, frio, mas de toque gostoso. Ele a acariciou suavemente nas faces e lhe
sussurrou melífluas palavras, prometendo-lhe redamar eternamente, por mais que,
apesar das, mudanças de estações do ano. Ela, resistente, tentou fechar a
janela, cansada como estava daquelas mudanças, mas ele foi mais firme, e
segurou-lhe a mão com força e delicadeza, afastando-a para que pudesse entrar
mais livremente e circular naquele quarto. O vento se deitou na cama dela e se
insinuou por entre os seus lençóis num jogo de sedução, e ela se deixou
seduzir, entregando-se por inteiro, sem dores ou pudores, àquele amante que lhe
legava todo o amor do mundo na forma de uma estação do ano. Ele, para provar
isso, segurou sua mão e a fez se levantar. Conduziu-a passo a passo até a
janela e a convidou a olhar para fora, onde se descortinava um imenso tapete de
rosas multicoloridas que desabrochavam naquela primeira manhã da Primavera.
Marcela sorriu, feliz, ao ver aquilo, aquela prova de amor. Abriu a porta de
casa e correu para fora, jogando-se de braços abertos naquele felpudo tapete. Ali,
deitada, sentindo deitado sobre si o vento, fechou os olhos e sonhou, e no
sonho sorria, compreendendo toda a poesia da mudança das estações.
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