Nos
últimos onze anos e meio, entre 13 de abril de 2005 e hoje, 26 de novembro de
2016 (período que fora interrompido apenas entre 19 de outubro de 2015 a 02 de
junho deste ano), eu vivi intensamente uma profissão, tomando-a não como minha
“profissão”, como meu “ganha pão”, mas assumindo-a como minha verdadeira
função. Fui não só um profissional, mas um homem, que sempre disse abertamente
que amava o que fazia e fazia o que amava.
Fiz tudo o que podia pelas livrarias em
que trabalhei (Siciliano, Saraiva e Leitura), ajudando no crescimento de cada
uma dessas empresas. Mais do que fidelizar clientes, enquanto atuei na área,
cativei leitores, construindo uma relação de respeito, confiança e admiração
por cada uma daquelas pessoas que adentrava pelo mágico portal da livraria. Cada
palavra trocada com leitores, entre as mesas, em frente às estantes, era uma
palavra enriquecedora, era única e podia até não ser necessariamente sobre
literatura (mas de uma forma ou de outra, em algum momento, aquela conversa
iria acabar num livro). Trocar impressões e sensações que a leitura de tal
livro nos causou era o ponto alto de cada conversa, o momento mais prazeroso de
cada dia.
Fiz inúmeros amigos que carregarei até o
fim de minha vida. Amizades intensas, verdadeiras, eternas, tanto aqueles com quem
tive a imensa honra e grande prazer de trabalhar, quanto aqueles com quem me perdia
numa prazerosa conversa.
Fiz tudo isso e muito mais, e se eu
tivesse que viver a minha vida novamente, faria tudo exatamente igual. No
entanto, a vida é repleta de ciclos, de momentos, de desafios, e o meu ciclo na
livraria, trabalhando, seguindo a rotina, já vinha chegando ao fim. Não foi um
fim súbito, nem foi algo como um amor que se apaga, uma paixão que esmorece,
pois carregarei esse amor e essa paixão por minha profissão e pelos ambientes
em que trabalhei para o resto da vida, mas sim algo natural, algo que chegou
sem estardalhaço, como uma sementinha que fora plantada e regada lentamente,
gota a gota.
Desde 2014 eu me descobri professor, e minha
paixão por literatura se expandiu, vendo que podia atuar em outra área de forma
conjunta à livraria. Dei aula naquele ano, intensifiquei as palestras
ministradas nas escolas e em cada oportunidade que tinha para falar para várias
pessoas no ambiente da escola eu me encontrava mais e mais; em cada vez que
punha os pés numa escola me sentia mais e mais em casa.
Em 2015, ministrei o primeiro curso de
literatura, experiência esta que me serviu para ver e sentir que ali, na frente
de uma sala de aula, eu me sentia bem, à vontade, perfeitamente integrado. Em
2016, um novo módulo do curso foi oferecido e percebi que o meu ciclo em
livrarias estava chegando ao fim, que migrar para o ambiente escolar era só uma
questão de tempo.
Em meados deste ano voltei a trabalhar
numa outra livraria, recebi uma oportunidade na Leitura e atendi ao chamado
após ter ficado um tempo ausente no mercado de trabalho (logo após a demissão
da Saraiva). Voltei a trabalhar como sempre trabalhei nessa nova empresa: com
imensa paixão, dando o meu melhor, ajudando no crescimento da livraria.
Paralelo ao trabalho na Leitura, as
palestras ministradas em escolas se intensificaram ainda mais (acontecendo toda
semana, toda quarta-feira para ser mais preciso, e por vezes até duas vezes num
mesmo dia!), e em cada escola que eu visitava, eu sentia que aquele ambiente me
chamava, e cada vez que eu saía de uma escola, olhava para trás para dizer um
“me espere só mais um pouquinho”. Durante essas vivências nas escolas, passei a
ver pontos positivos e onde podia atuar para buscar melhorias não só para a
instituição, mas principalmente para os alunos.
A semente que fora plantada passou a ser
regada abundantemente.
Junto com amigos, fomentamos e criamos o
projeto Semear Livros, e comecei a me sentir mais e mais atraído pela ideia de
ficar, de uma vez por todas, numa daquelas escolas. Comecei a sondar amigos a
fim de conseguir uma vaga para trabalhar como professor ou em outra função,
desde que estivesse intrinsecamente relacionada à educação, desde que eu passasse
a habitar aquele ambiente mágico chamado escola.
Eis que numa conversa, na última
quarta-feira, com meu amigo Josiberto Rego, quando falamos justamente sobre o
meu desejo de ir para escola, ele me fez propostas. Disse que tinha vaga para
professor, sim, mas que tinha em mente “algo mais legal e importante”, uma
função na qual eu poderia fazer algo maior em prol dos alunos, desenvolver meus
projetos, ser e atuar como idealista que sou. Pediu apenas um ou dois dias para
organizar umas coisas, para só então ele fazer a “proposta formal”. Na última
quinta, dia 24, quando chegava em casa, por volta das 22h, meu celular toca.
Era Josiberto. Mal eu disse “alô”, ele já soltou de supetão, já fez a proposta
“irrecusável”: trabalhar na diretoria pedagógica do Colégio CDF. Nem no meu momento de maior
insanidade havia pensado em algo daquele tamanho, daquela importância, em
enfrentar um desafio de tal tamanho!
Tivemos uma conversa longa e séria, em
que ele me explicou os processos, as ideias que ele tem para a escola, o que
espera de mim, etc.
Como disse, a proposta era irrecusável,
e por diversos motivos. Era algo do tipo “pegar ou largar”, e eu a peguei, já
mergulhando de corpo e alma nela, assumindo minha função antes mesmo de ocupar
o cargo.
Não foi fácil viver os últimos dias.
Quase não dormi, tamanha a ansiedade que sentia pulsar na minha cabeça, no meu
peito e em todo o meu corpo.
Não foi fácil anunciar a minha decisão
de sair da livraria ao gerente, às coordenadoras, não foi fácil me despedir das
pessoas com quem trabalhei nos últimos meses, não foi fácil olhar para cada
canto daquela livraria uma última vez, dizendo “voltarei aqui, sim, mas em
outra posição, não mais como vendedor, mas como cliente, pois estou de mudança,
minha casa será outra daqui a pouco”.
Fiz tudo que estava ao meu alcance, sim,
pelas livrarias onde trabalhei, volto a dizer. Não fiz, é bem verdade, tudo o
que gostaria e poderia ter feito e tenho orgulho do que fiz, mas lamento
imensamente pelo que ainda poderia ter feito. Mas mesmo com o não feito, sinto
imenso orgulho pelo que alcancei nos últimos onze anos e meio, e agora chegou o
momento de fazer mais em outra área.
Fiz muito pelas empresas, pelas
livrarias e principalmente pelos leitores, e agora chegou o momento de fazer
pela escola, pela educação e principalmente pelos alunos, pelos indivíduos.
Chegou o momento de encarar novos
desafios, que não serão nada fáceis, mas que me sinto, mais do que nunca,
preparado. Lutarei batalha a batalha, dando sempre o meu melhor, atuando não só
com profissionalismo, mas com extrema paixão.