domingo, 31 de outubro de 2010

Primeiro Concurso Sol de Literatura Potiguar

Já foram abertas as inscrições para o 1º Concurso Sol de Literatura Potiguar, que visa revelar novos escritores ao mercado nacional e encantar os leitores com novos contos e novelas. O concurso está limitado a escritores que residam no Rio Grande do Norte. Os regulamento e ficha de inscrição devem ser baixados a partir do site http://editorasolrn.com. A ficha de inscrição deve ser preenchida e enviada para o endereço eletrônico: concurso@editorasolrn.com até o dia 31 de dezembro de 2010. Para mais informações consulte o regulamento no site da editora.

sábado, 30 de outubro de 2010

Não houve acordo...

- Tudo bem. Então, deixa eu ver se entendi – falava, enquanto andava de um lado a outro da sala, tendo os olhos fixos naquele homem que estava muito bem sentado na minha poltrona favorita. Ele estava naquela posição desde quando cheguei. Assim que coloquei o pé em casa e acendi a luz, que o vi, soube logo de quem se tratava, mesmo sem ele ter se apresentado. Estava muito bem vestido, com um terno de corte curto, preto, risca de giz, e calças muito bem passadas e usava um perfume suave, muito agradável, para disfarçar seu cheiro inconfundível. Cheguei a pensar que fosse um advogado, mas o seu cheiro o denunciou. – Quer dizer que você é o Diabo?
            - âhâ – moveu a cabeça uma vez para cima, uma para baixo e voltou para a posição anterior. Olhou fixamente para mim e sorriu.
            - Então... quer dizer que eu tenho direito à três pedidos?
            - Não, não, não e não! Quantas vezes eu vou ter que explicar isso? Não sou o gênio da lâmpada! – reclamou e bateu o pé com força no chão, fazendo a minha casa inteira tremer.
            - Mas vocês não são a mesma pessoa? Eu pensei que fossem.
            - Na verdade, somos parentes bem distantes, e não nos damos muito bem, diga-se de passagem.
            - Ah, ta! – fiquei a pensar nos dois, Diabo e Gênio da Lâmpada, como parentes que não se dão muito bem, numa festa, tipo reunião de família de fim de ano...
            - Muito bem, eu já lhe fiz a proposta, você já assinou o contrato, mesmo sem tê-lo lido direito, e estou só esperando o seu pedido.
            - Não seria um desejo?
            - Quem propõe isso de desejo é o Gênio da Lâmpada, e eu sou o Diabo. Quantas vezes vou ter que falar isso? – ele estava visivelmente irritado. Definitivamente, era melhor eu entender de uma vez por todas as diferenças entre os dois.
            - Tudo bem, então. Deixa-me pensar um pouco – fiquei alguns longos minutos a andar de um lado a outro da sala, com a mão sob o queixo, pensando no que iria pedir em troca de minha alma.
            Ele estava apressado e visivelmente irritado. Olhava a todo instante para o relógio, como se tivesse um compromisso importante dentro de cinco minutos. Era melhor eu fazer logo meu pedido antes que ele desistisse de mim.
            - Eu gostaria que o Corinthians e o Flamengo fossem rebaixados para a Série B no Campeonato Brasileiro desse ano.
            O Diabo em fim se levantou. Agora era a vez dele andar de um lado a outro, coçar o queixo e pensar naquilo que eu havia pedido.
            - Não. Não posso fazer isso. Não tenho tanto poder nem influência a esse ponto.
            - Mas você não é o Diabo? Não pode tudo? – agora era a minha vez de ficar irritado. Havia pensado tanto e quando, enfim, me decidira ao que queria, ele não poderia fazer aquilo, algo bastante simples.
            - Na verdade, quem tem uma rede de influência muito grande e pode tudo é Deus e, para lhe ser sincero, acho que nem Ele poderia fazer isso que você pede. Ricardo Teixeira, na CBF, tem mais poder que Deus em todo o Universo. Peça outra coisa.
            Decepcionado, comecei a pensar em outra coisa.
            - Argentina... eu quero que a Argentina fique fora das próximas cinco copas do mundo e olimpíadas – pedi.
            O Diabo fez uma cara de quem não tinha gostado de meu pedido.
            - Peça outra coisa, meu amigo, por favor. Eu gosto muito do futebol argentino e tenho até uma camisa autografada por Maradona. Peça outra coisa, por mim, por favor.
            Olhei para a cara dele e vi que ele estava sendo sincero. Se eu insistisse, ele até poderia conceder aquele meu pedido, mas eu não queria começar ali uma inimizade logo com o Diabo!
            - Queria que você extinguisse a sociedade norte-americana. Fazer algo do tipo jogar uma bomba no meio daquele país de crápulas e dizimasse toda aquela sociedade.
            - Eu bem que gostaria, meu amigo, pode acreditar, mas não posso. Quebra de contrato. Lá é que está a maior parte de minha clientela e, apesar de eu ser o Diabo, ainda me resta alguma ética profissional.
            Definitivamente, aquele Diabo não podia nada! Estava dificultando a minha vida. Para eu assinar o contrato, foi fácil, mas para ele cumprir a sua parte no acordo...
            - Os advogados? Você pode acabar com todos os advogados do mundo? Extinguir essa profissão?
            - Não posso nem devo. Quem iria fazer o trabalho sujo quanto eu não estou por perto? Pode escolher quaisquer profissionais, que eu extermino, mas advogados, não. Posso acabar com os gerentes e supervisores de lojas, garçons mal-educados, caixas mal-humorados, atendentes que não sabem atender, corretores de imóveis, vendedores de seguros, motoristas de ônibus, vendedores ambulantes, jornalistas, apresentadores de telejornais, mas advogados não. Peça outra coisa.
            Não havia qualquer espécie de acordo com aquele Diabo. Nada que eu pedisse, ele era capaz de conceder. Cheguei até a pedir uma noite numa ilha deserta só eu e a apresentadora de programas infantis de época de minha infância. Ao ouvir aquele pedido, vi que ele corou ligeiramente, e disse que não podia, pois ela era uma antiga cliente, com quem, inclusive, tivera um relacionamento no passado.
            - Jura? Pensei que isso que todos falassem fossem só boatos.
            - De vez em quando há alguma verdade em certos boatos.
            - Mas qual foi o acordo que vocês fizeram?
            - Não posso falar. Sabe como é, ética profissional.
            Aquele acordo com o Diabo, definitivamente, estava longe de ser o que eu imaginava. Quando assinei o contrato, jamais passou por minha cabeça que entrar num acordo com o Diabo fosse tão difícil chegarmos a um acordo. Sei, sempre soube, que minha alma não valia lá grande coisa, mas, do jeito que as coisas iam, ela parecia valer menos do que imaginava.
            - Chocolate? Muito chocolate, você pode conseguir? Queria algo do tipo ser dono de uma grande fábrica de chocolate.
            O Diabo então olhou para mim com ar desapontado, pegou o contrato que eu havia assinado no bolso de trás de sua calça e o desdobrou completamente, depois pegou uma borracha e apagou cuidadosamente a minha assinatura. Havia caprichado tanto em minha caligrafia, para que a letra ficasse legível, e agora ele apagava tudo! Mas vendo que a tinta da caneta não saía (era uma caneta Bic que eu tinha comprado naquele dia), resolveu rasgar o contrato em mil pedaços bem ali, na minha frente.
            - Desculpe, amigo. Pode ficar com sua alma mesmo.
            - Mas... mas...
            - Não, não. Desculpe ter feito você perder seu tempo. E agora estou atrasado, preciso ir a um compromisso importante. Tchau – ele não deixou sequer eu argumentar que trocaria minha alma por um carro novo, que não precisava nem ser zero quilômetro nem de luxo, só precisava ser mais novo que o Monza velho que eu usava para ir trabalhar todo dia. Na verdade, bastava ele dar uma ajeitada no carro, que eu já me dava por satisfeito.
            Agora, estou eu aqui, com minha alma, que não vale um centavo furado, com o Corinthians e Flamengo na primeira divisão, a Argentina apresentando um bom futebol,, é a atual bicampeã olímpica, é figura cativa nas copas, os Estados Unidos mandando no mundo, os advogados, que são os piores que o próprio Diabo, sem minha apresentadora e só não estou sem meu chocolate porque o Diabo, quando foi embora, deixou um Batom para mim, de cortesia, numa clara ironia, para fazer eu me sentir melhor, como um “prêmio de consolação”. Menos mal. Pelo menos o chocolate eu ganhei, e nem precisei trocar a minha alma por isso.

domingo, 24 de outubro de 2010

Homens e Mulheres: Quando será que irão se entender?

- Amor, eu posso explicar – dizia ele, enquanto via sua esposa tirar suas roupas do guarda-roupa e jogá-las no chão do quarto.
            - Explicar? Explicar o quê? O seu atraso? Onde você esteve? Com quem? – berrava ela, visivelmente alterada.
            - Mas amor, foram só quinze minutos?
            - Quinze minutos? Quinze minutos, você diz? Foram dezessete minutos e quarenta e oito segundos, ou seja, quase trinta minutos? E você ainda tem o descaramento de dizer que foram apenas quinze minutos?!
            Ele ainda tentou discutir a questão do tempo e a falar os motivos de seu atraso, mas ela não queria ouvir.
            Mesmo se desmanchando em lágrimas, entre soluços, ela ainda conseguia falar.
            - E logo hoje... que eu tinha preparado algo tão especial para nós... Logo hoje que estamos completando dois anos, três meses, duas semanas e quatro dias de casados... Logo hoje, Alberto.
            Quando ouviu aquelas palavras, algo tão especial, os olhos dele brilharam, e começou a sentir o peso da culpa. Como ele pôde esquecer aquela ocasião tão especial, quando comemorariam dois anos, três meses, duas semanas e quatro dias de casados?! E sentiu ainda pior ao se lembrar que poucos meses antes tinha se esquecido completamente do aniversário de um ano, dez meses, uma semana e dois dias de casados. Naquela ocasião, de seu primeiro esquecimento, ele ainda conseguiu se justificar (e ela acreditou), dizendo que quando estava saindo do trabalho se sentiu mal no meio do caminho, e por sorte um amigo estava por perto e o levara a um bar, onde ele pôde se sentar à uma mesa, comer um churrasquinho e se recompor, para só então poder vir para casa. Mas agora, ele não sabia o que dizer.
            Desde que se casaram era aquilo. Ele, sempre que chegava em casa, que a via maquiada, tendo feito escova no cabelo, toda produzida, mesmo não tendo intenção de sair de casa nem tendo marcado nada de especial, tinha que fazer os cálculos e saber exatamente quanto tempo de casado estavam fazendo naquele dia. E ai dele se errasse por um dia que fosse!
            Uma vez ele chegou a errar a data, e disse que estavam comemorando um ano, três meses, duas semanas e seis dias, quando, na verdade, comemoravam um ano, três meses, duas semanas e quatro dias, e ela ficou sem falar com ele por quase um mês, obrigando-o, inclusive, a lavar suas próprias cuecas, a maior crueldade que uma mulher pode fazer a um homem.
            Ele, desesperado, quando viu sua esposa jogar ao chão a sua coleção de camisas do São Paulo, começou a reconstituir seus próprios passos, para saber onde e por que tinha se atrasado.
            - Amor, espere. Eu posso explicar.
            Ela respirou fundo e olhou para ele. Não chorava mais, mas tinha um olhar insano, como se estivesse prestes a pular sobre ele e esganá-lo. Cruzou os braços e olhou bem fundo nos olhos dele.
            - Vamos. Comece a falar.
            Ele pensa, pensa e pensa, e resolve não mentir nem encobrir os fatos. Fala toda a verdade.
            - Sabe o Paulo?
            - Quem é Paulo? De onde você conhece esse Paulo? O que ele queria?
            - Paulo, o seu irmão, querida. Eu o conheci no dia em que fui a sua casa pela primeira vez, quando você me apresentou a sua família. Lembra?
            Ela o olhou como se aquela história estivesse muito mal contada. Deixaria ele explicar tudo, para só então descobrir que era aquele tal de Paulo.
            - Prossiga.
            - Pois bem, eu já estava de saída, quando encontrei Paulo no elevador, e descemos até a garagem conversando, quando ele se lembrou que tinha esquecido uma coisa no seu escritório. Como a conversa estava boa, resolvi voltar com ele. Subimos novamente, ele foi ao seu escritório, pegou o que tinha esquecido – as chaves do carro. Descemos novamente, terminamos o assunto, cada um foi para seu carro...
            - Posso saber sobre o que estavam conversando, ou é um segredo entre você e esse tal de Paulo?
            - Estávamos falando sobre futebol. Você sabe que o Paulo é torcedor do Corinthians e ele estava preocupado com o time, que não ganha mais uma sequer, e se continuar desse jeito, vai acabar sendo rebaixado à segunda divisão novamente, mesmo tendo liderado boa parte do campeonato.
            - Não acredito em você. Tem algo nessa sua história que não me cheira bem. Essa é uma história muito mal contada e incompleta.
            - Ligue para o Paulo, então, se você não acredita em mim.
            - Mas como eu vou ligar para ele, se ele é seu amigo, se nem tenho o número?
            - Mas ele é seu irmão, e você tem o número dele.
            - E depois dessa conversa com o tal do Paulo e sobre o Corinthians, sobre o que conversaram. Onde você esteve depois disso?
            Ele então tentou se lembrar o que tinha acontecido depois que ele e Paulo tinham se separado, com ele dando uma tapinha nas costas do outro, dizendo que tudo acabaria bem, que o São Paulo iria ser campeão brasileiro e o Corinthians rebaixado.
            - Depois eu entrei no carro e na saída da garagem, o segurança me parou para puxar assunto, para saber quais os jogos da rodada do campeonato brasileiro desse final de semana. Tive que olhar no jornal que havia comprado – você pode até ver o jornal, que está no banco de trás do meu carro – para dizer quais os jogos. Você sabe: o segurança torce para o Flamengo e todo final de semana ele quer saber contra que time o Flamengo vai jogar, para saber se vai ou não poder tirar a sua camisa de dentro do guarda-roupa pra vir com ela na segunda-feira. Você sabe como são os flamenguistas: só vestem sua camisa uma vez a cada um mês e meio, quando seu time ganha. Pode ser contra um time da quinta divisão do campeonato matogrossense, mas eles têm que comemorar e estampar o seu orgulho de ser flamenguista. Por isso tanta preocupação em saber contra quem jogam no final de semana.
            Agora a história estava começando a parecer mais real. O pai dela era flamenguista.
            - E depois, o que você fez?
            - Depois eu peguei trânsito lento e quando cheguei, na entrada do condomínio, o porteiro me parou pra me passar a correspondência – que eu coloquei em cima da mesa.
            - E foi só isso?
            - Só, querida. Eu juro!
             Ela ainda continuava na defensiva. O olhar tinha abrandado, mas ainda continuava feroz. Estava com os braços cruzados, mas tinha relaxado os ombros. Ainda não acreditava naquela história que ele havia inventado, mas pelo menos não mais precisava colocá-lo pra fora de casa.
            - Então, querida, você me perdoa esse atraso de quinze minutos?
            - Foram dezessete minutos e quarenta e oito segundos, quase trinta – respondeu ela.
            - Tudo bem, então. Você me perdoa esses dezessete minutos e quarenta e oito segundos?
            - Posso pensar.
            - Obrigado. Muito obrigado, querida. Você é sempre tão compreensiva. Agora, o que era o algo especial que você tinha preparado?
            - Nada... você não tem direito a mais nada hoje.
            - Mas... mas...
            - “mas” nada.
            - E o jantar, eu posso pelo menos comer o que você havia preparado?
            - Não. Não pode. Você vai jantar miojo hoje!
            Ele então abaixou a cabeça e saiu do quarto, deixando ela sozinha, recolocando todas as suas roupas de volta no guarda-roupa.
            Sozinha, ela ainda pensava que tinha que tirar a limpo e descobrir quem era aquele tal de Paulo, enquanto ele, na cozinha, ainda tentava conseguir acender a boca do fogão, para colocar a água para ferver e, enfim, fazer o seu miojo. Menos mal que tinha miojo, que pelo menos ficava pronto rápido e era a salvação de todo homem em situações como aquela, pós-briga com a esposa.

domingo, 17 de outubro de 2010

Homem: Muito mais do que um animal, um ser de princípios

Eu sempre fui e sempre vou ser fiel. Isso é algo que tenho dentro de mim. Fidelidade não é um estado de espírito nem um momento que se está vivendo, mas sim um princípio. Um princípio cultivado apenas por aqueles que sabem o verdadeiro sentido de se ser homem. Não o macho da espécie, o ser animal, da classe dos primatas, mas sim homem, o ser vivo dotado de princípios, bom-senso e, acima de tudo, de valores. As pessoas normalmente confundem isso, de se ser macho com se ser homem, quando, na verdade, são coisas completamente diferentes. Ser macho é uma questão de instinto, é como se ser o “macho alfa” de uma alcatéia, o líder de um grupo, apenas; enquanto se ser homem é algo muito maior, é uma questão de caráter, de valores, de princípios.
            Mas o que diabos uma coisa tem a ver com a outra? Simples: não há nada que me deixe mais indignado do que infidelidade. Atos de infidelidade representam uma covardia, não só para com aqueles que sofreram com a infidelidade, mas com todos que lhe acreditaram, que lhe deram a mão e que lhe tinham em tão alta estima. O infiel é um mentiroso, um dissimulado, um covarde que acaba muito mais do que um relacionamento, quando se se trata de uma infidelidade conjugal, ele acaba, sim, com uma vida, com sonhos, que muitas vezes foram sonhados juntos.
            Infiel, seja lá no assunto que estiver sendo tratado, é sinônimo de escória, de pessoa desacreditada, que não merece qualquer tipo de crédito, que não segue nem tem qualquer princípio, enfim, é um alguém que sequer merece ser rotulado de humano. Talvez até seja, pelas suas funções orgânicas, por sua anatomia e fisiologia, mas jamais no sentido humano da palavra, no tocante aos seus princípios.
            O infiel é um ator, pois finge e consegue se ser de tal forma tão fingidor que engana a todos e chega, inclusive, a enganar a si mesmo. Ele veste uma máscara que, de tal forma bem ajustada a seu rosto, fica como que sendo a sua própria face. Mas essa máscara, por mais perfeita e sólida que seja, um dia cai, e quando isso acontece, que toda a verdade vem a tona, vemos a verdadeira face do infiel. O sorriso, antes tão simpático, não está mais estampado naquele rosto; o olhar, sempre tão sincero, perde seu brilho. Mas sabe o que é melhor nisso tudo? Que o infiel sempre vai saber quem e o que ele é, e imbuído de tal conhecimento, ele é incapaz de se olhar no espelho, de olhar para dentro de seus próprios olhos, de sorrir para si mesmo, de sentir orgulho de si próprio.
            Orgulho é outro sentimento intrínseco ao ser humano, e homem nenhum vive sem seu orgulho. Pode até sobreviver, se enganar, mas viver, não acredito que possa, afinal de contas, ninguém consegue viver uma vida inteira sem poder bater no peito uma única vez e dizer mais do que para os outros, mas para si próprio, o quanto sente orgulho de si mesmo, de algo que fez, de algo que conquistou, de seus méritos, de sua vitória.
            Sejamos homens, tenhamos orgulho de quem somos, sejamos fieis, muito mais do que para os outros, mas, principalmente, para nós mesmos.

domingo, 10 de outubro de 2010

A crise dos pré-30

            Amigo leitor, que acompanha as postagens semanais deste blog, não estranhe se nas próximas semanas apareça aqui algum texto de natureza estranha, depressiva, fúnebre, alguma espécie de carta de despedida ou coisa do tipo. É que estou adentrando na famosa “crise dos pré-30”. Mas que raios vem a ser isso? Eu, particularmente, também não sei do que se trata, só sei que estou vivendo esta fase, batendo na fatídica marca.
            Lembro bem da primeira vez em que tudo começou: estava eu, no meu aniversário de 10 anos, quando recebido de um tio um presente. Depois dos famosos cumprimentos, ele coloca a mão no meu ombro e solta a frase: é, amigão, aproveite a vida e seu aniversário, enquanto ainda há tempo, pois daqui a pouco você vai estar na casa dos 30. Na época, não dei muita atenção a isso, óbvio, mas hoje, enquanto escrevo este texto, lembro quão sábias foram aquelas palavras e quão tolo eu fui por não lhes dar a devida atenção.
            Depois desse episódio, quando, pela primeira vez em minha vida, ouvi falar que existiam pessoas que chegavam com saúde a uma idade tão avançada, passei a prestar certa atenção aos fatos. Chegar a tal idade, para mim, no entanto, era algo impensado. Era, para mim, como conseguir contar até 1 bilhão sem perder a conta.
            Na adolescência, via as pessoas (irmãos mais velhos de meus amigos mais velhos) adentrar a tal idade e comemorarem como se estivessem num enterro: “é amigo, estou na casa dos 30...”, diziam eles, deixando em suspenso o que sentiam.
Quando cheguei aos 15 anos me dei, pela primeira vez, que chegava à metade daquela idade, mas, como sempre, não dei importância ao fato. Tudo que queria, naquela idade, era chegar aos 18, o que não demorou muito. Depois veio a universidade, os anos inesquecíveis da universidade, as amizades, os estágios, as experiências em sala de aula, o primeiro emprego, o primeiro livro publicado, e quando me dei conta, já estava completando um quarto de século vivido. Nossa, como aquilo me soou bonito: um quarto de século vivido. Soa, realmente, muito mais bonito do que dizer 25 anos. Dá um certo ar de importância, imponência, de experiência.
Eis que um belo dia reencontro o tio, que havia me dito aquelas sábias palavras há tantos anos. Quase não o reconheci, de tão avançada que me parecia a idade dele (ele devia estar, segundo meus cálculos, com pelo menos 40 anos, se brincar já perto dos 50!). Ele sorriu (um sorriso irônico), dizendo que eu estava chegando lá. A princípio, não entendi a que ele se referia, mas após um tempo pensando, lembrei dos 30 a que ele havia se referido tantos anos antes.
Os sintomas, eu já estou começando a sentir na pele. Na verdade, não só na pele, mas principalmente nas costas, com dores que teimam em voltar semanalmente, nas juntas (pois é, amigos. Estou com o famoso problema de junta: junta tudo e troca por um novo, como diziam meus velhos amigos de infância. Nunca palavras ditas há tanto tempo fizeram tanto sentido). Mas o que mais de drástico e marcante nessa fase me aconteceu é algo chamado “assumir as responsabilidades”: chegou a hora de cortar o cordão umbilical e tomar um rumo na vida, de sair de casa, de começar a pensar em casamento...
Enfim, 30 anos é como uma idade derradeira, onde tudo termina e onde tudo começa. É como um período de transição, e como tal, gera perturbação, noites insones, calafrios e uma vontade louca de fugir para um lugar onde o tempo não passe, onde todas as pessoas têm menos de 30.
Pois é, amigo, se você ainda é jovem e está rindo, me achando um dramático ou coisa que o valha, continue rindo, e não perceba o tempo passando, os anos passando, essa idade chegando; e se você já tem 30 ou mais, sabe bem do que estou falando, sabe o quão difícil é chegar e dizer “eu tenho 30”.
Pois é, amigo... pois é... aproveite a vida, enquanto ainda há tempo, antes que seja tarde e você esteja soprando trinta velinhas em seu bolo de aniversário. Se bem que nessa idade talvez nem se tenha tanto fôlego para se soprar trinta velas, e se faz necessária a providencial intervenção de algum sobrinho ou primo mais novo, que corre para nos ajudar nesse dramático momento. Nessa hora, ao olhar a criança, acabamos, invariavelmente pensando: “ah, se eu tivesse essa idade novamente!” Fico pensando o que eu faria de diferente e o que eu faria exatamente igual.

Mas sabe o que é pior nisso tudo? É que daqui a pouco vem outra crise, e essa mais séria, a dos 40! Mas nessa eu não quero pensar, ainda, pois ainda tenho muitos anos pela frente.

domingo, 3 de outubro de 2010

E agora, o que será de mim?

E agora, o que será de mim, já que a campanha eleitoral acabou?
            O que será de mim, sem ter que receber, com um sorriso constrangido no rosto, todos aqueles panfletos que me entregam nas ruas? O que será dessas pessoas, que vão perder seus empregos? O que será das árvores, que não mais serão cortadas para se fabricar papel em que seriam confeccionados tais panfletos?
            Carros-de-som? O que acontecerá aos carros-de-som, que agora ficarão estacionados até sei lá quando? Não mais ouviremos o dia inteiro, nas ruas e avenidas da cidade, aquelas musiquinhas irritantes, mas que ficam em nossas cabeças e que não nos deixam dormir? E se dormirmos, sonhamos com elas, já que são tão irritantes e pegajosas que surtem um efeito-lavagem-cerebral.
            E as horas no trânsito, que perdemos, devido as carreatas que atrapalham a metade da cidade? O que farei, agora, com o tempo da viagem de ônibus, que vai passar mais rápido? Onde encontrarei mais tempo para ler um livro, uma revista ou simplesmente ficar escutando minhas músicas (com fone de ouvido, para isolar o som daquelas dezenas de carros, pick-ups, carros-de-som,...?
            O que será da cidade, que vai perder seu colorido, já que os outdoors, agora com o fim da campanha, não mais serão cuidados e tendem a desbotar? As placas de publicidade serão substituídas e darão espaço a propagandas, e não mais veremos o rosto com um sorriso estampado, esbanjando felicidade e simpatia. Que falta tais sorrisos farão ao meu dia!
            E os carros multicoloridos, com símbolos de partidos, fotos dos candidatos e um enorme número estampado, o que será feito deles?
            E as bandeirinhas, nas principais ruas e avenidas da cidade, o que será feito delas? As pessoas não mais as agitarão? Não mais irei encontrar todas aquelas pessoas, felizes, com sorrisos nos rostos, enfrentando sol de rachar só para agitá-las?
            E as ligações que recebia quase diariamente, principalmente nos últimos dias? E as milhares de mensagens de texto em meu celular? Fico me perguntando como tantas pessoas, tantos candidatos, conseguiram tão facilmente meus números! E e-mails? Nunca me senti tão valorizado, nunca recebi tantos e-mails em minha vida quanto nesta campanha eleitoral, mesmo estando tais propagandas proibidas por lei.
            E os horários “gratuitos” de propaganda eleitoral, no rádio e na TV? Não mais vou ter minha música favorita interrompida bem no meio para ser obrigado a ouvir as “propostas” dos candidatos? Na televisão, vou ficar sem o momento de lazer, quando, junto com toda a família e amigos, nos reuníamos para ficar vendo, ouvindo e rindo dos estranhos candidatos que aparecem, fazendo as propostas mais absurdas? Triste fim de tais momentos, que eu tanto apreciava!
            Hoje, nas primeiras horas da manhã, senti como se estivesse me dirigindo a um velório de um alguém muito querido, como se fosse dar meu último adeus. Peguei fila, como se o velório foi de um alguém muito importante, famoso, e na verdade é. Peguei fila para exercer minha cidadania, para fazer valer, reafirmar o estado democrático onde vivo. Mas bem que a fila poderia ter sido menor. Uma fila onde fiquei durante uma hora e quinze minutos. Não que eu esteja reclamando. Muito pelo contrário. Estava lá, feliz da vida, esperando, ansioso, para exercer o meu direito adquirido o qual sou obrigado a exercer. Mas o que seria de nós, cidadãos, sem as nossas obrigações? É preciso se ser obrigado para aprendermos a valorizar todo aquele benefício que nos é oferecido!
            Hoje estou triste, por que não sei mais o que será de mim, com o fim da campanha eleitoral. Mas há uma coisa que me consola: a vida continua. Tudo bem que amanhã o lixo vai estar entupindo bueiros, jogado por todas as ruas da cidade e vou ver centenas de trabalhadores da limpeza pública nas ruas para recolhe-los para jogá-los em local adequado. Tudo bem que milhares de árvores foram cortadas para se fabricar papel onde foi impresso propaganda, com rosto e número dos candidatos, que 99,9% das pessoas nem presta atenção. Tudo bem que o sorriso radiante e simpatia saiu da face dos candidatos, tanto dos que foram eleitos quanto dos que não foram, como que num passe de mágica. Tudo bem... Tudo bem... Tudo bem... Isso tudo faz parte do processo natural do nosso sistema democrático. Só nos resta, agora, esperar, para viver isso tudo novamente nas próximas eleições. Barulhos, musiquinhas, panfletos, outdoors, bandeiras, sorrisos, carros-de-som, carros multicoloridos, ligações, mensagens de celular, e-mails, programas nos rádios e canais de televisão... Enfim, é a vida que segue pós-eleição...