sábado, 30 de outubro de 2010

Não houve acordo...

- Tudo bem. Então, deixa eu ver se entendi – falava, enquanto andava de um lado a outro da sala, tendo os olhos fixos naquele homem que estava muito bem sentado na minha poltrona favorita. Ele estava naquela posição desde quando cheguei. Assim que coloquei o pé em casa e acendi a luz, que o vi, soube logo de quem se tratava, mesmo sem ele ter se apresentado. Estava muito bem vestido, com um terno de corte curto, preto, risca de giz, e calças muito bem passadas e usava um perfume suave, muito agradável, para disfarçar seu cheiro inconfundível. Cheguei a pensar que fosse um advogado, mas o seu cheiro o denunciou. – Quer dizer que você é o Diabo?
            - âhâ – moveu a cabeça uma vez para cima, uma para baixo e voltou para a posição anterior. Olhou fixamente para mim e sorriu.
            - Então... quer dizer que eu tenho direito à três pedidos?
            - Não, não, não e não! Quantas vezes eu vou ter que explicar isso? Não sou o gênio da lâmpada! – reclamou e bateu o pé com força no chão, fazendo a minha casa inteira tremer.
            - Mas vocês não são a mesma pessoa? Eu pensei que fossem.
            - Na verdade, somos parentes bem distantes, e não nos damos muito bem, diga-se de passagem.
            - Ah, ta! – fiquei a pensar nos dois, Diabo e Gênio da Lâmpada, como parentes que não se dão muito bem, numa festa, tipo reunião de família de fim de ano...
            - Muito bem, eu já lhe fiz a proposta, você já assinou o contrato, mesmo sem tê-lo lido direito, e estou só esperando o seu pedido.
            - Não seria um desejo?
            - Quem propõe isso de desejo é o Gênio da Lâmpada, e eu sou o Diabo. Quantas vezes vou ter que falar isso? – ele estava visivelmente irritado. Definitivamente, era melhor eu entender de uma vez por todas as diferenças entre os dois.
            - Tudo bem, então. Deixa-me pensar um pouco – fiquei alguns longos minutos a andar de um lado a outro da sala, com a mão sob o queixo, pensando no que iria pedir em troca de minha alma.
            Ele estava apressado e visivelmente irritado. Olhava a todo instante para o relógio, como se tivesse um compromisso importante dentro de cinco minutos. Era melhor eu fazer logo meu pedido antes que ele desistisse de mim.
            - Eu gostaria que o Corinthians e o Flamengo fossem rebaixados para a Série B no Campeonato Brasileiro desse ano.
            O Diabo em fim se levantou. Agora era a vez dele andar de um lado a outro, coçar o queixo e pensar naquilo que eu havia pedido.
            - Não. Não posso fazer isso. Não tenho tanto poder nem influência a esse ponto.
            - Mas você não é o Diabo? Não pode tudo? – agora era a minha vez de ficar irritado. Havia pensado tanto e quando, enfim, me decidira ao que queria, ele não poderia fazer aquilo, algo bastante simples.
            - Na verdade, quem tem uma rede de influência muito grande e pode tudo é Deus e, para lhe ser sincero, acho que nem Ele poderia fazer isso que você pede. Ricardo Teixeira, na CBF, tem mais poder que Deus em todo o Universo. Peça outra coisa.
            Decepcionado, comecei a pensar em outra coisa.
            - Argentina... eu quero que a Argentina fique fora das próximas cinco copas do mundo e olimpíadas – pedi.
            O Diabo fez uma cara de quem não tinha gostado de meu pedido.
            - Peça outra coisa, meu amigo, por favor. Eu gosto muito do futebol argentino e tenho até uma camisa autografada por Maradona. Peça outra coisa, por mim, por favor.
            Olhei para a cara dele e vi que ele estava sendo sincero. Se eu insistisse, ele até poderia conceder aquele meu pedido, mas eu não queria começar ali uma inimizade logo com o Diabo!
            - Queria que você extinguisse a sociedade norte-americana. Fazer algo do tipo jogar uma bomba no meio daquele país de crápulas e dizimasse toda aquela sociedade.
            - Eu bem que gostaria, meu amigo, pode acreditar, mas não posso. Quebra de contrato. Lá é que está a maior parte de minha clientela e, apesar de eu ser o Diabo, ainda me resta alguma ética profissional.
            Definitivamente, aquele Diabo não podia nada! Estava dificultando a minha vida. Para eu assinar o contrato, foi fácil, mas para ele cumprir a sua parte no acordo...
            - Os advogados? Você pode acabar com todos os advogados do mundo? Extinguir essa profissão?
            - Não posso nem devo. Quem iria fazer o trabalho sujo quanto eu não estou por perto? Pode escolher quaisquer profissionais, que eu extermino, mas advogados, não. Posso acabar com os gerentes e supervisores de lojas, garçons mal-educados, caixas mal-humorados, atendentes que não sabem atender, corretores de imóveis, vendedores de seguros, motoristas de ônibus, vendedores ambulantes, jornalistas, apresentadores de telejornais, mas advogados não. Peça outra coisa.
            Não havia qualquer espécie de acordo com aquele Diabo. Nada que eu pedisse, ele era capaz de conceder. Cheguei até a pedir uma noite numa ilha deserta só eu e a apresentadora de programas infantis de época de minha infância. Ao ouvir aquele pedido, vi que ele corou ligeiramente, e disse que não podia, pois ela era uma antiga cliente, com quem, inclusive, tivera um relacionamento no passado.
            - Jura? Pensei que isso que todos falassem fossem só boatos.
            - De vez em quando há alguma verdade em certos boatos.
            - Mas qual foi o acordo que vocês fizeram?
            - Não posso falar. Sabe como é, ética profissional.
            Aquele acordo com o Diabo, definitivamente, estava longe de ser o que eu imaginava. Quando assinei o contrato, jamais passou por minha cabeça que entrar num acordo com o Diabo fosse tão difícil chegarmos a um acordo. Sei, sempre soube, que minha alma não valia lá grande coisa, mas, do jeito que as coisas iam, ela parecia valer menos do que imaginava.
            - Chocolate? Muito chocolate, você pode conseguir? Queria algo do tipo ser dono de uma grande fábrica de chocolate.
            O Diabo então olhou para mim com ar desapontado, pegou o contrato que eu havia assinado no bolso de trás de sua calça e o desdobrou completamente, depois pegou uma borracha e apagou cuidadosamente a minha assinatura. Havia caprichado tanto em minha caligrafia, para que a letra ficasse legível, e agora ele apagava tudo! Mas vendo que a tinta da caneta não saía (era uma caneta Bic que eu tinha comprado naquele dia), resolveu rasgar o contrato em mil pedaços bem ali, na minha frente.
            - Desculpe, amigo. Pode ficar com sua alma mesmo.
            - Mas... mas...
            - Não, não. Desculpe ter feito você perder seu tempo. E agora estou atrasado, preciso ir a um compromisso importante. Tchau – ele não deixou sequer eu argumentar que trocaria minha alma por um carro novo, que não precisava nem ser zero quilômetro nem de luxo, só precisava ser mais novo que o Monza velho que eu usava para ir trabalhar todo dia. Na verdade, bastava ele dar uma ajeitada no carro, que eu já me dava por satisfeito.
            Agora, estou eu aqui, com minha alma, que não vale um centavo furado, com o Corinthians e Flamengo na primeira divisão, a Argentina apresentando um bom futebol,, é a atual bicampeã olímpica, é figura cativa nas copas, os Estados Unidos mandando no mundo, os advogados, que são os piores que o próprio Diabo, sem minha apresentadora e só não estou sem meu chocolate porque o Diabo, quando foi embora, deixou um Batom para mim, de cortesia, numa clara ironia, para fazer eu me sentir melhor, como um “prêmio de consolação”. Menos mal. Pelo menos o chocolate eu ganhei, e nem precisei trocar a minha alma por isso.

Um comentário:

  1. Nossa Neto. Estou na dúvida, acho que foi o melhor texto que já li teu, senão um dos melhores!
    Mistura de humor, suspense,ironia, fala direta, simples, mas com um contexto ótimo.
    adorei parabéns, sou tua fã, você sabe!

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