- Tudo bem. Então, deixa eu ver
se entendi – falava, enquanto andava de um lado a outro da sala, tendo os olhos
fixos naquele homem que estava muito bem sentado na minha poltrona favorita.
Ele estava naquela posição desde quando cheguei. Assim que coloquei o pé em
casa e acendi a luz, que o vi, soube logo de quem se tratava, mesmo sem ele ter
se apresentado. Estava muito bem vestido, com um terno de corte curto, preto,
risca de giz, e calças muito bem passadas e usava um perfume suave, muito
agradável, para disfarçar seu cheiro inconfundível. Cheguei a pensar que fosse
um advogado, mas o seu cheiro o denunciou. – Quer dizer que você é o Diabo?
-
âhâ – moveu a cabeça uma vez para cima, uma para baixo e voltou para a posição
anterior. Olhou fixamente para mim e sorriu.
-
Então... quer dizer que eu tenho direito à três pedidos?
-
Não, não, não e não! Quantas vezes eu vou ter que explicar isso? Não sou o
gênio da lâmpada! – reclamou e bateu o pé com força no chão, fazendo a minha
casa inteira tremer.
-
Mas vocês não são a mesma pessoa? Eu pensei que fossem.
-
Na verdade, somos parentes bem distantes, e não nos damos muito bem, diga-se de
passagem.
-
Ah, ta! – fiquei a pensar nos dois, Diabo e Gênio da Lâmpada, como parentes que
não se dão muito bem, numa festa, tipo reunião de família de fim de ano...
-
Muito bem, eu já lhe fiz a proposta, você já assinou o contrato, mesmo sem
tê-lo lido direito, e estou só esperando o seu pedido.
-
Não seria um desejo?
-
Quem propõe isso de desejo é o Gênio da Lâmpada, e eu sou o Diabo. Quantas
vezes vou ter que falar isso? – ele estava visivelmente irritado.
Definitivamente, era melhor eu entender de uma vez por todas as diferenças
entre os dois.
-
Tudo bem, então. Deixa-me pensar um pouco – fiquei alguns longos minutos a
andar de um lado a outro da sala, com a mão sob o queixo, pensando no que iria
pedir em troca de minha alma.
Ele
estava apressado e visivelmente irritado. Olhava a todo instante para o
relógio, como se tivesse um compromisso importante dentro de cinco minutos. Era
melhor eu fazer logo meu pedido antes que ele desistisse de mim.
-
Eu gostaria que o Corinthians e o Flamengo fossem rebaixados para a Série B no
Campeonato Brasileiro desse ano.
O
Diabo em fim se levantou. Agora era a vez dele andar de um lado a outro, coçar
o queixo e pensar naquilo que eu havia pedido.
-
Não. Não posso fazer isso. Não tenho tanto poder nem influência a esse ponto.
-
Mas você não é o Diabo? Não pode tudo? – agora era a minha vez de ficar
irritado. Havia pensado tanto e quando, enfim, me decidira ao que queria, ele
não poderia fazer aquilo, algo bastante simples.
-
Na verdade, quem tem uma rede de influência muito grande e pode tudo é Deus e,
para lhe ser sincero, acho que nem Ele poderia fazer isso que você pede.
Ricardo Teixeira, na CBF, tem mais poder que Deus em todo o Universo. Peça
outra coisa.
Decepcionado,
comecei a pensar em outra coisa.
-
Argentina... eu quero que a Argentina fique fora das próximas cinco copas do
mundo e olimpíadas – pedi.
O
Diabo fez uma cara de quem não tinha gostado de meu pedido.
-
Peça outra coisa, meu amigo, por favor. Eu gosto muito do futebol argentino e
tenho até uma camisa autografada por Maradona. Peça outra coisa, por mim, por
favor.
Olhei
para a cara dele e vi que ele estava sendo sincero. Se eu insistisse, ele até
poderia conceder aquele meu pedido, mas eu não queria começar ali uma inimizade
logo com o Diabo!
-
Queria que você extinguisse a sociedade norte-americana. Fazer algo do tipo
jogar uma bomba no meio daquele país de crápulas e dizimasse toda aquela
sociedade.
-
Eu bem que gostaria, meu amigo, pode acreditar, mas não posso. Quebra de
contrato. Lá é que está a maior parte de minha clientela e, apesar de eu ser o
Diabo, ainda me resta alguma ética profissional.
Definitivamente,
aquele Diabo não podia nada! Estava dificultando a minha vida. Para eu assinar
o contrato, foi fácil, mas para ele cumprir a sua parte no acordo...
-
Os advogados? Você pode acabar com todos os advogados do mundo? Extinguir essa
profissão?
-
Não posso nem devo. Quem iria fazer o trabalho sujo quanto eu não estou por
perto? Pode escolher quaisquer profissionais, que eu extermino, mas advogados,
não. Posso acabar com os gerentes e supervisores de lojas, garçons
mal-educados, caixas mal-humorados, atendentes que não sabem atender,
corretores de imóveis, vendedores de seguros, motoristas de ônibus, vendedores
ambulantes, jornalistas, apresentadores de telejornais, mas advogados não. Peça
outra coisa.
Não
havia qualquer espécie de acordo com aquele Diabo. Nada que eu pedisse, ele era
capaz de conceder. Cheguei até a pedir uma noite numa ilha deserta só eu e a
apresentadora de programas infantis de época de minha infância. Ao ouvir aquele
pedido, vi que ele corou ligeiramente, e disse que não podia, pois ela era uma
antiga cliente, com quem, inclusive, tivera um relacionamento no passado.
-
Jura? Pensei que isso que todos falassem fossem só boatos.
-
De vez em quando há alguma verdade em certos boatos.
-
Mas qual foi o acordo que vocês fizeram?
-
Não posso falar. Sabe como é, ética profissional.
Aquele
acordo com o Diabo, definitivamente, estava longe de ser o que eu imaginava. Quando
assinei o contrato, jamais passou por minha cabeça que entrar num acordo com o
Diabo fosse tão difícil chegarmos a um acordo. Sei, sempre soube, que minha
alma não valia lá grande coisa, mas, do jeito que as coisas iam, ela parecia
valer menos do que imaginava.
-
Chocolate? Muito chocolate, você pode conseguir? Queria algo do tipo ser dono
de uma grande fábrica de chocolate.
O
Diabo então olhou para mim com ar desapontado, pegou o contrato que eu havia
assinado no bolso de trás de sua calça e o desdobrou completamente, depois
pegou uma borracha e apagou cuidadosamente a minha assinatura. Havia caprichado
tanto em minha caligrafia, para que a letra ficasse legível, e agora ele
apagava tudo! Mas vendo que a tinta da caneta não saía (era uma caneta Bic que
eu tinha comprado naquele dia), resolveu rasgar o contrato em mil pedaços bem
ali, na minha frente.
-
Desculpe, amigo. Pode ficar com sua alma mesmo.
-
Mas... mas...
-
Não, não. Desculpe ter feito você perder seu tempo. E agora estou atrasado,
preciso ir a um compromisso importante. Tchau – ele não deixou sequer eu
argumentar que trocaria minha alma por um carro novo, que não precisava nem ser
zero quilômetro nem de luxo, só precisava ser mais novo que o Monza velho que
eu usava para ir trabalhar todo dia. Na verdade, bastava ele dar uma ajeitada
no carro, que eu já me dava por satisfeito.
Agora,
estou eu aqui, com minha alma, que não vale um centavo furado, com o
Corinthians e Flamengo na primeira divisão, a Argentina apresentando um bom
futebol,, é a atual bicampeã olímpica, é figura cativa nas copas, os Estados Unidos mandando no mundo, os advogados, que são os piores
que o próprio Diabo, sem minha apresentadora e só não estou sem meu chocolate
porque o Diabo, quando foi embora, deixou um Batom para mim, de cortesia, numa
clara ironia, para fazer eu me sentir melhor, como um “prêmio de consolação”. Menos
mal. Pelo menos o chocolate eu ganhei, e nem precisei trocar a minha alma por
isso.
Nossa Neto. Estou na dúvida, acho que foi o melhor texto que já li teu, senão um dos melhores!
ResponderExcluirMistura de humor, suspense,ironia, fala direta, simples, mas com um contexto ótimo.
adorei parabéns, sou tua fã, você sabe!