domingo, 28 de outubro de 2012

Crônica das idades de um homem



Quando eu tinha 5 anos, eu era um menino como tantos outros: gostava de brincar com meus playmobil, de jogar dama, de ir pra escola (mais para brincar na hora do recreio do que para estudar, diga-se de passagem), de ficar na rua com os amigos, mas, como todo menino, não gostava da “hora de dormir” e tudo que eu mais queria era poder, como os meninos mais velhos, poder ficar até mais tarde na rua e brincar de esconde-esconde, brincadeira esta que eu não entendia de todo as regras e o fascínio, mas sempre que via ou ouvia que eles (os meninos mais velhos) brincavam na rua, enquanto eu estava em casa, deitado na minha cama, esperando o sono chegar; tudo que eu mais queria era que o tempo (os anos) passassem bem depressa, para eu fazer logo 10 / 12 anos.
            Quando eu tinha 10 / 12 anos, eu era um pré-adolescente como um outro qualquer: gostava de jogar bola no campinho perto de casa ou, às vezes, à noite, no meio da rua, de brincar de esconde-esconde, quando havia mil e um esconderijos onde jamais poderiam me encontrar em meio àquelas sombras da noite; não gostava de ir ao colégio, pois as aulas eram entediantes, para mim uma verdadeira tortura ficar preso entre aquelas quatro paredes tendo que escutar aquelas “ladainhas” que, para mim, na época, não tinham o menor interesse, que eram as explicações dos professores; tinha alguma liberdade para ir dormir um pouco mais tarde, embora não pudesse ficar até altas horas da madrugada na rua; mas, como todo pré-adolescentes, eu não estava satisfeito com a idade, e queria entrar, de uma vez por todas, na adolescência, deixando de ser “pré”, pois estava fascinado pelas roupas que os meninos de 15 anos usavam, com cores escuras e queria entender como e por que eles olhavam as meninas de uma maneira diferente da que eu, um pobre e ingênuo pré-adolescente, olhava; desejava, toda noite, que o tempo (os anos) passassem bem depressa, para eu completar logo meus 15 anos e viver essa tumultuosa fase da vida que era a adolescência.
            Quando eu tinha 15 anos, eu era um adolescente como tantos outros: não gostava de brincar de nada, pois brincar era coisa de menino, e menino eu não era mais (!), mas gostava de continuar jogando bola todas as tardes e chegar a casa imundo, totalmente cheio de terra e suado; não gostava do colégio, pois as aulas eram chatas, embora já tivesse alguma consciência do quão os estudos são importantes; adorava ficar até tarde do lado de fora, conversando com os amigos sobre tudo um pouco, sentindo o “prazer da liberdade”; adorava usar roupas pretas,calças folgadas e camisetas de minhas bandas favoritas; tudo bem que em alguns aspectos nunca fui um adolescente dos tradicionais (típico aBoRRescente!), pois nunca fui um “revoltado sem causa e problemático” e nunca fui namorador, pois minha timidez nunca deixou; mas, como todo adolescente, aquela liberdade que eu tinha recém-adquirido não me era suficiente, e eu queria completar os meus 18 anos, que, segundo se dizia, era uma idade crucial, que representava como que uma prévia do que seria a minha vida adulta, mas sem todas as exigências e responsabilidades que tal idade exigem, queria saber o que era ter alguma responsabilidade e consciência; queria saber o que era aquele mistério de que os recém-homens diziam e falavam tanto, que era o sexo.
            Quando era tinha 18 anos, era um nem-adolescente-nem-adulto como todo jovem de 18 anos: tinha algumas responsabilidades das quais queria fugir e tinha negadas umas outras, que gostaria de ter; era um quase adulto diferente, pois via os relacionamentos como algo ímpar sob um prisma sentimental, motivo pelo qual sempre acabava sozinho nas raras festas a que fui, sendo muitas vezes zombado pelos colegas da mesma idade, muitos dos quais já tinham tido mil e uma namoradas (era o que eles diziam, e eu, óbvio, sabia do exagero que eram aquelas coisas e infinitas conquistas que eles falavam, mas, mesmo assim, invejava as suas várias conquistas); havia acabado de entrar na universidade, onde era o mais jovem da turma; continuava a ser o mesmo tímido de sempre, mas já tinha vivido as minhas paixões e descoberto a intensidade do prazer do sexo; mas eu não estava satisfeito, e queria mais, mais e mais, queria ser logo, e completar, enfim, os meus 21 anos, que era a idade em que tudo mudava, em que me tornaria, enfim, um homem completo, e poderia agir como tal.
            Quando eu tinha 21 anos, era um homem comum: estudava na universidade e vivia numa eterna briga com o tempo, correndo para dar conta dos infinitos trabalhos, leituras de textos para discussão em sala e preparação de seminários extenuantes; tinha as minhas responsabilidades, feliz da vida por conseguir pagar ao menos parte de minhas próprias contas e poder comprar as minhas coisas com valor que recebia como bolsista da universidade; tinha vivido intensamente alguns relacionamentos que me deixaram cicatrizes na alma, cicatrizes estas que irão me acompanhar para o resto da vida, que vez por outra sangravam, sinais de aprendizado e dores pelas quais passei; como adulto recém-promovido, adorava olhar para trás e ver tudo por que passara, vendo a vida em retrospectiva. Mas eu não estava, ainda, satisfeito, e desejava que o tempo corresse como um louco, para eu chegar aos meus 25 anos, idade que representava o início da maturidade, um quarto de século vivido, em que poderia pensar em projetos mais sérios para a vida.
            Quando eu tinha 25 anos, era um homem-recém-amadurecido comum: tinha mil e um projetos de vida; tinha conquistado o meu primeiro emprego numa empresa com a qual me identificava e me sentia o homem mais feliz do mundo; já tinha vivido muitos amores e sofrido inúmeras dores, mas acreditava já ter aprendido o suficiente da vida e dos relacionamentos, estando já suficientemente “calejado”, pronto para encarar a vida de frente; tinha recém-saído da universidade cheio de planos, mas como muitos recém-formados, não sabia o que fazer agora que estava de posse de meu diploma; vivia uma rotina cansativa e extenuante, como todo homem vive, mas não reclamava, pois havia aprendido que na vida nem tudo são flores, e é necessário se viver dentro de um sistema de regras e de rotinas, pelo menos durante algumas horas do dia.
            Hoje, olhando para trás, vendo tantas idades pelas quais passei, tantos momentos que vivi, tudo o que eu queria ter era voltar no tempo, ter os meus 5, 10/ 12, 15, 18, 21 e 25 anos de volta, poder viver novamente com intensidade tais idades, aproveitá-las novamente, ainda mais. Faria tudo exatamente igual: erraria, igual, acertaria, igual. Pena que o passado não volta, que não existe uma máquina do tempo, mas nem por isso eu irei deixar de ser o menino, pré-adolescente, adolescente, nem-adolescente-nem-adulto e homem que sempre fui e sempre vou ser, pois tal passado faz de mim o que sou e o que virei a ser.
            Independente da idade que eu tenha, eu sempre vou querer chegar a idade adiante, passar de fases na vida, pois a vida é feita de fases infinitas, com as quais nunca estamos planamente satisfeitos, querendo sempre mais, mais e mais, chegar sempre mais, mais e mais longe, no entanto, hoje, o que desejo é que o tempo passe bem devagar, para que eu possa curtir com intensidade cada momento, cada idade, cada fase de minha vida.

E agora, o que será de mim?


E agora, o que será de mim, já que a campanha eleitoral acabou?
            O que será de mim, sem ter que receber, com um sorriso constrangido no rosto, todos aqueles panfletos que me entregam nas ruas? O que será dessas pessoas, que vão perder seus empregos? O que será das árvores, que não mais serão cortadas para se fabricar papel em que seriam confeccionados tais panfletos?
            Carros-de-som? O que acontecerá aos carros-de-som, que agora ficarão estacionados até sei lá quando? Não mais ouviremos o dia inteiro, nas ruas e avenidas da cidade, aquelas musiquinhas irritantes, mas que ficam em nossas cabeças e que não nos deixam dormir? E se dormirmos, sonhamos com elas, já que são tão irritantes e pegajosas que surtem um efeito-lavagem-cerebral.
            E as horas no trânsito, que perdemos, devido as carreatas que atrapalham a metade da cidade? O que farei, agora, com o tempo da viagem de ônibus, que vai passar mais rápido? Onde encontrarei mais tempo para ler um livro, uma revista ou simplesmente ficar escutando minhas músicas (com fone de ouvido, para isolar o som daquelas dezenas de carros, pick-ups, carros-de-som,...?
            O que será da cidade, que vai perder seu colorido, já que os outdoors, agora com o fim da campanha, não mais serão cuidados e tendem a desbotar? As placas de publicidade serão substituídas e darão espaço a propagandas, e não mais veremos o rosto com um sorriso estampado, esbanjando felicidade e simpatia. Que falta tais sorrisos farão ao meu dia!
            E os carros multicoloridos, com símbolos de partidos, fotos dos candidatos e um enorme número estampado, o que será feito deles?
            E as bandeirinhas, nas principais ruas e avenidas da cidade, o que será feito delas? As pessoas não mais as agitarão? Não mais irei encontrar todas aquelas pessoas, felizes, sorrindo, enfrentando sol de rachar só para agitá-las?
            E as ligações que recebia quase diariamente, principalmente nos últimos dias? E as milhares de mensagens de texto em meu celular? Fico me perguntando como tantas pessoas, tantos candidatos, conseguiram tão facilmente meus números! E e-mails? Nunca me senti tão valorizado, nunca recebi tantos e-mails em minha vida quanto nesta campanha eleitoral, mesmo estando tais propagandas proibidas por lei.
            E os horários “gratuitos” de propaganda eleitoral, no rádio e na TV? Não mais vou ter minha música favorita interrompida bem no meio para ser obrigado a ouvir as “propostas” dos candidatos nas rádios? Na televisão, vou ficar sem o momento de lazer, quando, junto com toda a família e amigos, nos reuníamos para ficar vendo, ouvindo e rindo dos estranhos candidatos que aparecem, fazendo as propostas mais absurdas? Triste fim de tais momentos, que eu tanto apreciava!
            Hoje, nas primeiras horas da manhã, senti como se estivesse me dirigindo a um velório de um alguém muito querido, como se fosse dar meu último adeus. Peguei fila, como se o velório foi de um alguém muito importante, famoso, e na verdade é. Peguei fila para exercer minha cidadania, para fazer valer, reafirmar o estado democrático onde vivo. Mas bem que a fila poderia ter sido menor. Uma fila onde fiquei durante uma hora e quinze minutos. Não que eu esteja reclamando. Muito pelo contrário. Estava lá, feliz da vida, esperando, ansioso, para exercer o meu direito adquirido o qual sou obrigado a exercer. Mas o que seria de nós, cidadãos, sem as nossas obrigações? É preciso se ser obrigado para aprendermos a valorizar todo aquele benefício que nos é oferecido!
            Hoje estou triste, por que não sei mais o que será de mim, com o fim da campanha eleitoral. Mas há uma coisa que me consola: a vida continua. Tudo bem que amanhã o lixo vai estar entupindo bueiros, jogado por todas as ruas da cidade e vou ver centenas de trabalhadores da limpeza pública nas ruas para recolhê-los e jogá-los em local adequado. Tudo bem que milhares de árvores foram cortadas para se fabricar papel onde foi impresso propaganda, com rosto e número dos candidatos, que 99,9% das pessoas nem presta atenção. Tudo bem que o sorriso radiante e simpatia saiu da face dos candidatos, tanto dos que foram eleitos quanto dos que não foram, como que num passe de mágica. Tudo bem... Tudo bem... Tudo bem... Isso tudo faz parte do processo natural do nosso sistema democrático. Só nos resta, agora, esperar, para viver isso tudo novamente nas próximas eleições. Barulhos, musiquinhas, panfletos, outdoors, bandeiras, sorrisos, carros-de-som, carros multicoloridos, ligações, mensagens de celular, e-mails, programas nos rádios e canais de televisão... 
Enfim, a vida que segue pós campanha eleitoral...

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O homem que podia voar



Ele podia voar, apesar de não possuir asas, de ser grande, pesado e desengonçado; mesmo assim, ele podia voar. Bastava ele querer, fechar os olhos e abrir os braços, que podia sentir a leveza, paz e total tranquilidade tomar conta de todo o seu corpo, pegando sua alma pela mão e o libertando daquele mundo pequeno em que vivia, com os pés colados no chão e de alma aprisionada. Ele voava, sempre que podia, sempre que queria, e as pessoas que estavam ao seu redor o olhavam com estranheza sempre que o viam levantar-se do chão, algumas chegando mesmo a lhe apontar o dedo, criticando-o por aquele “exibicionismo barato e sem lógica”; mas ele não ouvia tais críticas e nem via os olhares recriminadores que as pessoas lhe lançavam, pois, mesmo quando estava com os olhos abertos, sua alma estava livre, e voava livremente pelo firmamento.
            Ele podia, em seus voos, visitar mil e um mundos, adentrar em todas as portas, pois era uma alma livre, leve e solta. O tempo também não lhe oferecia barreiras, pois quando estava a voar, ele podia visitar passados longínquos e vislumbrar um futuro distante, assim como se livrar de todo e qualquer tempo e viver numa total atemporalidade. A fantasia estava sempre com as portas abertas para ele, que podia, se quisesse, tanto viver entre os homens, normais, e viver suas rotinas, dramas e alegrias, quando entre seres imaginários, que só se tornavam reais para aqueles que possuíam a leveza da alma e que podiam voar livremente pelos sete céus.
            Ele podia, quando leve, quando seus pés se libertavam das amarras que lhe prendiam ao chão, que abria os braços e os olhos da alma, conhecer, viajar, ser o que ou quem quisesse ser, ou ser simplesmente ninguém, um mero expectador e assistir ao desfecho de todas as histórias. Podia se emocionar, rir, chorar, mas não podia ou conseguia ficar indiferente, em hipótese alguma, pois se assim o fizesse, cairia no chão, na dura realidade, e o dom de voar lhe seria proibido naquele momento. Indiferença e não-envolvimento-emocional e voo eram coisas que não combinavam,e ele sabia disso, por isso, sempre que voava, se entregava inteiramente de corpo e alma àquilo que se descortinava à sua frente e se oferecia tão livremente à sua alma.
            Ele, quando voava, entrava em estado de êxtase profundo, do qual ninguém nem nada podiam tirar. Ele havia se tornado um completo dependente de voos e de liberdade. Quando voava, ele era rico, era pobre, era homem, era mulher, era criança, jovem, adulto ou idoso; quando voava, ele era tudo ou era simplesmente ele.
            Ele, voando, podia ouvir mil e um sons, desde a música cantada pelo vento, passando pelas vozes das pessoas lá embaixo até o mais profundo, completo e reconfortante silêncio. Ele podia simplesmente tudo quando voava. Os seus cinco sentidos estavam completamente livres, aguçados: podia sentir todos os gostos, ver tudo, sentir os toques, os cheiros e ouvir.
            Ele voava onde quer que estivesse; mesmo com os pés colados ao chão, ele voava, pois para voar bastava querer, bastava sentir a textura daquele poderoso objeto mágico que tinha nas mãos, abri-lo e mergulhar de cabeça nas suas páginas e beber cada uma de suas palavras. Para voar, ele só precisava abrir aquele livro, sentir-se livre e deixar-se tomar por inteiro por aquelas palavras mágicas e encantatórias.

domingo, 21 de outubro de 2012

Foi num fim de tarde...


Era fim de tarde e a anciã estava sentada, como sempre fazia àquela hora, vendo o pôr do sol. Sentada em sua cadeira de balanço no canto mais afastado da varanda de sua casa, ela, enquanto contemplava tão rarocomum momento, olhando ao longe, revivia os momentos passados de simples felicidade.
O pôr do sol, para ela, era a hora em que tudo acontecia. Foi num fim de tarde, quando ainda era uma adolescente, que vira o homem de sua vida pela primeira vez, e que só vários meses após aquele primeiro encontro, no exato instante em que o sol de deitava no horizonte, que eles se beijaram pela primeira vez. Foi num fim de tarde em que o sol demorava a se pôr, como que para contemplar a felicidade dela, que se casou, e nove meses depois, quando o sol se pôs, que deu a luz ao primeiro filho, cuja primeira visão foi a da luz do sol de fim de tarde que entrava pela janela entreaberta.
Teve vários filhos, todos nascidos à mesma hora, que levava, quando crianças, para brincar à sombra de uma árvore, para sentirem a brisa vespertina que soprava vinda do oceano e para, no exato instante em que o sol se punha, ficarem em silêncio só pelo prazer de verem o sol fechar os olhos lentamente no horizonte.
Era sempre ao final de cada tarde que ela se sentava para ver o pôr do sol enquanto esperava o marido chegar do trabalho, sempre trazendo presentes para ela e para as crianças, e foi num dia, no único dia naqueles longos anos de felicidade, em que se atrasou, chegando no início da noite, que trouxe consigo a notícia de que estava doente. Os dois choraram juntos, e prometeram um para o outro lutar juntos até o fim, e nunca deixarem um ao outro sozinho, não importa o que acontecesse.
Lutaram, choraram, sorriram e tiveram esperanças, e foi num dia, num fim de tarde, em que tinham esquecido de por que um dia estiveram tristes, que ele se foi, junto com o sol que fechava os olhos para dar lugar a noite. Foi nessa noite de ventos frios em que a nuvem encobriu a lua e as estrelas, que ela chorou sozinha e que soube que nunca estaria a sós, pois ele estaria para sempre com ela e viria visitá-la ao final de cada tarde, e ficariam calados, de mãos dadas, vendo o sol se pôr.
Ele foi enterrado, ao final da tarde seguinte, embaixo de uma árvore na parte alta do cemitério, em cima de um pequeno morro, para que pudesse contemplar, todo dia, o espetáculo que a vida oferecia diariamente a todos que tinham sensibilidade para ver o momento.
Ela voltou calada durante todo o trajeto do cemitério até sua casa, onde se trancou no quarto por vários dias, só abrindo a janela do para ficar junto e segurar a mão de seu marido enquanto contemplava o pôr do sol.
Foi num fim de tarde que recebeu a notícia do filho dizendo que ela ia ser avó, de um outro que tinha arranjado um emprego e outra cidade e de um terceiro que tinha passado no vestibular.
Foi enquanto o sol se punha que uma filha, que ainda muito jovem tinha saído de casa para ganhar a vida, trabalhando numa cidade distante, voltou para que ela conhecesse sua primeira neta. Ela sentou a criança em seu colo, que imediatamente olhou ao longe, para onde o sol se punha, e ficaram as três, mãe, filha e neta, a contemplar a beleza do momento.
Enquanto contemplava o pôr do sol foi que recebeu a notícia da morte trágica de um dos filhos, que ficou sabendo da doença de um irmão e que chorou de saudade dos tempos e das pessoas passadas.
Era em cada fim de tarde, de alegrias e tristezas, de lágrimas e sorrisos, que ela se sentia em paz. Era o silêncio do canto dos pássaros de cada fim de tarde que a reconfortava, que fazia de cada momento eterno, que fazia a vida valer a pena, que ela sentia como que o tempo parar ou passar lentamente, como a luz do sol que vai se apagando pouco a pouco.
Foi naquele fim de tarde em que contemplava o sol como da primeira vez, que viu seu marido se aproximar chorando, e ela o recebeu sorrindo, de braços abertos. Os dois ficaram lado a lado: ela em sua cadeira de balanço e ele de pé, que contemplaram o pôr do sol pela última vez que, quando o sol fechou seus olhos naquele fim de dia, ela também fechou os seus, e ficou para sempre com o brilho eterno do sol em seus olhos.

sábado, 13 de outubro de 2012

Quando não te vi...


Subi correndo aqueles dois lances de escadas e cheguei à porta do apartamento com o coração ameaçando me sair pela boca, mas com um sorriso estampado no rosto. Demorei-me alguns segundos até a respiração voltar ao normal e, com a mão tremendo, coloquei a chave na fechadura da porta. Mas não a girei a princípio, aproveitando e saboreando cada instante antes de abrir a porta. Coloquei meu ouvido na porta, para ouvir os passos de quem estava dentro do apartamento, mas só ouvi o silêncio. Bati suavemente na porta, mas não obtive qualquer resposta.
            Já com a respiração normalizada, mas com o coração ainda aos pulos e um sorriso estampado no rosto, girei lentamente a chave na fechadura, abrindo a porta aos poucos para que ela não fizesse barulho. Quando abri totalmente a porta, ouvi apenas o silêncio ao invés de passos de uma pessoa correndo para vir me abraçar. Chamei seu nome baixinho, depois mais alto, mais alto e mais alto, mas só ouvi como resposta o eco de minha própria voz. O sorriso tinha sumido, ficando em seu lugar uma expressão de preocupação no rosto, e coração começou a bater tão fracamente que ameaçava parar a qualquer instante. Dei um passo inseguro para dentro de casa e senti um vento frio que entrava pela janela aberta me saudar com seu abraço. A cada passa que dava as minhas pernas pareciam ficar mais pesadas. Chamava seu nome já com medo da resposta que receberia: o silêncio.
            Procurei em todos os cômodos, mas ela não estava em canto algum, e já desesperado fui ao quarto e vi, sobre a cama, sua toalha. Peguei-a e a levei lentamente ao rosto. A toalha, ainda úmida, tinha seu cheiro tão inebriante e doce quanto o desabrochar de mil primaveras. Joguei-me na cama, sobre os lençóis amarrotados, que ainda guardavam o calor do aconchego de seu corpo. No travesseiro, vi, fios de seus cabelos. Fechei os olhos com força e relembrei a noite passada e consegui ouvir a sua respiração entrecortada por suspiros e gemidos; senti novamente o calor de seu corpo colado ao meu, o seu suor se misturando ao meu e os seus lábios a me procurar. Inspirei fundo e senti o cheiro de seu corpo tão vivo naquele quarto, naquela cama e em meu próprio corpo. Senti o gosto de seu beijo tão forte e intenso.
            Ao abrir os olhos, vi que ela não estava mais ali, que tudo aquilo que sentia eram apenas lembranças, que estavam impregnadas em todos os cantos. Fechei novamente os olhos e deixei que deles escapassem algumas poucas lágrimas silenciosas e dolorosas. Quando os reabri, com a visão nublada, vi que num canto do quarto, no chão, jazia uma folha de papel, que tinha ido parar ali, por certo, tendo sido empurrada pelo vento. Em minha pressa e com minha falta de jeito, amassei a folha. Não consegui ler o que havia escrito nela. O coração batia descompassado e o ar que puxava parecia não chegar aos pulmões. Procurei me acalmar, o que demorou uma eternidade para acontecer. Quando finalmente me voltou à clareza da razão e dos sentimentos, o que li o que ela havia escrito, sorri, tranquilizado por aquelas palavras, por aquela voz que ecoava em minha cabeça como se fosse ela que estivesse a ler aquela breve carta.
            Levantei-me e peguei novamente a toalha e fiquei me abraçando a ela, sentindo aquele cheiro, deixando que ele me tomasse toda a alma, até que fui acordado de meu devaneio por uma batida na porta. Sorri, antevendo o reencontro. Deixei que ela batesse mais uma vez na porta e me chamasse, e só quando ela assim o fez, dei os primeiros passos. Queria correr para ir abrir a porta, mas preferi andar devagar, como que contando os passos, como que para saborear os momentos que antecedem ao reencontro. Chegando a porta, respirei fundo duas ou três vezes e girei lentamente a chave na fechadura. Quando abri a porta, nossos olhos se encontraram e nossas almas pularam, uma nos braços da outra e sorrimos um para o outro...