quarta-feira, 25 de março de 2015

Dez anos de livraria e uma certeza: não sou um bom vendedor

Nunca fui um bom vendedor. Estranho essa certeza ter me vindo à mente justamente agora, quando estou prestes a completar 10 anos de livraria (é, amigos... o tempo voa, e como voa...). Talvez Rose, tendo descoberto isso num piscar de olhos há dez anos o que eu só vim a descobrir agora, não me contratou para trabalhar com vendas, vaga que eu pleiteava, mas sim para atuar “na retaguarda da livraria”, em seu estoque, onde eu teria mais contato com os livros que estavam chegando diariamente à nossa loja. Mas eu sou teimoso e todo santo dia exigia o máximo de minha eficiência dentro do estoque para acabar com minhas obrigações só para poder ficar umas horinhas ou míseros minutinhos no salão da livraria só para poder experimentar a adrenalina e desafio do que é ser vendedor.
            Rose, com sua sensibilidade, percebeu que eu não levava jeito para vendas, mas sim para um trato e uma relação diferenciada com o livro, e, por isso mesmo, resolveu me promover antes do término de meu contrato de experiência. Foi aquele primeiro sábado, 2 de julho de 2005, um dos dias mais felizes de minha vida. Eu corria de um lado pro outro pela livraria, atendendo um leitor e outro, orientando, ajudando, localizando livros, fazendo indicações de leitura e, o mais curioso de tudo, apesar de, naquele dia, ter alcançado um record em valores de venda, não vendi, no sentido restrito da palavra, um único livro. Eu fiz e continuei fazendo muito mais do que vender livros nos dias, semanas, meses e anos que se seguiram.
            Cheguei, na metade dessa longa-curta empreitada de dez anos, a marcas expressivas, como, por exemplo, ao número de R$1.000.000,00 em vendas de livros, no início de 2009, o que me rendeu um bom prêmio, placa e homenagens, e não vou dizer que nunca tenha atuado como vendedor, pois atuei, sim, mas me orgulho de dizer que foram raros esses momentos e que tenho, hoje, plena consciência de que atuar diretamente com vendas não é o meu forte. Sempre bati as metas propostas sem precisar, nunca, me desesperar, correndo atrás de clientes, mesmo porque, eu nunca fui de ter clientes, mas sim amigos leitores, pessoas com quem troco experiências e impressões de leitura.
            Nesses dez anos eu já fiz muitos amigos, e um orgulho que tenho é que não fiz inimizades (tudo bem que há uma pessoa ou outra que entrou – e que entra – na livraria e não foi – não vai – com a minha cara; tudo bem que me dei e me dou melhor com uma pessoa do que com outra, mas inimizade mesmo, não fiz, assim como não sou de fazer em lugar algum), prova disso é a boa relação que cultivo diariamente com todas as pessoas com quem convivi e convivo diariamente. Posso até não falar diariamente com todo mundo, pode até fazer um considerável tempo que não dou um “oi” para um ou outro, mas que, mesmo com as não-palavras-ditas, sei que a amizade continua intacta. Meu respeito e admiração por Andreza continua intacto e cresce mais e mais a cada dia, as boas lembranças dos tempos do convívio diário com Alessandra continuam em mente, a saudade dos papos-cabeça com Ivson por vezes aperta, o carinho e o respeito por Alessandro e Leonardo nem se fala... Foram e são tantas as pessoas com quem tive a imensa honra e privilégio de conviver nesses dez anos que é impossível citar todas num único texto, mas, mesmo não verbalizando seus nomes, todas são lembradas diariamente por mim ao sair de casa todo santo dia para mais uma jornada de trabalho. O que falar da admiração que tenho por Marcony, que, se eu me orgulho por estar para completar dez anos, o que dirá e sentirá ele, que já tem quase a minha idade só em tempo de estrada? O que falar da relação de cooperação contínua e respeito construída diariamente com Adriano? O que falar da amizade e respeito que nutro por Elinaldo, Luíza e Laiz? É, amigos... foram e são muitos amigos que a vida e o trabalho me deu nesses dez anos de labuta diária...
            Foram inúmeros os supervisores e gerentes nesse meio tempo, desde Vilma e Teresa, lá atrás, nos tempos de Siciliano, até hoje, já na família Saraiva, trabalhando com Stela. Mas sabe o que é mais legal nisso tudo, de minha relação com meus superiores? Eles não são e nunca foram superiores, gerentes, supervisores, líderes (essas nomenclaturas são somente cargos, são somente nomes que constam nas carteiras de trabalho deles), mas sim iguais, em trabalho, cargo, brigas, desentendimentos e muitos entendimentos. Tudo bem que nem sempre estive nem estou de acordo com uma postura frente a determinada situação e por vezes até discuto, com o devido respeito, com aquele a quem devo me relatar, mas essas rusgas nunca atrapalharam nem vão atrapalhar a excelente relação que construí e construo com cada um.
            Mas sabem o que me fez colocar em retrospecto isso tudo, sabe o que fez essas memórias me tomarem subitamente de supetão? A sólida e inigualável relação que construí com as dezenas, centenas, quiçá milhares de pessoas ao longo desses dez anos. Nunca pautamos a nossa relação baseada no preceito vendedor-cliente, mesmo porque, como já disse, não sou um bom vendedor, e se dependesse de meus dotes profissionais como tal para fazer amizade, iria morrer na solidão, mas sim na relação entre amigos, entre duas pessoas que amam o mesmo ser-elemento vivo: o livro. E aqui, mais uma vez, fico com uma imensa dor no peito e consciência por não poder citar todos, pois são MUITOS, podem ter certeza, e peço uma Odisseia de desculpas a cada um, dando-lhes a certeza de que, mesmo sem falar seus nomes, lembro de cada um.
            É impossível, sempre, para mim, falar nesses meus dez anos de livraria sem lembrar e falar nos nomes do compulsivo-por-livro Rômulo, sempre exalando tranquilidade e simpatia; do sempre sensato e elegante em seus comentários e opiniões Adauto, do casal que eu muito admiro Marcos-Karina, do pai-filha Honório-Bárbara; da plural e com muito bom gosto, sempre, em tudo, Nicolle; da meio-tímida Val, sempre a procurar e pedir, desejosa de uma indicação de uma leitura que a surpreenda; de Lorenna, que todo mês diz que não vai, que não pode comprar livros, mesmo com seu Vale Cultura, mas nunca consegue resistir ao pôr os pés na livraria. O que posso falar de Adriana, que é, mais do que uma mulher, um Ser Humano extraordinário? Maria do Carmo, Célia, Neusa e Ariette são pessoas a quem muito admiro e respeito mais do que consigo expressar; Dilermando, Maurício e José Brandão, eu não saberia nem o que falar; Joenilson, o maior francófilo do mundo, eu não consigo mais conceber qualquer pensamento sobre a França sem que a sua figura me venha à mente; Monique, Elisabeth, Henrique, Pedro, Leopoldo, Virgínia, Sesiberg, Hérica, Ronaldo, Alberto, Marcello, Ammer, vigi... e por aí vai a enorme lista de amigos que a vida-trabalho-livraria me deu nesses dez anos. Tem também, além desses todos, aqueles que eu nunca sei ou lembro do nome, como aquele senhorzinho que vai duas vezes por mês à livraria para comprar livros para sua esposa, e sempre me pede uma indicação, e eu sempre acerto em cheio, mesmo sem nunca ter trocado uma única palavra com ela! Tem aquela mulher elegante, que mora na Inglaterra, que vem ao Brasil uma vez por ano e, sempre que pode, passa na livraria para pegar, comigo, uma lista de indicações de leituras para fazer ao longo do ano seguinte; tem aquela senhora, juíza, que ama literatura russa, que me confidenciou certa vez que não vê a hora de largar os excessos de formalidades e obrigações que a sua profissão lhe impõe para poder se dedicar ao fantástico universo da literatura; tem aquele senhor que foi médico legista durante décadas, mas que hoje, aposentado, resolveu cuidar só e exclusivamente de orquídeas e ler, ler e ler.

            É, amigos, dez anos não é pouco tempo, não, e são muitas pessoas que eu tive o privilégio de conhecer e estar construindo, sempre, uma sólida amizade, e prova disso é ver a agenda de meu celular, repleta de tantos nomes de pessoas da livraria, e isso só foi/é possível pelo fato de eu ser um não-bom-vendedor, mas sim um amante confesso da literatura e um orgulhoso livreiro de ter trilhando e estar trilhando um longo-curto caminho.