domingo, 28 de julho de 2013

O Criador de Nuvens



Era ele quem dava formas e cores às nuvens. Criava e as soltava no firmamento, para que pudessem cair nos braços do vento e bailar nos céus à vista de todos. Gostava de vê-las assim, soltas, correndo e se desfazendo em mil outras nuvens, decompondo-se e recompondo-se em outras tantas formas, mesclando-se umas às outras, tornando-se nuvens maiores que às vezes até assustavam as pessoas que as contemplavam. Gostava de senti-las nas próprias mãos enquanto as modelava. Eram tão macias quanto o mais puro e fino algodão, mas também podiam ser tão firmes quanto uma rocha quando misturadas com mil outros compostos para dar a forma e cor de uma nuvem de tempestade. Estas, ele construía apenas quando se sentia triste, e as águas que carregavam eram as de suas lágrimas, dos momentos em que se sentia profundamente triste e solitário.
            Gostava de trabalhar junto com os ventos, a quem entregava suas obras de arte, para que as levasse embora e as deixasse livre a percorrer os mundos que desejassem; gostava de ouvir as palavras que as pessoas jogavam ao vento, as quais ele, o vento, lhe trazia; gostava de ver, lá do alto, as pessoas embaixo, deitadas no chão, a olhar para o céu e dar nomes às formas que ele criava.
            Criava formas geométricas indefinidas, animais que não existiam e reconstruía, em bonecos e cenários, batalhas históricas que foram travadas apenas em seus pensamentos. Criava nuvem por nuvem com igual esmero e amor, e até as nuvens que regava com suas lágrimas, ele as amava. Eram todas suas obras de arte, suas criações, suas filhas. Algumas ele até ficava por mais tempo, contemplando-as, amando-as em silêncio, e outras até gostaria de ficar apenas para si. Mas sabendo que não poderia guardá-las, de que não poderia ficar com nenhuma delas, as soltava, as deixava correr livremente pelo céu azul.
            Via, preocupado, quando algumas de suas nuvens subiam tão alto que se desfaziam em mil pedaços, sendo despedaçadas pelas forças de alguns ventos, e exasperava-se quando outras, insensatas, queriam encobrir o sol e eram atravessadas por seus raios. Mas ele, mesmo a estas, desculpava, pois sabia que algumas delas tinham um espírito próprio, aventureiro e destemido, que se sentiam atraídas pelos desafios que estavam além de suas capacidades, pois eram de compleição delicada, feitas para bailar, não para correr riscos.
            Suas mãos, mesmo com tantos e tão infindáveis trabalhos, não eram calejadas, pois a matéria com que trabalhava era leve como o pensamento, delicada como um fio de algodão e suave como a mais fina seda, e para construir as nuvens, não se fazia necessária força alguma, mas sim apenas deixar que sua criatividade e fantasia corressem livremente e fizessem seus trabalhos.
            Ele era um ser vivo como um outro qualquer, e já estava cansado após tantos e tão longos anos naquele trabalho, mas para deixar aquele trabalho-artístico, precisava encontrar um alguém à sua altura para substituí-lo. Preocupado, ficou longos dias, nos quais nenhuma única nuvem foi criada, isolada em seus próprios pensamentos, olhando, lá do alto, perdido em contemplação, olhando todos os seres vivos. Viu o mar, mas percebeu o quão ocupado ele era, indo e vindo o tempo todo, banhando a todo o mundo, criando tantas e tão fortes ondas; viu o vento, sempre apressado, levando tantas palavras que lhe eram jogadas; viu inúmeros animais, cada qual mais ocupado que os outros, os pássaros a cantar, os beija-flores a bailar, seduzir e beijar, os peixes a navegar, felinos a caçar, grandes mamíferos a se movimentar, repteis a rastejar e outros tantos diminutos insetos, tão pequenos que não teriam, talvez, condições de assumir a tão grande e importante tarefa. Já desanimado, o criador de nuvens bateu os olhos em um homem como todos os outros em suas formas e proporções. Mas era um homem que, tirando sua aparência, era diferente em tudo dos demais de sua espécie, pois, como diziam seus iguais de espécie, “andava com a cabeça lá nas nuvens”. O criador de nuvens, vendo nesse homem um seu espelho daquele que fora um dia, chamou-o através de sinais. O homem, com os pés plantados no chão, mas com os olhos voltados para o céu e a cabeça nas nuvens, entendeu aquele chamado e abriu os braços. Uma nuvem de algodão o envolveu com delicados dedos e o levou para o alto.
            Lá no alto, homem e o criador de nuvens se olharam, e foi como se vissem espelhados um no outro. Sorriram um para o outro e não precisaram trocar uma única palavra. Deram-se as mãos e trocaram de função, e o homem, aquele que andava com a cabeça nas nuvens, passou, ele, a ser o responsável pela criação de todas as nuvens que aqueles, que viviam lá embaixo, aqueles mesmos que lhe criticavam e apontavam-lhe o dedo sempre que passava, aqueles que o chamavam de louco, passaram a olhar para o alto e ver naquelas nuvens as suas criações. De tão louco, de tão contemplar de nuvens que ele era, passou a ser ele o criador daquelas loucuras, daquelas artes, daquelas nuvens.

domingo, 21 de julho de 2013

Sedução do mar



Parado ali, sentado naquele banco, com os olhos perdidos na imensidão do oceano que se cortinava diante de si, ele via o movimento das marés, a confusão das ondas num ininterrupto indo e vindo, ora avançando alguns palmos, ora recuando alguns centímetros. Via o mar se aproximar de onde estava, tímido, como que querendo seduzi-lo. O homem resistia bravamente, pois não desejava se deixar levar por aqueles gestos levianos, por aquelas melífluas palavras do mar. Olhava ao seu redor e via todas aquelas pessoas, ingênuas, se deixando levar, se deixando seduzir, jogando-se com os braços abertos, ora pulando as ondas, ora deixando-se abraçar e ser engolidas por elas. As pessoas, seduzidas, mergulhavam no seio do mar, imergindo naquelas perigosas ondas, e emergiam com os olhos abertos e um estranho sorriso estampado no rosto. “Devem ter enlouquecido”, pensa, e as julga e recrimina mentalmente por terem-se deixado seduzir tão facilmente!
            Enquanto está ali, perdido em seus devaneios, o mar se aproxima mais alguns centímetros sem que ele se desse conta. “Estão todos perdidos e loucos”, fala para si, quando vê que todos estão se jogando de braços abertos nos braços do mar. Fecha os olhos, pois não quer ver tantas pessoas se perderem de tal maneira, mas seus ouvidos captam todos os sons, de todas aquelas pessoas, de suas vozes, de seus sorrisos; dos sons do mar, das ondas quebrando, de sua música harmoniosa e de sua voz sedutora.
            Sentia-se desconfortável ali, sentia-se tão pequeno diante de algo tão grande como o mar. Queria ir embora e nunca mais voltar a ver aquele ser pulsante de vida, tão forte, tão imenso. Mas não conseguia mexer-se. Era como se tudo aquilo ao seu redor tivesse lhe lançado um feitiço para mantê-lo ali, parado, completamente estático, com os olhos fixos num ponto qualquer daquele imenso oceano. O sol, a areia, o barulho das ondas, a umidade, o calor, o reflexo da luz no espelho do mar, as nuvens no céu, tudo era como um complô, todos estavam mancomunados para segurá-lo com suas mãos e influências ali.
            Desesperado, ele tentou se levantar, mas não conseguiu. Aquelas forças que o prendiam eram mais fortes do que ele. Queria gritar quando viu o mar se aproximar lenta e perigosamente de seus pés, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Ele olhava de um lado para o outro, como que procurando um alguém que entendesse o seu desespero e viesse em seu socorro, mas ninguém o notava: estavam todos perdidos em seus pensamentos, estavam todos sob a influência, seduzidos pelo mar.
            Os dedos do mar em suas ondas foram se aproximando lentamente dele. O mar não tinha pressa, pois sabia de sua força, tinha plena consciência do poder de sua sedução. O homem sabia que não havia nada que pudesse fazer e fechou os olhos ante aquele primeiro toque, aquele primeiro impacto de seu corpo com as ondas do mar que se aproximava. Prendia a respiração e sentia medo, pois temia o turbilhão de sensações que poderiam lhe assolar com aquele primeiro toque.
            Suave, foi o primeiro toque do mar nos pés do homem. “Suave e frio”, constatou o homem. Foi abrindo lentamente os olhos e viu os dedos das ondas a lhe acariciar os pés. Pouco a pouco sua respiração foi voltando ao normal e os batimentos de seu coração, antes acelerados, foram se suavizando. Ele fechou novamente os olhos para prestar atenção às palavras do mar e se deixou tocar. Levantou-se e deu alguns passos inseguros mas decididos. Abriu os braços e sorriu quando foi recepcionado pelo caloroso abraço de uma onda. Tornou-se assim mais um daqueles loucos e inconsequentes que haviam se deixado seduzir pelo mar...

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Encerriniciando ciclos



Amanhã eu completarei trinta anos, e só me dei conta disso hoje, na véspera de meu aniversário. Nunca fui ligado a numerologia, números cabalísticos e seja lá que óticas astrológicas e esotéricas venha a ser, mas fato é que chegar ao trinta anos me fez olhar para trás e pensar e outros tantos aniversários e em outras tantas vésperas de aniversário de minha até aqui tão curta vida.
            No dia 17 de julho de 1988, na véspera de meu aniversário de cinco anos, eu ainda era um menino, e a minha única preocupação era com a festa que a minha mãe estava preparando para o dia seguinte. Fiquei o dia inteiro a pensar se todos os meus primos e amigos viriam e que presentes iria ganhar. Ficava fantasiando se tal tio iria me dar tal brinquedo e passava minutos a fio pensando, devaneando, brincando com o brinquedo sem sequer tê-lo ganhado (ainda). Mas também ficava com raiva por antecedência, só em pensar que tal tia distante iria me dar roupa, e eu, como todo menino, odiava ganhar roupa de presente de aniversário! Aquela idade que iria chegar no dia seguinte representava o encerramento de um ciclo e início de um outro, em que deixava de ser um Menininho e passaria a ser um Menino, uma criança, e não mais um “bebê da mamãe”. E naquela fatídica noite, não dormi, tamanha a ansiedade que sentia, desejoso de completar logo meus cinco anos.
            Em 17 de julho de 1993, quando no dia seguinte eu iria completar meus dez anos, eu já não era só um menino, e já queria que chegasse logo o dia seguinte, em que eu completaria meus dez anos e passaria a ser tratado (e me veria) como um rapaz. Minha mãe tinha passado o dia inteiro nos preparativos de minha festa de aniversário, minha “ultima festa de aniversário” nas palavras dela. Era uma data e uma festa especial, e tudo nos arranjos representava isso: nada de artigos multicoloridos e, ao invés disso, tudo representava as cores do Brasil, da seleção brasileira de futebol, pois eu, como todo menino (digo, rapaz!) da minha idade, era vidrado em futebol, e meu sonho era um dia me tornar jogador profissional e defender a seleção brasileira numa Copa do Mundo. Nessa idade que estava completando, dez anos, ainda somos meio crianças mas com espíritos, sonhos e devaneios de um alguém mais velho. Podemos não ser tudo o que podem ser as crianças, pois esse ciclo de minha vida já estava sendo fechado, mas sim sabemos o que queremos ser naquela nova fase da vida que se descortinava perante nossos olhos.
            No dia 17 de julho de 1998, quando eu estava para completar meus quinze anos, eu já não era nem criança, nem menino, nem rapaz, mas sim um adolescente, um “homem em formação”, e me sentia como tal. Nesse dia em especial, nessa véspera de tão importante data de minha vida, eu me sentia triste, pois há apenas alguns dias eu havia perdido o meu pai. Além disso, quando vamos “ficando mais velhos”, “ganhando experiência”, ou seja lá como chamem o processo natural de envelhecimento e se aprendendo na vida, a gente vai tomando, aos poucos, um “choque de realidade” e passa a enxergar a vida sem lentes, sem distorções. Os sonhos agora passam a ser muito reais, e eu não queria mais ser jogador de futebol, pois além de saber que seria muito difícil de realizar tal sonho, estava muito decepcionado com o futebol e a seleção brasileira, e, além do mais, estava meio que prevendo o que iria nos aprontar na final daquela Copa a França de Zidane. Quinze anos para mim, um adolescente tímido que era (e continuo a ser tímido, embora não mais adolescente), representava muito para mim, pois embora ainda tão jovem, já possuía alguma boa noção do que a vida tinha pela frente. Minha ansiedade, nesse dia em especial, era que no dia seguinte eu seria (me sentiria) mais “maduro” e que talvez isso significasse algum fim da timidez que me assolava desde que “eu me entendo por gente”.
            Quando, no dia seguinte, eu faria os meus dezoitos anos, em 17 de julho de 2001, e estava adentrando na idade adulta, embora ainda não recaísse sobre meus ombros todas as responsabilidades que a idade e vida adulta; estas estavam me vindo bem aos poucos, em doses homeopáticas. Estava ansioso, pois, no dia seguinte iria trazer a minha primeira namorada (demorei para ter minha primeira namorada por conta de minha patológica timidez) para apresentá-la à minha mãe e algumas pessoas da família, que viriam a minha casa para uma pequena festa, bem pequena, “só para não passar em branco”, como minha mãe disse. Estava encerrando mais um ciclo em minha vida e iniciando uma nova fase. Já havia entrado na universidade, já tinha minha primeira namorada e já vislumbrava um futuro próximo; já tinha uma série de responsabilidades e por isso me sentia um pré-adulto.
            Em 17 de julho de 2004, as vésperas de adentrar de vez na maioridade, quando, no dia seguinte eu completaria meus vinte e um anos, eu me sentia um tanto quanto perdido. Já havia feito tantos planos, já havia sido tantos eus e já tinha sofrido algumas decepções. Estava excessivamente taciturno naquele dia (e ficaria ainda mais no seguinte), pois, como todo mundo que está chegando a essa idade, eu tinha pressa excessiva, e queria tudo pra ontem. Ainda não tinha um emprego de verdade (estava fazendo um estágio na universidade), e tinha pressa de conseguir logo um; as namoradas que tive me causaram certa decepção, e por isso mesmo, pela minha natureza mais propensa a melancolia e dramática, sentia-me inseguro e com medo de vir a ter novas decepções; e queria conseguir tudo o quanto antes, pois tinha a impressão de que o tempo estava passando muito depressa, os anos estava passando muito rápido, e eu não tinha conseguido e construído nada de mais sólido e efetivo em minha vida! Tinha medo do que esse novo ciclo que se iniciava em minha vida e queria, a todo custo, me segurar e permanecer no anterior por mais alguns anos, pelo menos até me sentir realmente preparado, mas o tempo não para, os anos, os meses e os dias continuam seu percurso natural, e no dia seguinte eu seria obrigado pela vida a dar mais um passo em minha vida. Não havia planejado nada para o dia seguinte, e só sabia que o dia seria longo, e que o ciclo seguinte seria beeeemmmm loooonnnngo...
            Hoje, 17 de julho de 2013, estou prestes a completar meus trinta anos e a iniciar um novo ciclo de minha vida, que já não é mais tão curta, mas que ainda não constitui uma vida longa. Ainda não construí tudo que gostaria, mas não tenho a pressa que tive há alguns anos (aniversários) atrás, e sei (aprendi) que nada na vida é “pra já”, que tudo se dá em seu devido tempo, que as coisas acontecem um passo depois do outro. Tenho, ainda, óbvio, mil e um planos para a minha vida, para os próximos 5, 10, 15, 18, 21 e 30 anos; tenho tantos planos que seriam necessárias pelo menos mais 10 vidas plenas e inteiras para vivê-los e realizá-los. Mas o que importa a realização dos sonhos? O que importa, realmente, é o sonhar! O que me vai acontecer amanhã, eu não sei (não tenho o dom de prever o futuro!), mas sei que estarei iniciando um novo ciclo, que estarei dando um novo passo, e que, embora não crendo na cabala e na numerologia, é sempre bom a gente se prender não a números, não a significados, mas a cada momento, a cada fato que a vida nos proporciona.

domingo, 14 de julho de 2013

Rastros



A última vez em que eu o vi, ele era jovem. Era desses jovens impetuosos, desses que podia ser o que quisesse, que tinha a vida toda pela frente e o mundo nas mãos. Nossos caminhos se separaram, mas eu sempre ficava sabendo de seus feitos. Ele havia sido músico, feito sucesso, se envolvido com mil e uma mulheres, depois largou todas elas para viver a sós consigo mesmo. Estava “dando um tempo”, como havia sido noticiado. O “tempo” que havia dado foi tão longo, mesmo, que todos se esqueceram dele, e quando voltou “a vida real”, ninguém mais queria saber de suas músicas e mulher alguma lhe dirigia um único sorriso. Caiu em depressão e se entregou. Passou a usar drogas, foi internado, disse ter se recuperado, voltou a se drogar, depois, pela dor que estava causando aos que o amavam, resolveu dar uma nova chance à vida. Passou a ter uma “vida normal” e entrou para o serviço público. Levava uma vida de rotinas e todos os seus dias eram sempre iguais, com as mesmas obrigações, atendendo as mesmas pessoas, fazendo as mesmas coisas.
            Eu, de longe, ficava pensando em como ele podia aguentar tudo aquilo, sendo ele quem era. Acabou se envolvendo com uma mulher comum e tiveram um casamento comum e seguindo a comum vida dos casais e suas mil e uma rotinas. Já não tinha mais a barba de outrora, seus cabelos eram cortados bem curtos e as tatuagens e cicatrizes estavam escondidas por baixo das roupas de grife que agora usava. Nunca sorria e suas palavras eram como que mecanizadas, sempre as esperadas, as triviais e banais palavras do dia-a-dia. Não mais vivia cercado por tantas pessoas, e, ao invés disso, parecia mesmo evitar o contato humano, salvo aquele a que era obrigado pela sua rotina. Havia, como todos os iguais a ele, se separado, tentado um novo relacionado, se casado novamente para tornar a se separar em seguida. Era mais um “que não tinha dado certo no amor”, como costumava dizer, e agora levava uma vida solitária de gostos e hábitos simples, como proclamava para todo o mundo ouvir.
            De tanto não ser ele mesmo, acabou se confundindo e sempre como todos: apenas mais um na multidão. Fiquei um longo tempo sem saber o que ele fazia da vida e o que a vida fazia dele. Talvez tenha se fundido de tal forma às rotinas e obrigações que tenha se tornado parte essencial delas. Tentei rastrea-lo e seguir seus passos, descobrir onde tinha ido e o que tinha sido feito dele, até que o reencontrei, certa vez, parado. Ele tinha os olhos fixos nos meus, como que me prendendo. Aqueles olhos que eu via não era os do homem igual, do homem das rotinas, mas sim os do jovem que eu não via há tantos anos. Ele não falou uma única palavra, e apenas sorriu, pois percebeu o meu espanto ao vê-lo ali, tão perto. Eu não conseguia falar uma única palavra, pois todas estavam presas na minha garganta. Não sabia o que fazer nem como agir. Não sabia se queria que ele voltasse a sumir, a ser só mais um como havia sido durante tantos anos, ou se ficasse onde estava, que voltasse a ser que ele era, quem sempre tinha sido e que nunca deveria ter deixado de ser.
            Eu devolvi seu olhar e nos seus olhos eu vi a sua alma pulsando de vida. Levantei a mão para tocar sua face e só então me dei conta de que ele era um reflexo que eu via através da fina lâmina de vidro do espelho. Então, ao me dar conta de quem eu era e de quem havia me tornado, chorei, pois agora já era tarde demais e que nada poderia ser feito para fazer o tempo voltar atrás para fazer tudo diferente, de ser quem eu deveria ter sido...