domingo, 3 de maio de 2015

Foi num fim de tarde...

Era fim de tarde e a anciã estava sentada, como sempre fazia àquela hora, vendo o pôr do sol. Sentada em sua cadeira de balanço no canto mais afastado da varanda de sua casa, ela, enquanto contemplava tão raro-comum momento, olhando ao longe, revivia os momentos passados de uma simples felicidade.
O pôr do sol, para ela, era a hora em que tudo acontecia. Foi num fim de tarde, quando ainda era uma adolescente, que vira o homem de sua vida pela primeira vez, e que só vários meses após aquele primeiro encontro, no exato instante em que o sol de deitava no horizonte, que eles se beijaram pela primeira vez. Foi num fim de tarde em que o sol demorava a se pôr, como que para contemplar a felicidade dela, que se casou, e nove meses depois, quando o sol se pôs, que deu a luz ao primeiro filho, cuja primeira visão foi a da luz do sol de fim de tarde que entrava pela janela entreaberta.
Teve vários filhos, todos nascidos à mesma hora, que levava, quando crianças, para brincar à sombra de uma árvore, para sentirem a brisa vespertina que soprava vinda do oceano e para, no exato instante em que o sol se punha, ficarem em silêncio só pelo prazer de verem o sol fechar os olhos lentamente no horizonte.
Era sempre ao final de cada tarde que ela se sentava para ver o pôr do sol enquanto esperava o marido chegar do trabalho, sempre trazendo presentes para ela e para as crianças, e foi num dia, no único dia naqueles longos anos de felicidade, em que se atrasou, chegando no início da noite, que trouxe consigo a notícia de que estava doente. Os dois choraram juntos, e prometeram um para o outro lutar juntos até o fim, e nunca deixarem um ao outro a sós, não importa o que acontecesse.
Lutaram, choraram, sorriram e tiveram esperanças, e foi num dia, num fim de tarde, em que tinham esquecido de por que um dia estiveram tristes, que ele se foi, junto com o sol que fechava os olhos para dar lugar a noite. Foi nessa noite de ventos frios em que a nuvem encobriu a lua e as estrelas, que ela chorou sozinha e que soube que nunca estaria a sós, pois ele estaria para sempre com ela e viria visitá-la ao final de cada tarde, e ficariam calados, de mãos dadas, vendo o sol se pôr.
Ele foi enterrado, ao final da tarde seguinte, embaixo de uma árvore na parte alta do cemitério, num pequeno morro, para que pudesse contemplar, todo dia, o espetáculo que a vida oferecia diariamente a todos que tinham sensibilidade para ver o momento.
Ela voltou calada durante todo o trajeto do cemitério até sua casa, onde se trancou no quarto por vários dias, só abrindo a janela para ficar junto e segurar a mão de seu marido enquanto contemplava o pôr do sol.
Foi num fim de tarde que recebeu a notícia do filho dizendo que ela ia ser avó, de um outro que tinha arranjado um emprego em outra cidade e de um terceiro que tinha passado no vestibular.
Foi enquanto o sol se punha que uma filha, que ainda muito jovem tinha saído de casa para ganhar a vida, trabalhando numa cidade distante, voltou para que ela conhecesse sua primeira neta. Ela sentou a criança em seu colo, que imediatamente olhou ao longe, para onde o sol se punha, e ficaram as três, mãe, filha e neta, a contemplar a beleza do instante.
Enquanto contemplava o pôr do sol foi que recebeu a notícia da morte trágica de um dos filhos, que ficou sabendo da doença de um irmão e que chorou de saudade dos tempos e das pessoas amadas.
Era em cada fim de tarde, de alegrias e tristezas, de lágrimas e sorrisos, que ela se sentia em paz. Era o silêncio do canto dos pássaros de cada fim de tarde que a reconfortava, que fazia de cada momento eterno, que fazia a vida valer a pena, que ela sentia como que o tempo parar ou passar lentamente, como a luz do sol que vai se apagando pouco a pouco.

Foi naquele fim de tarde em que contemplava o sol como da primeira vez, que viu seu marido se aproximar chorando, e ela o recebeu sorrindo, de braços abertos. Os dois ficaram lado a lado: ela em sua cadeira de balanço e ele de pé, que contemplaram o pôr do sol pela última vez que, quando o sol fechou seus olhos naquele fim de dia, ela também fechou os seus, e ficou para sempre com aquela luz dourada em seus olhos.