domingo, 28 de agosto de 2011

Não vai doer nada, e ninguém vai ficar sabendo...

- Meu filho, não vai doer nada.
            - Vai sim, mãe. Eu sei que sempre que você diz que não vai doer, é por que vai, e muito.
            - Tudo bem, filho. Dessa vez eu vou ser sincera: vai doer, sim, mas só um pouquinho.
            - Mas um pouquinho quanto? De que tamanho é esse pouquinho?
            A mulher pensou e mostrou o quão pouco iria doer, afastando os dedos polegar e o indicador da mão direita.
            - Não, mãe. Isso não é um pouquinho, não, isso é um poucão, e vai doer muito.
            A mulher, já sem paciência, resolveu tentar de outra forma.
            - Roberto, você já está bem grandinho e eu não preciso estar lhe adulando por conta disso, de algo tão pouco...
            - Mas não é pouco, não, mãe. Vai doer muito.
            - Que seja, Roberto. Deixe de fazer manha e vamos acabar logo com isso, que você já não é mais nenhuma criança.
            - Vou chamar o seu pai, então. Paulo, venha aqui, por favor – grita a mulher, chamando o marido.
            - Oi, querida.
            O homem, assim que chega, ao se deparar com a situação/dilema em que o filho e a esposa se encontravam, fez uma careta.
            - Não faça essa cara, Paulo, que você acaba estragando e dificultando as coisas ainda mais.
            - Mas, querida...
            - Não, não, não e não... volto para a sala e fique lá, que eu cuido disso com o Roberto.
            - Querida, podemos negociar...
            - Não tem negociação nenhuma, Paulo, e Roberto vai ter que fazer isso, que é para o bem dele.
            Roberto, vendo a discussão dos pais, e distração dela, foi começando a tentar escapar. O pai percebeu a tentativa de fuga do filho, e piscou discretamente o olho para ele, mas antes que passasse pela porta, a mãe o chamou de volta.
            - Roberto, onde você pensa que vai? Volte já aqui – ele então teve que voltar com a cabeça baixa, humilhado. Se tivesse conseguido fugir, iria passar o dia inteiro fora, e só voltaria para casa tarde da noite, para não ter que encarar a mãe.
            Roberto, já com seus vinte e um anos, volta a ficar no mesmo lugar que estava antes, sentado, agora sob o olhar vigilante e implacável da mãe.
            - Mãe...
            - Não me venha com desculpas e justificativa nenhuma. Suas irmãs já fazem isso há anos. Até Letícia, de 12 anos, já faz isso sozinha, sem reclamar.
            - Mas, mãe, o que meus amigos da faculdade de engenharia civil vão falar de mim? Acredito até que todos os alunos, de todas as faculdades, de todas as engenharias, vão ficar sabendo...
            - Como diabos eles vão ficar sabendo do que se passa aqui, entre nós, de nossa família, em nossa casa, Roberto?
            - Eles sempre dão um jeito de ficar sabendo de tudo, mãe...
            - Mas dessa vez eles não vão ficar sabendo de nada, não é, Paulo?
            - De minha boca ninguém vai ficar sabendo de nada, pode acreditar – disse o pai, olhando de forma enigmática para o filho.
            A mulher estava com os braços cruzados, olhando para o filho, para ver o que ele iria dizer agora e como iria reagir.
            Roberto, percebendo que não teria como escapar daquela situação, se levantou e começou a arrumar a cama.
            - ‘Tá vendo, filho, como não dói nada?
            - Mas é muito difícil, mãe. Eu não consigo dobrar o lençol com que me cubro. Como faço para forrar a cama?
            A mãe então explicou, mas deixou que o filho fizesse tudo aquilo sozinho. Já estava mais do que na hora dele aprender a arrumar o seu próprio quarto.
            - Pronto. Acabou. Até que não foi tão ruim assim.
            A mãe inspecionou o trabalho do filho e, apesar da cama estar mal forrada, com a colcha toda torta e amarrotada, até que não tinha sido um trabalho tão ruim para uma primeira vez.
            - Agora estou dispensado? Posso ir embora?
            - Não. Agora você vai ter que lavar o seu banheiro.
            - Não, mãe... não... aí já é demais para mim, para um único dia. Veja: eu consegui arrumar a minha cama, o que já foi um grande passo para um dia...
            - Não tem negociação, Roberto. Vá lavar o seu banheiro. O material de limpeza está bem ali, e eu mesma já separei tudo.
            O filho olhou suplicante para o pai, clamando por sua ajuda, mas o que recebeu em troca foi uma gargalhada.
            - Agora os seus amigos da faculdade vão tirar seu couro... – e já ia saindo do quarto, quando sua esposa o chamou de volta.
            - E você, Paulo, para onde pensa que vai?
            - Eu estava indo...
            - Você não vai a lugar nenhum hoje. Hoje você vai arrumar o nosso quarto e vai lavar o nosso banheiro.
            - Mas, querida... mas...
            - Não tem “mas” nenhum para você, querido. Hoje a arrumação do quarto é com você.
            - Mas...
            - E não tem discussão nenhuma, querido. Vá e arrume.
            O homem, humilhado, de cabeça baixa, já ia saindo do quarto quando ouviu o riso do filho.
            - Eh, pai... Agora os seus amigos do barzinho, aqueles mesmos que assistem os jogos de futebol com o senhor nas tarde de domingo, o que será que vão falar? Eles vão tirar seu couro...
            Pai e filho, então, começaram a pedir um para o outro não contar o que se passava, enquanto a mãe assistia a tudo isso parada, na soleira da porta, divertida com o drama daquela situação.

domingo, 21 de agosto de 2011

Ficção Científica e o Mundo Atual: o fim do mundo


Quando eu era pequeno, adorava ouvir aquelas histórias do fim do mundo. Assistia muitos filmes de ficção científica, e o futuro era negro, com todas as cidades dominadas por gangs, com todas aquelas pessoas se vestindo de modo espalhafatoso e com os robôs presentes em nossas vidas. Na época nem estávamos tão longe assim do ano 2000, mas era consenso que o mundo iria acabar na virada desse ano. Uns falavam em explosão, outro em fogo, um terceiro em água (uma nova Arca de Noé teria que ser construída, só pode!), mas o fato era que se aguardava ansiosamente para ver o que iria realmente acontecer. Foram longos e angustiantes os segundos que antecederam a virada do ano de 1999 para o 2000. Quando começou a contagem regressiva, eu, mesmo não sendo mais criança, imaginava estar vivendo os últimos 10 segundos de minha vida. E quando as primeiras pessoas começaram a se abraçar, desejando umas as outras “feliz ano novo”, que estourou a champanhe e os primeiros fogos estouraram no céu, foi que respirei, enfim, aliviado.
            Engraçado que, pensando nessas coisas, enquanto viajo no tempo, vejo como as coisas aconteceram de forma tão diferente e ao mesmo tempo tão igual dos tempos dos devaneios pré-2000.
            Não temos, é verdade, um robôs domésticos em nossas casas, para fazerem todas as tarefas e para irem ao supermercado sempre que, quando estamos fazendo algo, percebemos que falta determinado produto, pedimos para ele ir comprar, mas, analisando a forma como temos, todos, vivido e vendo as pessoas, vejo que somos nós que nos tornamos os próprios robôs, em nossa vida sempre tão mecanizada, escrava de ordens e de uma rotina rígida de nosso dia-a-dia. E nessas metamorfoses, mudanças e “evoluções dos tempos”, acabamos, nós, nos tornando robôs de nós mesmos, e nem percebemos.
            As cidades, é bem verdade, não são dominadas pelas gangs que víamos nos filmes, e nem sempre é noite na vida que vivemos (nos filmes, era sempre noite), mas talvez tivesse sido até melhor se o futuro tivesse acontecido do jeito que apareciam nos filmes. Hoje, em plena “era do futuro”, as gangs estão muito mais sofisticadas do que as dos filmes, e muito mais presentes e fortes do que poderíamos imaginar. Máfias, gangs, patotinhas ou simplesmente Coligações Políticas estão no poder, e tornam os dias atuais muito mais difíceis do que os “dias do futuro” dos filmes e histórias de ficção científica. São gangs eficientes (eficientes como nenhuma outra gang em qualquer outra época, em qualquer devaneio alguém um dia pudesse vir a ser e pensar) que controlam a sociedade, e o mais irônico disso tudo é que somos nós que as colocamos no poder, pelo simples fato de permitirmos, pelo voto, que elas assumam cargos públicos e passem a “nos representar”. E como se não bastasse, nos lugares em que o poder das gangs não chega, temos o “poder paralelo”, que normalmente domina na periferia. Este, embora talvez não tão eficiente quando o “poder legalizado”, tem tanto poder e influência quanto. Tem poder de vida e de norte, domina o tráfico e se utiliza de diversos meios e artifícios para se manter na “corda bamba do poder”. Tem, sim, que lutar contra outras gangs rivais, que desejam ardentemente assumir o poder nas regiões dominadas em que nenhuma autoridade legalmente competente chega, o que nos faz lembrar as eternas guerras e na anarquia que víamos nos filmes de alguns anos atrás.
            O mundo, tudo bem que não acabou de maneira trágica no início do século como vinham pressagiando as histórias, mas antes tivesse sido. Se tivesse acontecido, o mundo teria acabado de forma rápida, eficiente e (por que não dizer) sem qualquer tipo de crueldade. Hoje, o mundo está acabando de forma agonizante, e vemos isso para onde quer que olhemos. E falo em fim de mundo, em agonizando, e não me refiro só e unicamente ao “mundo físico”, não. Temos assistido passivamente o fim chegar sem nada poder fazer; temos visto o que há de bom se acabar e assistido a tudo de braços cruzados. E o fim a que me refiro é em todas as esferas: política, econômica, social, física e até artística. Onde já se viu grupinhos e cantores EMOs, que se vestem de maneira tosca e ridícula serem os ícones dos jovens de uma geração-desmiolada-carente-de-tudo?! Como se explica os fenômenos Justin Bieber, Restart, Tokio Hotel, Fresno ou seja lá qual a melhor banda de todos os tempos da última semana que essa geração esteja cultuando? Quem foi que disse que o Fiuk é artista, cantor e ator? Onde estão os verdadeiros artistas, cantores e atores de gerações passadas, que nada fazem para ensinarem a esseszinhos aí o que é e como se faz arte de verdade? E na arte da literatura então, o que falar? Acho que os verdadeiros escritores de literatura clássica de outra época estão, até agora, com seus ossos se revirando nos túmulos, desejosos de voltar a vida nem que seja por cinco minutos para ensinarem o que é LITERATURA de verdade a esses escritores-de-meia-tigela e mostrarem a esses leitores dessa atual geração o que é um livro de verdade.
            Do mundo físico, nós mesmos estamos sendo os responsáveis pelo fim. Não temos cuidado bem do mundo que nos foi legado e, como se não bastasse não conservar, às vezes ainda fazemos questão de destruir, achando que o futuro é uma coisa distante, que nada vai acontecer nos dias atuais, esquecendo que estamos vivendo o futuro, que a atualidade é o amanhã que está cada vez mais distante se nada começarmos a fazer.
            Às vezes, pensando nisso tudo, sinto uma falta danada das ficções científicas, em que, pelo menos, na pior das hipóteses, quando tudo parecia estar mais perdido, surgia um alguém, uma luz, uma esperança, de algo ou alguém capaz de salvar o mundo, de dar novos rumos a um futuro próximo. Pelo menos, na ficção, por mais negra que estivesse a situação, ainda se tinha essa perspectiva, e fico me perguntando como, por que e onde, na vida real, esse herói se perdeu. Talvez ele tenha visto o difícil que está a situação, tenha se sentido impotente e feito como Pilatos: lavado suas mãos e deixado que todos fizessem como queriam fazer; deixado que a história seguisse seu curso rumo ao inevitável e inadiável fim.

domingo, 14 de agosto de 2011

o fim iminente...

Um homem chegava apressado à casa de seus pais. Já se preparava para dormir quando recebeu aquele telefonema de sua mãe, que estava desesperada, pois seu pai havia sentido uma dor súbita no peito enquanto assistia a um telejornal e estava desacordado. Preocupado, ele não pensou em nada e saiu para socorrer o pai. Era médico recém formado e já trabalhava num importante hospital, mas se sentia impotente, por não saber como reagiria ao ver o seu próprio pai sem sentidos, estirado numa cama.
            Não fazia nem uma semana que os dois, pai e filho, se divertiam, torceram, vibraram e acabaram chorando ao assistirem a um jogo de futebol, e agora, seu pai havia passado mal subitamente e talvez aquela hora já fosse tarde demais para fazer alguma coisa para salva-lo, pensava o homem. “Meu pai sempre teve uma saúde de ferro e sequer gripe ele pegava, de tão forte que sempre foi”, falava sozinho enquanto dirigia. Já tinha ouvido inúmeras histórias de pessoas que, como seu pai, nunca apresentaram nenhum problema de saúde a vida inteira e que, subitamente, tiveram ataques súbitos e mal puderam ser socorridos. Tinha, inclusive, atendido inúmeros pacientes em casos semelhantes.
            - Mas isso não pode e não vai acontecer comigo. Não com o meu pai – dizia ele. Aquelas palavras eram como palavras mágicas, que ele falava sem parar, como se com elas pudessem afastar qualquer mal que pudesse ter acontecido ou que viesse a acontecer com seu pai.
            Parou o carro em cima da calçada e bateu a porta com força ao descer, correndo em direção a casa dos pais. Tinha as chaves da casa, mas, em sua pressa, havia esquecido em sua casa. Batia na porta com tanta força quase a fez vir abaixo, mas não conseguindo derrubá-la, teve que esperar sua mãe vir abri-la. Foram longos aqueles minutos de espera; minutos que poderiam valer a vida de seu pai.
            Sua mãe, ao abrir a porta, ele percebeu, estava tremendo, pálida.
            - Onde está o pai?
            - Lá em cima, no quarto.
            Ele então saiu em disparada, com sua mãe quase pisando em seus tornozelos. Subia os degraus daquela escada de dois em dois; aquela escada tão sua conhecida, onde vivera toda a sua vida; aquela casa que sempre teve o cheiro de seu verdadeiro lar. E agora, o medo, ao se dar conta de que algo de grave havia acontecido com seu pai, algo que quebraria toda a harmonia existente em sua vida.
            A porta do quarto de seus pais estava aberta; aquela mesma porta tão sua conhecida, em que batia sempre que acordava de madrugada com medo. Agora, tantos anos depois, sentia medo de entrar naquele quarto e ver seu pai inconsciente deitado naquela grande cama.
            - Pai? – chamou ele, sem coragem de cruzar a soleira da porta. Aquele senhor, deitado, de cabelo grisalho, não se mexia. Ele via o quase imperceptível subir e descer do peito do outro enquanto respirava.
            Tomando coragem, ele deu o primeiro passo em direção ao pai.
            - O que houve com ele, mãe? – perguntou à mulher, que estava às suas costas.
            - Ele estava aqui em cima, assistindo, como todo dia faz, o telejornal... Foi de repente. Ele soltou um grito tão alto, de uma dor tão funda, que deve ter sido ouvido por todo o bairro. Quando subi para socorrê-lo, o vi aí, do jeito que está, deitado, inconsciente – falou ela, e começou a chorar. Aquele homem era o amor de sua vida. Com ele viveu intensamente sua paixão da juventude, o amor dos primeiros anos de casado; com ele teve seu único filho. Juntos cuidaram da educação e viram crescer o menino que desde cedo se mostrava propenso à medicina, tanto que passou em seu primeiro vestibular, se tornara o primeiro da classe e agora estava formado, trabalhando, tido como um dos melhores médicos de sua especialidade no país. E agora, esse homem, com quem viveram tão maravilhosos e tão longos anos, estava ali, deitado.
            O filho deixou de ser filho e, naquele instante, passou a ser só e unicamente médico. Procurou pelos sinais vitais do pai, contou os batimentos cardíacos, mediu a pressão sanguínea.
            - Estranho! – falou.
            - O que é estranho, meu filho. Não tenha medo. Eu sou forte. Não esconda nada de mim. O que seu pai teve? Ele vai sobreviver?
            - Estranho por que ele me parece bem. Seus batimentos cardíacos estão normais e sua pressão também – falou o filho, pegando a mão do pai.
            Mãe e filho então ficaram ali, sentindo-se impotentes, mas esperando que o homem acordasse.
            - Não acha melhor levá-lo a um hospital?
            - Não, mãe. Ele vai ficar bem.
            Aquela foi uma noite longa e silenciosa, com os dois ali, ao pé da cama, sem dizerem uma única palavra.
            Já era quase meia-noite quando o homem começou a recobrar a consciência.
            - Pai?
            - Amor?
            O homem abriu lentamente seus olhos, demorando a se acostumar com a claridade do quarto àquela hora da noite.
            - Pai, o que o senhor teve? Se sente bem? – perguntou, não o filho, mas o médico.
            - Não sei. Estou tonto e sinto uma dor no peito, como uma angústia. Sei que tudo está chegando ao fim, que não consigo mais viver.
            - Não fale assim, pai – falou o filho, e mulher, ao ouvir aquelas palavras do marido, começou a chorar.
            - Falo sim, filho. É o fim que é iminente... Não há como escapar. E eu não quero mais viver para ver isso, do jeito que está. É demais para mim. É demais para meu coração.
            - Mas o que houve, pai, para o senhor está falando isso, assim? O senhor me parece perfeitamente bem. Seu coração bate em ritmo certo...
            - Você entenderia se soubesse a gravidade de tudo que se passa, filho... você entenderia...
            O pai falava por enigmas, é verdade, mas era claro que algo o perturbava. Ele parecia fraco e abatido, como se não suas forças, mas todas as suas esperanças tivessem lhe sido roubadas subitamente.
            - O que houve, pai, me fale, por favor.
            O pai, com olhar sofrido, olhou dentro dos olhos do filho.
            - Eu não sabia. Eu não tinha percebido. Só estava acompanhando por alto o andamento das coisas. Só dei pela gravidade de tudo, pelo iminente fim, ontem, quando assistia ao telejornal...
            Parou de falar e colocou a mão sobre o peito, como se só em lembrar daquilo, uma forte dor percorria por todo seu corpo.
            - Não fale mais, querido. Descanse.
            - Não. Eu preciso falar. Meu filho precisa saber de tudo, através de mim, agora, caso contrário pode ser muito tarde, e ele pode sofrer muito mais, como eu sofri.
            Todos ficaram em silêncio, enquanto o pai tomava fôlego e se recuperava da dor provocada pelas lembranças.
            - Eu estava ontem a noite, assistindo televisão. Era como se já soubesse, já sentisse o que iria acontecer. As primeiras notícias foram as de sempre, de algum escândalo de corrupção e da abertura de mais uma CPI, ou seja, nada de mais. Sempre vai haver notícias de corrupção que nunca vão dar em nada e sempre serão abertas mais CPIs que irão resultar em mais nada ainda. Durante o intervalo, senti uma dor no peito, um prelúdio para o que estava para acontecer. Começaram as notícias esportivas. Eram as mesmas de sempre, nada de mais, até que começaram a falar do Campeonato Brasileiro. Quando falaram a classificação foi que eu senti aquela dor, que de tão forte, me fez  gritar, e desmaiei.
            - Mas o que a classificação do Campeonato Brasileiro tem a ver com a sua dor e o seu desmaio, pai? – perguntou o filho.
            O pai balançou a cabeça, avaliando se o filho teria forças suficientes para aguentar aquela dor, aquele decepção, ao saber da verdade, ao constatar o fim iminente de tudo de bom que ele um dia conhecera no mundo.
            Respirou fundo algumas vezes, segurou com firmeza a mão do filho e o olhou não nos olhos, mas no fundo da alma.
            - Filho, Corinthians e Flamengo estão na liderança do Campeonato Brasileiro. Corinthians é líder, Flamengo, vice. Isso é o fim iminente de tudo, do mundo, de tudo que existiu e que existe de bom numa vida, no esporte.
            O filho soltou a mão do pai e cobriu os ouvidos.
            - Não pode ser... Não pode ser... – dizia ele, desesperado.
            - Essa é a dura verdade, filho. Por isso digo que esse é o fim iminente de tudo que já existiu de bom. Talvez até depois disso, se tudo acabar do jeito que está, nada mais de bom irá haver no mundo, e até as rosas deixarão de florescer na primavera. Os pássaros não vão mais cantar, saldando um novo dia todas as manhã. É o fim de tudo, filho... é o fim...
            O filho então sentiu uma súbita dor no peito e uma fraqueza nas pernas. Tentou resistir, mas não conseguiu, e caiu no chão, inconsciente. Pai e mãe foram socorrê-lo, a mãe desesperada, gritando, e o pai sabendo exatamente o que o filho sentia naquele momento, se perguntando se tinha agido corretamente ao falar aquilo ao filho, sem ao menos prepará-lo para tão forte notícia. Mas ele não podia enganar o filho. Aquilo realmente era o fim, e não havia para onde ir, nem onde se esconder. O fim era iminente, e não havia qualquer chance de esperança.

Bullying e Preconceito


Hoje em dia as pessoas se doem com absolutamente tudo. Tudo que a gente fale ou faça é Bullying, preconceito ou simples desrespeito. Tudo bem que esses temas tem sido cada vez mais debatidos com mais frequencia  na sociedade atual, mas não é por conta disso que tudo se enquadre como “subversivo”, “agressivo” e “desrespeitoso”. Apelidos, por exemplo. Ter apelidos é normal, natural e ouso dizer que até saudável. O apelido é como uma maca registrada que vai ser levado para toda uma vida, é como um retrato de um tempo que passou. Tudo bem que existem apelidos mais agressivos, que pessoas não gostam do que recebem (normalmente as pessoas não gostam, mas, de uma forma ou de outra, acabam se acostumando e até gostando dos apelidos que receberam), mas daí a se afirmar que todo apelido é Bullying a ponto de quase proibirem as pessoas de colocarem apelidos umas nas outras e receberem seus devidos apelidos já é demais.
            Apelidos, como disse anteriormente, são saudáveis até, e nos fazem lembrar épocas, amigos e fatos acontecidos há anos dos quais sentimos imensa saudade. Eu, por exemplo, já recebi inúmeros apelidos em diferentes épocas de minha vida. Fui, na adolescência, devido ao grande número de espinhas que tinha cara, chamado de Choquito, fui, em outra época, quando jogava vôlei com os amigos, chamado de Moloide, por que era um tanto quando desengonçado (todo molenga mesmo) e não levava muito jeito para o esporte. Já fui o Preguiça (não preciso explicar esse apelido né?), fui (e continuo sendo) o Chato, fui o Pata de Caranguejo, por que minhas canelas são finas e cabeludas, entre tantos outros apelidos que recebi e continuo a receber (embora, nessa época em que tudo é Bullying e preconceito, com menos frequencia) outros apelidos, que irão continuar comigo pelo resto da vida, embora eu não tenha mais espinhas (deixei de ser o Choquito), não jogue mais vôlei (deixei o Moloide de lado) e tenha conseguido deixar minhas pernas um pouco menos finas (me livrei da alcunha de Pata de Caranguejo), mas alguns eu ainda continuo sendo, como o Preguiça e o Chato.
            Tive amigos em que os apelidos pegaram tanto, de tal forma, que se tornaram quase os nomes dele, e chego até a pensar seriamente se o Abelha (amigo de minha infância) tem esse nome no registro, se o Miqui Jegue (uma corruptela de Mick Jagger) tinha sido batizado como tal. Tem uns até que não lembro nem o nome, como o Toco, o Bucho-de-Sôia, o Carrapicho, o Batatão, o Nino e o Cádá, e outros que o apelido se incorporou de verdade aos nomes, como Adonias-Cabeção, Wandersapo e o Kléber-Gordo. Tive amigos na escola em que todos só os chamavam pelo apelido, como o Bicho-do-Mato, o João-Gordo e o Nhonho.
            Acabar com o direito de colocar apelidos, considerando tudo como uma forma de Bullying, é como cortar um pedaço da infância, como proibir algo que é natural, prazeroso e que vai nos fazer lembrar momentos e de pessoas que irão nos marcar para o resto de nossa vida.
            Coisa semelhante acontece com o preconceito. Hoje, tudo é uma forma de preconceito velado, e ninguém pode chamar ninguém de Branquelo, Amarelo, Moreno, Negro ou fazer qualquer relação com sua cor.
            Balela!, todo mundo teve um amigo, na infância, a quem chamava de Negão, e se este tinha um irmão menor, o outro seria o Neguinho, se tivesse uma irmã, Neguinha, e isso, na época, não se configurava como um preconceito. Havia sempre um alguém que recebia o apelido de Amarelo-Palemado (não me perguntem o que é “palemado” que até hoje eu não sei o que isso significa), um outro de Branco-Papel. Também tinha um (em todo grupo tem um) a quem chamamos de Crente, por frequentar uma igreja evangélica.
            Hoje em dia, se você chama um alguém de “negro”, se é, logo de cara, tachado de “preconceituoso”, só por que se fez uma referência à pessoa pela cor de sua pele. Se chamar, até, uma pessoa de “morena” é, por alguns, correr o risco de ser considerado preconceituoso. Hoje em dias, todos são o que se chama (que virou moda) de Afrodescendente (confesso achar horrível esse nome, que nem sequer soa bem).
            Existe, sim, sempre existiu e sempre existirá, preconceito, os valentões das escolas, praticando o Bullying, e isso tem de ser combatido, óbvio, mas daí a colocar tudo no mesmo nível, considerar tudo como sendo “prática de bullying” e “preconceito” já é demais. Temos que, tanto nas escolas, como no trabalho ou onde quer que estejamos inseridos, saber os limites e continuar brincando, colocando apelidos, como sempre fizemos, que nem por isso estaremos praticando bullying.
            Apelidos não se configuram Bullying (pelo menos não todos), assim como chamar uma pessoa de negra não é preconceito racial ou de Crente um preconceito religioso. Mas agir de forma contrária, “se doendo”, considerando tudo Bullying e preconceito é uma maneira de se mostrar o quão preconceituoso e complexado se é quanto a essas questões.
            Devemos, sim, combater o Bullying e o preconceito, seja ele de cor, crença religiosa e opção (ou orientação, ou seja lá de como estejam chamando hoje em dia) sexual, mas devemos, também, combater os excessos de complexos e segregações que estão implantando em nossa sociedade, caso contrário, em breve, deixaremos de ser um país do respeito, onde todos as cores, raças e crenças vivem em perfeita harmonia, e passaremos a ser um país separado em pequenos grupos de complexados-imbecis.