Há
uma época de nossa vida em que achamos o nosso irmão-mais-velho a pessoa mais
chata do mundo! Isso tudo por que, só por ser ele o mais-velho, e nós, o
mais-novo, recebe a incumbência de ficar de olho em nós, coitados, quando os
olhos de nossos pais não estão presentes. Ele, chato como é, na nossa concepção
da época, assume tal tarefa com uma rigidez militar, e toma conta mesmo, vigia
cada um de nossos passos para que, quando damos um passo em falso (que em nossa
opinião da época não foi em “tão falso assim!”), ele vá imediatamente falar
para nosso pai (ou mãe) que fizemos algo de errado, se fomos onde não
deveríamos ir, se falamos o que não deveríamos falar, se começamos a implicar
com determinado amigo ou mesmo que nos metemos numa pequena confusão ou
briga-de-menino. Quando isso acontece, que ele nos dedura, lançamos, em sua
direção, um olhar psicopata-assassino que ele entende e nos devolve com um do
tipo “eu bem que avisei (e avisou mesmo) que você não deveria fazer isso”, ou
um do tipo “estou responsável por você, portanto, não crie banque o
menino-teimoso e não faça nada de errado”. E o pior é quando não corre para
falar aos nossos pais de nosso “deslize”, mas resolve, ele mesmo, nos chamar a
atenção e nos pôr para dentro de casa. Nessas circunstâncias, mesmo a
contragosto, mesmo desejando jogar-lhe na cara um “você não é meu pai e não
manda em mim!”, “abaixamos a crista” e obedecemos não a sua ordem, mas o seu
conselho, mesmo assim.
O tempo passa, e nós, os mais-novos,
já sendo adolescentes, mesmo com todo aquele espírito de rebeldia e de natural
desejo-de-independência, começamos a mudar a opinião sobre o irmão-mais-velho. Ele
não é mais o chato de outra época, de alguns anos atrás, mas, ainda assim, nós
ainda insistimos, só para nós mesmos, em rotulá-lo, injustamente, como tal. Ele
não é mais o vigilante, o que vai nos enredar aos nossos pais, o que vai nos
dizer que é hora de entrar ou que não devemos fazer isso ou aquilo, mesmo
porque, nessa época, nós mesmos já sabemos distinguir (na nossa opinião) o que
é certo e o que é o errado, mas, mesmo assim, continua a nos observar
atentamente, dessa vez com um olhar mais brando, não militar como de outrora, mas
com um olhar de cuidadoso observador. Fingimos, por vezes, que não, mas lhe
damos ouvidos quando ele, tomando o seu lugar e a responsabilidade de direito,
vem nos dirigir uma palavra, um conselho de um alguém já amadurecido, calejado
pela vida, que só quer o nosso bem, que quer nos guiar pelo caminho certo. Nós,
rebeldes, por vezes, como somos, só de pirraça, fazemos questão de mostrar que
faremos as coisas de nosso jeito, mas que, tão logo ele vira a cara,
desapontado por nós “não lhe termos dado ouvidos”, que não está mais olhando
(só para não lhe dar o gostinho!), nos pomos no mais completo silêncio e a
pensar em cada palavra dele, e vemos que ele tem razão, e resolvemos seguir
passo a passo o que e como ele aconselhou a fazermos.
Na idade adulta, já com todo o peso,
responsabilidade, amadurecimento e justiça que tal idade traz, ao olhar para
trás, que revemos e revivemos cada momento, cada lembrança que temos de nosso
irmão-mais-velho, percebemos o quão injusto fomos com ele no passado,
principalmente na infância. Notamos que, olhando para dentro de nós, temos mais
dele do que ele jamais imaginaria. Guardamos bem mais doces lembranças dele do
que lembranças chatas.
Lembramos da felicidade que era o
dia em que ele resolvia limpar suas coisas, que ia rever o que não mais queria,
e que nos dava aquele objeto-de-desejo que era determinada coisa que olhávamos
com olhos tão cobiçosos por tanto tempo, e quando recebemos tão presente, o
pegamos nas mãos como se fosse uma o mais precioso e delicado cristal do mundo
e passamos dias sem fim sem larga-lo. Lembramos com especial prazer dos
brinquedos dele, que ele cuidou com tanto zelo durante tantos anos, e do júbilo
que foi o dia em que os recebemos como herança que ele nos lega, em que,
mentalmente, juramos fazer por onde tê-los merecido por herdá-los, que juramos
zelar por eles da mesma forma que ele zelou para que a próxima geração possa ter
o prazer de brincar com aqueles brinquedos que são tão preciosos e cheios de
histórias. Ficamos com o coração despedaçado quando vemos a geração seguinte
(normalmente os primeiro sobrinho) destruir os brinquedos que duraram tantos
anos, que passaram tantos anos para chegar até eles, serem destruídos assim, em
fração de segundos. Ficamos com vontade de esganá-los, não por ele ter destruído
um brinquedo que foi nosso, mas por ter acabado com algo que foi de nosso
irmão-mais-velho.
O irmão-mais-velho é aquele de quem
herdamos as coisas, e não apenas as materiais, como os brinquedos, que foram destruídos
pelo primeiro sobrinho, mas as coisas imensuráveis, imateriais. Herdamos gostos,
como o pela leitura dos quadrinhos, que começou a ser adquirido quando
acompanhamos ele e nosso pai a banca de jornais, e que por ver o patriarca
comprando uma revista para o primogênito exigimos o nosso direito de ganhar,
também, a nossa, mesmo que a gente não as leia. Mas só em ir, mensalmente, à
banca, acabamos por, aos poucos, ir olhando com outros olhos para as
revistinhas e começamos a tomar o primeiro gosto pela leitura, seguindo os
passos do primogênito.
Como legítimos herdeiros, herdamos,
também, o gosto pela leitura, seguindo os mesmos passos dele, mesmo por que são
dele os primeiros livros que pegamos de empréstimo (e alguns a gente até
esquece, propositalmente, por vezes, de devolver, torcendo para que ele se
esqueça do livro e nós possamos herdar o nosso primeiro livro). Herdamos,
também, os gostos pelas músicas sem que a gente perceba. Começamos a gostar das
mesmas músicas que ele, a ter os mesmos ídolos, a ter a mesma rilha sonora de
nossa vida, mesmo sem saber, ainda, quem são aquelas pessoas que tocam aquelas
músicas e quais os nomes dos artistas e das bandas, mesmo sem saber o que quer
dizer a letra daquela canção.
O irmão-mais-velho é aquele alguém
que é uma espécie de banco a quem recorremos, principalmente na adolescência,
quando ainda não trabalhamos e os vemos, já, ganhar seu próprio dinheiro. Chegamos
meio timidamente e pedimos dinheiro emprestado (que nunca pagamos) para ir ao
cinema, fazer um lanche ou para sair com a nossa primeira namorada.
Somos eternamente gratos ao
irmão-mais-velho por ter sido ele o que nos levou ao primeiro show, que nos
levou para passar o primeiro carnaval longe dos pais, numa casa de praia com um
monte de amigos, justamente o mais legal carnaval de nossa vida.
O irmão-mais-velho é aquele que nos
orienta a seguir os passos dele, pois ele já sabe os atalhos e, por querer
tanto o nosso bem, nos conduz tão suavemente, nos dando as opções, não nos
influenciando, mas nos orientando pelo que ele julga (e sabe) ser o melhor.
É ele um dos que mais vibra quando
passamos no vestibular, que nos ensina onde ir no dia de fazer a matrícula na universidade,
que se preocupa em saber se estamos de posse de toda a documentação, que quer
saber como foi o primeiro dia de aula, que incentiva na árdua procura pelo
primeiro estágio e que liga quando saímos de nossa primeira entrevista de
emprego e que vibra e quer comemorar quando conseguimos o primeiro emprego.
É o irmão-mais-velho aquele que, no
dia de nosso aniversário, é dos primeiros a ligar e faz questão de querer sair
para almoçar ou jantar fora, para comemorar, afinal de contas, “data tão
especial não pode passar em branco”.
Olhando para trás, vemos que o
irmão-mais-velho não é só um irmão, um alguém com quem temos um laço sanguíneo,
com quem compartilhamos o mesmo sobrenome e o mesmo quarto durante grande parte
de nossa vida, mas um alguém a quem muito respeitamos, amamos. Temos mais em
nossa alma do irmão-mais-velho do que nos damos conta e do que ele mesmo é
capaz de perceber. O irmão-mais-velho é e significa tudo isso e muito mais. O irmão-mais-velho
é um alguém especial, mais-que-único em nossa vida, um alguém que seguimos os
passos, a quem queremos ser igual quando crescermos.