sábado, 23 de agosto de 2014

A leitora

Eu sou aquele tipo de pessoa estranha, dessas que ao entrar num ônibus olha os assentos ocupados e vejo todas aquelas pessoas, cada uma ocupada com seus computadores de mão (vulgos smartphones!), jogando algum joguinho sem graça, conversando no WhatsApp ou mandando e recebendo mensagens SMS, entretidos em algum aplicativo baixado na noite anterior ou simplesmente conversando alto e fazendo questão que todo mundo que está no ônibus ouça tudo; vejo, também, pessoas distraídas, ouvindo suas músicas, e algumas até mexendo os dedos ou batendo suavemente o pé na cadência da música; vejo também pessoas distraídas, olhando a paisagem ou pensando em como aquele dia tende a ser longo e cansativo; vez por outra tem aqueles que estão conversando alto e incomodam a metade do ônibus; e de vez em quando antes mesmo ouço antes de ver um daqueles desprezíveis DJs de ônibus, ouvindo suas músicas de qualidade duvidosa e incomodando o ônibus inteiro, e sempre que vejo (digo, ouço) tal ser, minha vontade é de pedir parada e descer imediatamente.
            Pois bem, eu não me enquadro em nenhuma dessas categorias (se bem que de vez em quando eu ouço minha música – com fones de ouvido, óbvio), e ao entrar no ônibus, ao me deparar com tão familiares figuras, busco com os olhos um lugar onde possa me sentar (normalmente à janela, no lado do sol – não me pergunte por que opto por me sentar no lado do sol). Devidamente sentado, sentindo-me confortável (por vezes nem tão confortável assim), abro minha mochila e tiro de dentro dela um objeto estranho, um livro, e ao fazer isso muitas pessoas me olham com certa estranheza, como se eu fosse um ser de outro mundo e portando um objeto deveras perigoso, talvez desconhecido (pelo menos no ambiente de um transporte público coletivo) para a maioria daquelas pessoas.
            Um dia desses tudo me parecia igual a todos os dias. Entrei no ônibus, procurei com os olhos um assento e me dirigi para lá. Infelizmente não era na janela, mas pelo menos era do lado do sol (!). Sentei-me e ao começar a abrir a mochila, olhei para o lado e vi que havia um elemento estranho naquele ônibus, um alguém que havia ocupado o meu lugar de “elemento estranho, extraterrestre, portador de um objeto deveras perigoso e desconhecido”. Eu, como bom curioso, procurei discretamente (se bem que não tão discretamente) averiguar que livro era aquele que aquela moça estava lendo e que a tinha fisgado de tal forma que ela estava profundamente concentrada na leitura. Quase dou um jeito no pescoço para ver a capa daquele livro, que fazia com que a leitura tivesse uma reação diferente a cada virar de página. Quando finalmente consegui ver a capa, já tendo chamado a atenção daquele que estava sentado ao meu lado e de algumas pessoas próximas, que àquela altura devia já ter me julgado um louco, quase me desequilibro ao constatar que a moça lia um de meus livros. Olhei bem para ela, tentando reconhecê-la entre uma daquelas a quem recomendei a leitura na livraria onde trabalho, mas por mais que me esforçasse, não conseguia lembrar de seu rosto. Fiquei me perguntando como aquele livro tinha lhe caído nas mãos, mas deixei esse questionamento de lado e comecei a reparar em suas reações, para constatar se ela estava ou não gostando, e pelas expressões de seu rosto e seu leve arquear das sobrancelhas, creio que sim. À essa altura, as pessoas no ônibus já estavam me olhando, vendo como eu reparava naquela leitora ao meu lado. Deviam achar que eu me tratava de algum maníaco-pervertido-com-fetiches-por-mulheres-que-leem-em-ônibus (se bem que eles, nesse sentido, têm certa razão). Fiquei pensando se deveria ou não me apresentar a ela como o autor daquele livro, aquele quem escreveu aquela história (uma crônica – tratava-se de um de meus livros de crônicas) que naquele momento lhe arrancava uma sonora gargalhada que acabou chamando a atenção de outros passageiros do ônibus, que olharam para ela com um olhar de estranheza e censura (pensando, por certo, se ela era louca para estar rindo “sozinha”!). Resolvi deixá-la quieta, em paz, final de contas é sempre mais engraçado e interessante ler um livro e suas histórias, se divertir e se identificar com elas do que conhecer aquele quem as escreveu.

            Quando dei por mim, minha parada estava chegando e eu tive que me levantar. Naquela manhã, um dia incomum, eu não li uma única páginas e sequer chegara a abrir a mochila. Quando, já de pé no corredor do ônibus, em frente à porta, olhei para trás, não resisti e dei mais uma espiada para trás, para aquela leitora desconhecida, e quando a vi sorrir novamente me dei conta de que a decisão que havia tomado, de não me apresentar, fora a mais sensata, afinal de contas, como disse, a leitura do livro era muito mais interessante e divertida do que conhecer seu autor.

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