domingo, 27 de outubro de 2013

A Nuvem Misteriosa



por Caio Cesar

Parecia um dia como qualquer outro. Acordei, tomei meu café, tomei banho, fui pra escola. Cheguei em casa muito cansado como sempre, almocei e fui dormir. Em meu sonho, eu estava admirando um arco-íris lindo que resplandecia no céu após uma chuva fina que molhara a grama da minha casa. Ao acordar, tive um susto. Eram 15h 30min. Eu tinha um treino às 16h 00min e a minha casa fica a quarenta minutos do local onde o meu mestre me aguardava.
– Não tem mais jeito. Terei que perder o treino de hoje – pensei, convicto de que não chegaria a tempo.
            Neste momento, olho rapidamente para a janela de onde vinha um vento frio e refrescante e observo atentamente uma nuvem que parara momentaneamente no céu límpido e azul. Mas não era uma nuvem como qualquer outra. Não. Ela não assumia a forma de nada que eu conhecesse. Tentei associar sua forma a qualquer coisa que me vinhesse a mente, mas não tive êxito.
            – Um rato? Um F-14 da aeronáutica? Meu Deus, com o que isso se parece mesmo? – me inquietava, e continuava a tentar.
            De repente, após eu piscar meus olhos, a nuvem desapareceu. Neste momento, coço meus olhos para saber se isso era alguma pegadinha do meu subconsciente. Quem dera o fosse. De fato a nuvem não estava mais ali. O que teria acontecido? Será que ela existira de fato ou fora apenas uma ilusão extremamente real produzida na minha cabeça? Eram muitas as dúvidas suscitadas em minhas cabeças.
            Após tomar um belo de um banho e refrescar a minha cabeça e a minha mente, tentei, em silêncio absoluto, meditar e relembrar aqueles momentos em que vislumbrava a nuvem misteriosa. Recordava-me de seu formato nada normal e tentava buscar uma explicação para tudo aquilo, quando me veio à mente uma pergunta:
– Por que ter explicação? Por que simplesmente não me debrucei naquele momento sublime? Por que tentar explicar tudo que acontece ao meu redor? Por quê? – me questionava.
Logo eu, uma pessoa que sempre tentou buscar respostas e soluções imediatas para tudo que acontecia na minha vida, acabei descobrindo uma importante lição naquela simples meditação: nem tudo na vida deve ser explicado. Nem tudo deve ter definição própria e exata. Em determinadas ocasiões, devemos apenas apreciar, viver o momento e as oportunidades que nos são oferecidas. Debruçar-nos na felicidade pelas coisas simples da vida. Essa é uma das regras para viver bem.
Ao abrir os olhos após aquela prazerosa e extremamente benéfica meditação, me dei conta de que já era noite e que, por incrível que pareça, a nuvem lá estava novamente. Dessa vez, não tentei buscar respostas para tamanho e estranho fato. Apenas vislumbrei com muito mais prazer a nuvem que me ensinara uma importante lição. E após horas e horas de vislumbre, peguei no sono.

domingo, 20 de outubro de 2013

O homem que podia voar



Ele podia voar, apesar de não possuir asas, de ser grande, pesado e desengonçado; mesmo assim, ele podia voar. Bastava ele querer, fechar os olhos e abrir os braços, que podia sentir a leveza, paz e total tranquilidade tomar conta de todo o seu corpo, pegando sua alma pela mão e o libertando daquele mundo pequeno em que vivia, com os pés colados no chão e de alma aprisionada. Ele voava, sempre que podia, sempre que queria, e as pessoas que estavam ao seu redor o olhavam com estranheza sempre que o viam levantar-se do chão, algumas chegando mesmo a lhe apontar o dedo, criticando-o por aquele “exibicionismo barato e sem lógica”; mas ele não ouvia tais críticas e nem via os olhares recriminadores que as pessoas lhe lançavam, pois, mesmo quando estava com os olhos abertos, sua alma estava livre, e voava livremente pelo firmamento.
            Ele podia, em seus voos, visitar mil e um mundos, adentrar em todas as portas, pois era uma alma livre, leve e solta. O tempo também não lhe oferecia barreiras, pois quando estava a voar, ele podia visitar passados longínquos e vislumbrar um futuro distante, assim como se livrar de todo e qualquer tempo e viver numa total atemporalidade. A fantasia estava sempre com as portas abertas para ele, que podia, se quisesse, tanto viver entre os homens, normais, e viver suas rotinas, dramas e alegrias, quando entre seres imaginários, que só se tornavam reais para aqueles que possuíam a leveza da alma e que podiam voar livremente pelos sete céus.
            Ele podia, quando leve, quando seus pés se libertavam das amarras que lhe prendiam ao chão, que abria os braços e os olhos da alma, conhecer, viajar, ser o que ou quem quisesse ser, ou ser simplesmente ninguém, um mero expectador e assistir ao desfecho de todas as histórias. Podia se emocionar, rir, chorar, mas não podia ou conseguia ficar indiferente, em hipótese alguma, pois se assim o fizesse, cairia no chão, na dura realidade, e o dom de voar lhe seria proibido naquele momento. Indiferença e não-envolvimento-emocional e voo eram coisas que não combinavam,e ele sabia disso, por isso, sempre que voava, se entregava inteiramente de corpo e alma àquilo que se descortinava à sua frente e se oferecia tão livremente à sua alma.
            Ele, quando voava, entrava em estado de êxtase profundo, do qual ninguém nem nada podiam tirar. Ele havia se tornado um completo dependente de voos e de liberdade. Quando voava, ele era rico, era pobre, era homem, era mulher, era criança, jovem, adulto ou idoso; quando voava, ele era tudo ou era simplesmente ele.
            Ele, voando, podia ouvir mil e um sons, desde a música cantada pelo vento, passando pelas vozes das pessoas lá embaixo até o mais profundo, completo e reconfortante silêncio. Ele podia simplesmente tudo quando voava. Os seus cinco sentidos estavam completamente livres, aguçados: podia sentir todos os gostos, ver tudo, sentir os toques, os cheiros e ouvir.
            Ele voava onde quer que estivesse; mesmo com os pés colados ao chão, ele voava, pois para voar bastava querer, bastava sentir a textura daquele poderoso objeto mágico que tinha nas mãos, abri-lo e mergulhar de cabeça nas suas páginas e beber cada uma de suas palavras. Para voar, ele só precisava abrir aquele livro, sentir-se livre e deixar-se tomar por inteiro por aquelas palavras mágicas e encantatórias.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Espírito de Livreiro



Livreiro possui um espírito aventureiro, descobridor, tal qual aqueles personagens tão conhecidos de tantos livros. O livreiro busca incessantemente tesouros escondidos, perdidos naquela imensidão de prateleiras ou esquecido no canto de baixo de uma mesa.
            Livreiro não é vendedor, apesar de constar tal profissão assinalada em sua Carteira de Trabalho, pois seu trabalho não é vender, mas sim orientar, encantar, surpreender e cativar não ao cliente, mas sim ao leitor sedento de uma boa indicação de leitura. Livreiro também não é vendedor por que não vende produto algum, mas sim Livros, e o que um livro mantém aprisionado em suas páginas em branco e letras impressas não pode ser mensurado e comparado a produto algum.
            Livreiro é um completo e confesso apaixonado, e transparece a sua paixão em tudo, e é facilmente reconhecido em suas palavras, atos e gestos, pois tem tatuado não na pele, mas em sua alma, a sua paixão.
            Livreiro nunca é um alguém comum, pois tem “gostos e hábitos estranhos”, como ler em ônibus, nas filas, enquanto espera seu número em um painel eletrônico; como sentir o cheiro de livros com quem cheira a primeira flor a desabrochar na primavera; como ouvir as vozes dos personagens do livro que está lendo; como ser mais reservado e muitas vezes mais calado, silencioso e quieto, embora estas características em nada tem a ver com sua mente e alma em eterna ebulição, eternamente barulhenta que grita a tal ponto de lhe estourar os ouvidos.
            Livreiro não é livreiro apenas em seu ambiente de trabalho, pois carrega consigo sua paixão onde quer que vá, e sua paixão transcende a todas as paredes aonde venha a estar encarcerado.
            Livreiro não vive apenas uma vida, mas sim mil e uma ao mesmo tempo. Reconhece em leitores os personagens e situações vibrantes dos livros que leu e os cumprimenta como se fossem íntimos de longa data, intimidade esta que só um grande livro pode propiciar.
            Livreiro conversa sobre livros com intimidade e paixão apaixonantes, que faz com que aquele que ouve as suas brotantes palavras tão sinceras, vindas do âmago de sua alma, sendo reflexos da vida vivida nas páginas daquele cativante e formidável livro, entrem pelos ouvidos do leitor e se espalhem por sua corrente sanguínea, acelere os seus batimentos cardíacos e faça com que ele entre na história antes mesmo de iniciar sua leitura, só em ouvir as palavras do loucamente apaixonado livreiro.
            Na casa de um Livreiro não há livros guardados, mas sim vidas que brotam e voejam por todos os ambientes de seu recinto sempre que um alguém abre algum daqueles objetos mágicos e dá asas e vida aos personagens de cada uma daquelas histórias contidas naquelas centenas, quiçá milhares, de livros.
            Um Livreiro nunca poderá ser definido com poucas e imprecisas palavras, por mais hábil que seja aquele que tenta defini-lo, mas ele é claramente percebido em meio a uma multidão, principalmente pelo sorriso quando se encontra em seu habitat natural, dentro de uma biblioteca ou livraria, ou simplesmente entre livros ou pessoa cujas almas vibram em consonância com a sua, que compartilham a mesma paixão pelos mesmos livros.

sábado, 12 de outubro de 2013

Lugar de família é na cozinha



Sempre que se fala em família, a primeira imagem / lugar que me vem à mente é uma cozinha. É na cozinha que acontece se não as mais pomposas reuniões, pelo menos é onde ocorrem as mais espontâneas e divertidas, onde se preparam todos aqueles pratos deliciosos feitos para as mais diversas ocasiões: seja para um aniversário de um primo, prima ou tia, seja para a ceia de natal ou outra ocasião deveras importância, mas o que importa, para a família, não é a ocasião em si (o aniversário ou data comemorativa é apenas um pretexto, uma “desculpa” para se reunir todo mundo).
            A cozinha é um ambiente amplamente dominado pelas matriarcas da família, onde é praticamente vedada senão a participação, pelo menos a permanência por muito tempo, dos patriarcas da família. Mas lá é permitida a entrada (e permanência) de todos os primos, que entram com uma desculpa qualquer, de beber água, de pegar algo para comer, e acabam ficando como quem não quer nada, rindo e participando mesmo de alguma anedota, ouvindo algum causo acontecido em tempos áureos contado por alguma das normalmente mais bem-humoradas matriarcas.
            Na cozinha reina a descontração, os risos, as vozes altas de todo mundo falando ao mesmo tempo, e só há silêncio quando de repente surge entrando pela porta aquela matriarca mais séria, normalmente a irmã mais velha, e todos os presentes param o que estão fazendo, param de falar suas histórias mais “despudoradas” em respeito a ela. E ela ama esse respeito que lhe devotam, no entanto ama mais ainda a alegria reinante de sua família, e justamente por isso é ela quem quebra o silêncio e abre seu baú de histórias ao contar uma história acontecida há tantos anos...
            A cozinha além do local de espontaneidade, de tantos barulhos e risos, é o saboroso lugar dos cheiros deliciosos, onde são preparados todos aqueles manjares dos deuses, onde as matriarcas com mãos de anjo dão forma aos doces, onde manejam habilmente colheres-de-pau e dão o exato ponto aos pratos que serão servidos logo mais, à noite, mas que àquela hora, no instante do preparo, todos os presentes são convidados a “participar do preparo” ao darem pitaco, dizendo se está bom de sal, se ficou muito doce, se a consistência está boa, etc, etc e etc. mas o felizardo mesmo é aquele que prova e diz “está perfeito”, e ganha em agradecimento um enorme sorriso da hábil cozinheira e como prêmio (mais tarde) todas as atenções na ceia e um pedaço mais que generoso da mais saborosa das sobremesas.
            Família é família, seja lá em que lugar da casa for, em que ocasião for,  mas que família reunida na cozinha é mais família, é mais saborosa, é mais cheirosa, é mais espontânea, enfim, que família é mais família na cozinha, isso é inegável.

domingo, 6 de outubro de 2013

Cheiros e gostos de lembranças

De morango era o sabor de seus lábios, assim como o doce aroma de hálito. Ele fechava os olhos e invocava as lembranças da noite passada com seus gostos e cheiros e toques e calores e sons e suspiros. Podia quase tocá-la e reviver aqueles momentos de tão palpáveis que eram as lembranças ainda tão vívidas naquele quarto. Nos lençóis o seu calor ainda permanecia, nas fronhas dos travesseiros ainda repousavam alguns fios de seus cabelos, e ele puxou os travesseiros para junto de si e se cobriu com os lençóis, e ali ficou, naquela posição fetal, sentindo-se seguro naquela ilha de calor.
Adormeceu brevemente com os olhos semiabertos e sonhou, e no sonho ela voltava para seus braços. Mas acordou de seu devaneio de supetão e assustado com o som do despertador, que lhe chamava para um novo dia de estafantes rotinas. Entre as obrigações e o reavivamento das lembranças, ele se viu obrigado a se levantar. Tomou uma ducha fria, que levou pelo ralo o ainda tão presente toque dos finos dedos dela em sua pele, e chorou ao não mais senti-lo tão latente. Enxugou-se com uma toalha felpuda, mas que em nada lembrava o seu tão macio e aconchegante abraço.
Passou o dia inteiro como que em constante devaneio, realizando de maneira distraída as suas tarefas e obrigações, assinando todos os papeis que lhe entregavam sem ao menos lê-los, atendendo ligações sem prestar atenção ao que o outro do outro lado da linha lhe dizia, e dando respostas evasivas. Pediu para sair mais cedo, pois não estava se sentindo bem, alegou, e seu chefe, mesmo a contragosto, o liberou, sob a condição de no dia seguinte ele compensar. “tudo bem”, ele disse, pegou seu paletó e saiu.
Dirigiu seu carro sem destino definido por ruas e avenidas vazias àquela hora da tarde, até que parou em frente à praia onde a encontrou. Mas dela, ali, a única coisa que restava, era a sombra de sua presença, uma vaga e imprecisa lembrança. Ficou ali mesmo assim, sem a presença dela, vendo o pôr do sol, o seu lento desaparecer na linha do horizonte. Olhou para o alto e viu a lua cheia, a mesma lua cheia da noite anterior, e viu o céu salpicado de infinitas e diminutas estrelas, todas tão belas. Fechou os olhos e sentiu o cheiro do mar, nem de longe tão sublime quanto o cheiro dela, de seu hálito; ouviu o barulho das ondas quebrando, um som violento, de fúria, tão diferente do som delicado e baixo de sua voz, tão suave quanto o dedilhar nas cordas de uma harpa. Expirou todo o ar que tinha dentro de seu peito e emitiu um gemido baixo de dor pela não-presença dela ali. Caminhou descalço sentindo o delicado e áspero toque da areia entre seus dedos e vez por outra uma onda vinha lhe roçar com seus dedos seus pés, como que o chamando, convidando-o para um mergulho na sua imensidão, nos seus gigantescos braços num abraço apertado, mas ele não sentia nada disso: sentia apenas a solidão daquele momento, a presença de uma ausência tão viva.
Voltou para casa tarde da noite, cabisbaixo, e preferiu não pegar o elevador, mas sim subir todos aqueles lances de escadas, contando um a um os degraus. Chegou à porta de seu apartamento esgotado, com os músculos das pernas clamando por um descanso, e se jogou sobre o sofá. Estava tão cansado que fechou os olhos e estava adormecendo quando sentiu um doce e tão conhecido aroma pairando no ar. Com os olhos ainda fechados ele virava a cabeça de um lado para o outro, como que procurando a fonte de onde vinha o cheiro daquela lembrança, até que parou, olhando em direção à mesa, e viu lá pousado um único morango. Arregalou os olhos, não acreditando no que tinha diante de si, quando ouviu um som vindo de seu quarto, onde a porta se abria lentamente e por onde vinha ela, não a lembrança dela, não um eco dela, mas ela, em carne, osso, cheiro e gosto, e na mão segurava delicadamente um morango, que oferecia para ele...