Desde
que nascemos, somos bombardeados por informações mil, por influências mil que
farão parte e nos acompanharão, lado a lado, durante aquele instante ou fase
nossa vida, e que, algumas, até certo grau, far-se-ão tão imprescindíveis,
deixarão marcas tão profundas que nos acompanharão até o fim de nossos dias.
Fazemos escolhas, selecionamos e até deixamos que um algo nos marque mais do
que um outro, mas há casos que algo nos marca tal que nem nos damos conta,
naquele momento, de sua importância e até onde vai sua influência.
Quando crianças, as nossas escolhas
são fáceis. É algo entre o personagem favorito, o ídolo do momento ou que canal
de televisão e desenho assistir, e essas escolhas nos acompanharão pelo resto
da vida, embora só consigamos nos dar conta bem na frente, quando nos bate
aquela “seção nostalgia” e percebemos o quanto tal personagem nos marcou e
temos dele, o quanto rimos e nos divertimos com tal desenho, etc. Na
adolescência, já temos, talvez, que ser mais criteriosos e menos impulsivos como
quando criança, pois nessa fase é que começamos a desenvolver o nosso senso
crítico e começamos a ter a nossa própria opinião/posição diante daquilo que
temos que escolher. Continuamos a ter os ídolos, sim, como em tempos passados,
mas eles adquirem outro status e importância em nossa vida. Fazemos nossas
escolhas em cima de critérios rígidos que desenvolvemos (se bem que por vezes
nem tão rígidos assim). Escolhemos as nossas bandas favoritas, as músicas
favoritas, e, em determinada fase da adolescência, devemos fazer uma opção
crucial, que pode fazer com que a nossa vida tome um definitivo rumo, que é o
de que curso fazer e que carreira seguir. Também nesta fase de nossa vida é
que, por sermos mais criteriosos, passamos a sentir mais as influências de nossas
escolhas e das experiências marcantes que vivemos. Quando adultos, as escolhas
tornam-se ainda mais difíceis, pois entra, nessa fase, o quesito
responsabilidade. As influências que sofremos, embora saibamos lidar com elas
(na maioria das vezes), também são muito fortes.
Algo de que muitas vezes não nos
damos conta (por motivos diversos), e que nos influenciaram enormemente em
nossa trajetória de vida, são as leituras que fizemos ao longo dos anos, de
quais os livros que mais nos marcaram e quais colocamos como mais importantes
para a nossa formação.
Na infância, embora muitas vezes
sequer nos lembremos, devemos fazer os devidos agradecimentos às leituras dos
quadrinhos, que, muitas vezes, representam uma abertura de portas para o hábito
da leitura. Personagens como os da Turma da Mônica nos deixam, até hoje, mesmo
já adultos formados, fascinados e despertam em nós o gosto dos tempos passados.
Além dos quadrinhos, devemos prestar homenagens aos autores formadores dessa
fase, como Ziraldo, Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Monteiro Lobato, entre
outros tantos, que acompanharam todas as fases do nosso letramento e que foram,
em muitos casos, os primeiros livros que tivemos e que tivemos o prazer de ter
lido. Lemos coleções diversas, acompanhamos os personagens e nos deixamos ser
guiamos pelas gentis mãos de um habilidoso e (por vezes) fantasioso escritor.
Na fase da adolescência, os livros e
leituras adquirem um outro papel e são outras as motivações que nos levam a
escolhê-los. É nessa fase que muitos de nós começamos a desenvolver
efetivamente o hábito da leitura, que começamos a desenvolver a disciplina
necessária para o cultivo sobre como a literatura irá semear a nossa vida e
nossa personalidade. Continuamos, muitas vezes, a ler quadrinhos, mas muitas vezes
negamos os que temos como infantis (afinal de contas, nessa fase de nossa vida
tendemos a ser suicidas, negando muito do que diz respeito aos personagens e
hábitos de certas leituras desenvolvidas na infância). Lemos os super-heróis
das revistas da Marvel e DC. No que se refere aos livros, começamos a nos
identificar com determinados gêneros e autores. Tomamos conhecimento, num
primeiro momento, de alguns clássicos, por vezes em versões adaptadas para a
linguagem adequada a tal fase da vida, uma vez que os textos na íntegra, no
original, nos parecem tão pouco atrativos, nos aventuramos junto com
determinados personagens, como Sherlock Holmes, que, além de ajudar a
desenvolver o hábito da leitura, aguça o nosso raciocínio. Também fazem parte
dessa fase a leitura de “livros do momento”, que lemos por impulso e influência
de outros colegas de leitura, escola ou familiares. Quando adolescentes numa
fase mais avançada, já com o hábito da leitura solidificado, começamos fazer as
nossas próprias escolhas ao
iniciar a leitura de livros de cunho fantasioso, como as de Tolkien, ficamos
com o “cabelo em pé” com as de terror do Stephen King, aprendemos com as
filosóficas e lúdicas obras de Jostein Gaarder. Começamos, já, em determinada
fase da adolescência, a ler obras de maior “peso”, uma espécie de primeiros
clássicos que lemos na íntegra, e a partir desse momento nossa vida, como
leitores, começa a mudar profundamente.
Na fase adulta, por vezes, já com a
leitura fazendo parte de nosso dia a dia, nos deixamos levar e desafiar pelas
mais diversas leituras. Por vezes, quando cansados, para não ficar sem ler
nada, pois isso é algo que não conseguimos, nos aventuramos numa leitura de
entretenimento, nas páginas de um bom (e bem selecionado) best-seller, que irá
nos “arejar a mente”, que irá nos distrair e nos envolver com uma cativante e
empolgante história. Deixamo-nos, também, envolver com a leitura de romances
históricos, nos vemos “com a boca seca” com as histórias de suspense e mistério
de Allan Poe, nos aventuramos nas narrativas detetivescas de Conan Doyle e
Agatha Christie, lemos crônicas diversas, romances que nos tocam e marcam, mas
é nos edificantes clássicos que nos deleitamos e nos sentimos, como leitores,
mais completos.
É na fase adulta que realmente
tomamos conhecimento das chamadas altas literaturas e deixamos que elas lancem
profundas marcas na maneira como passaremos a compreender o mundo. Lemos os
essenciais gregos através dos épicos de Homero e sentimo-nos tragados pelas
obras do teatro, escritas há tantos séculos, mas que influenciaram fortemente a
nossa cultura e que continuam, mesmo (devido) com o passar dos anos, tão
atuais. Nos deparamos com os italianos como Virgílio e Dante, este tão
importante para não só a literatura, mas pelo forjamento de uma ideologia
religiosa que prevaleceu durante tantas séculos e que tem forte influência,
ainda hoje, no pensamento ocidental. Os ingleses dispensam apresentações e
comentários. Afinal de contas, o que falar sobre Shakespeare, Dickens, Jane
Austen, as irmãs Brönte (cada uma mais genial do que a outra), Walter Scott,
Joyce, Oscar Wilde, Virgínia Woolf, entre tantos outros? Sobre os franceses,
quais citar? Dumas, Victor Hugo, Stendhal, Zola, Balzac, Baudelaire, Mallarmé,
Rimbaud, Rabelaire, etc. fora La Fontaine, Perrault, autores de obras que fazem
parte de nosso imaginário. E o que falar de Saint-Exupery, autor de uma obra
que é eternamente nova a cada vez que a lemos? Não podemos deixar de mencionar
o espanhol Cervantes, o alemão Goethe ou os portugueses Camões, Pessoa, Eça de
Queiroz e Saramago. Os norte-americanos, apesar de como nação representarem um
império que é com justeza criticado, na literatura nos deram autores
formidáveis, principalmente no século XX, como Fitzgerald, Hemingway, Steinbeck
e Salinger, foram os contemporâneos Paul Auster e Phillip Roth. E os russos,
que marcam profundamente a alma de todos aqueles que se aventuram em suas
narrativas densas e marcantes? Puchkin, Gogol, Leskov, Dostoievski, Turguêniev,
Tolstoi, Gorki, Tchekhov, Pasternak, Nabokov. Existem tantos outros, de tantas
outras nacionalidades, como Kawabata, Gabriel Garcia Marquez, Mia Couto, Jorge
Luiz Borges, Kazantzakis... e que brasileiros mencionar? Falamos tantos,
elogiamos tanto tantos autores estrangeiros e acabamos por relegar os nossos
gênios da literatura. Machado de Assis é o maior deles, fato indiscutível, mas
a nossa literatura não se limita só e unicamente a ele. Temos também os
formidáveis Gregório de Matos, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Aloisio
de Azevedo e os romancista dos movimento romântico brasileiro, temos o
“príncipe dos poetas”, Olavo Bilac, temos os fenomenais pré-modernistas como
Augusto dos Anjos, Lima Barreto e Monteiro Lobato, temos os modernistas de
primeira fase e os geniais poetas e romancistas da segunda, surgidos
principalmente a partir da década de 1930, como Carlos Drummond, Cecília
Meireles, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo,
há os que começaram a se distanciar do modernismo, representando um novo
momento da nossa literatura, como Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto,
Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Nelson Rodrigues, Fernando Sabino, Lygia
Fagundes Telles.
Como se vê, somos quase que um
quebra-cabeça formado por mil e uma leituras que vamos fazendo, colecionando ao
longo de nossa vida, que ora nos influencia mais, ora um pouco menos, mas que
foram, todas, essenciais para a nossa formação humanística.
Algumas pessoas usam o ditado
popular “diga-me com quem andas, e te direi quem és”, mas nós, leitores,
podemos parafrasear tal pensamento e dizer algo do tipo “diga-me o que lês, e
te direi quem és”!
Somos, como seres dotados de consciência
e senso crítico, fruto de nossas experiências de vida, e as leituras feitas
estão entre as experiências que mais se mostram essenciais na nossa formação
humanística, tendo elas sido realizadas lá atrás, como primeiro contato e
experiência de leitura, seja via um livro ou revista, seja a leitura que
acabamos de finalizar ontem, de um livro escrito na semana passada ou de um
cujas palavras foram grafadas numa primeira edição há tantos séculos.