Jamais
imaginei que pudesse sentir o que sinto, que algo dentro de mim, que jazia
esquecido, morto, sepultado, pudesse ser tomado por uma súbita e indescritível
força e voltasse a pulsar e a viver. Tive medo ao sentir-me novamente vivo, ao
sentir algo vivo dentro de mim, que batia tão incontroladamente a ponto de me
fazer sufocar. Não sabia como reagir com àquilo, tão novo, tão ímpar e tão
belo. Havia me acostumado à solidão de minha vida e a frieza de meus sentimentos,
à morte de meu coração, e eis que ele se mostra vivo, pulsando, desejoso de
companhia, de proximidade e de sentir.
Não sei como nem quanto aconteceu
esse reviver, esse reflorescimento de minha alma, essa minha ânsia, mas
aconteceu. É algo forte e intenso, contra o qual não posso nem quero lutar. Quero
me deixar levar, sentir a vida tomar conta de todo o meu corpo e devorar minha
alma.
Fecho os olhos e te vejo, tão perto
que posso te tocar, que posso sentir o teu abraço, mas quando os abro e vejo a
solidão, a distância, sinto novamente a tristeza me corroer. Ao respirar, ao
sentir o cheiro que paira no ar, sinto o teu, e, inebriado, viajo para junto de
ti. Sinto o gosto de teu beijo na boca, o calor de teu corpo e de teu abraço.
Mas onde estás? Eu não sei. Distante
ou perto, estás sempre perto, ao meu lado, no meu pensamento, dentro de mim,
dentro desse coração que pulsa, que sente, que vive.
Não sei como lidar com esse
sentimento que me toma, que me devora, pois nunca aprendi a lidar com quaisquer
sentimento que me tomaram. Sinto-me inseguro, sinto medo do desconhecido, daquilo
que sinto.
Não sei como me expressar, não sei
como me dar, não sei como te dar tudo aquilo que sinto, aquilo que me há de
mais valioso, que bate tão incompassado em meu peito.
Ele está aqui, entalado em minha
garganta, explodindo em meu peito, na palma de minha mão. E o entrego a você,
Desconhecida, que eu não sei quem é, mas que a amo mesmo assim, sem medo, sem
ressalvas, por inteiro.
Pegue o meu coração, ele é seu, ele te
pertence. Cuide bem dele, pois ele é único.
Eu adoro o carnaval. Essa sensação
de ter a cidade só para mim, de olhar pela janela e ver a cidade vazia, sem
barulho algum, de sair na rua e não ver ninguém, talvez só mais uma pessoa que
ama tanto o carnaval quanto eu. Poder andar pelas ruas sem me preocupar com os
carros. Até os cachorros e gatos de rua parecem sumir nessa época, pois não se
encontra um sequer nesses dias.
Não
há barulho algum, de carros, buzinas, de pessoas ou de música alta. Não há
samba, axé, pagode, frevo ou qualquer outro tipo de música. O que reina nesses
dias é o som do silêncio. E como é reconfortante o silêncio, de poder ouvir
nada.
Não
há corredores, não há cores, não há luzes, não há folia, somente a paz. E como
é boa essa sensação de paz reinante, de despreocupação.
Onde
está todo mundo? Não sei. Devem ter viajado, ido curtir, cada um, o seu
carnaval, deixando toda a cidade, todo o mundo só para eu reinar absoluto. E sobre
quem eu reino? Sobre o silêncio. Em meu reinado só há paz, silêncio e solidão. E
como é bom reinar em meio a todo esse silêncio, de viver num mundo de paz
absoluta.
Os
dias são longos e preguiçosos, e não há a preocupação com os horários, de acordar
cedo, de ir ao trabalho. O céu está num tom de cinza, perfeito e convidativo
para se ficar em casa e se aproveitar o dia sem fazer nada. As noites são frias
e silenciosas e longas como os dias, ótimas para se refletir, para se escutar o
som da cidade silenciosa, dormindo.
Como
é bom poder desfrutar dessa sensação de onipotência, de ter a cidade só para si,
de poder ir onde se quer, de se deixar guiar pelos seus próprios pés, sem
destino, sem ter para onde ir, sem saber aonde se quer chegar. E pensar que
tudo isso só é possível nessa época do ano, em pleno carnaval!
Por
isso é que espero tão ansiosamente pela chegada do carnaval, por isso é o carnaval a minha época favorita de
todo o ano. E ainda tem gente que diz que eu fico triste quando chega o
carnaval!? Há gente que fala que eu não “curto”
o carnaval!? Essas pessoas, que falam isso, não me conhecem e, pior ainda, não
sabem o quão bom pode ser o carnaval!
Não canso de dizer o quão impressionado
fiquei pelo livro A Estrada, do
escritor norte-americano Cormac McCarthy. Em todo o livro, da primeira à última
página, reina uma atmosfera de desolação e tensão, de medo e expectativa, que
envolve o leitor.
A
história aparentemente simples, narra a saga de um homem e seu filho, que
seguem por uma estrada desolada rumo ao sul, sozinhos, num mundo que foi
inteiramente destruído. Nessa empreitada, eles têm que lutar pela sobrevivência
e buscar, da melhor maneira possível, encontrar meio de encontrar comida e de
se aquecer nas noites escuras e frias. No entanto, eles não estão sozinhos, não
são os únicos sobreviventes às catástrofes que estão nessa estrada. A estrada
está repleta de homens degradados, que em seu desespero começam a devorar uns
aos outros, e um único homem acompanhado de seu filho, uma criança, podem se
tornar um alvo fácil para esses “bandoleiros”.
O
homem, acompanhado de seu filho, levam apenas mochilas às costas e um carrinho
de supermercado com poucos suprimentos, vivem com a eterna expectativa do que
podem encontrar na próxima curva da estrada, nas cidades abandonadas por que
passam. Carregando sempre junto a si um revólver onde há apenas duas balas, o
homem espera nunca ter que usá-lo, para proteger a si mesmo, e principalmente seu
maior tesouro, o único que lhe restou após o “apocalipse”: seu filho.
Uma
história marcante e que, apesar de possuir praticamente apenas dois personagens
(o homem e seu filho), o autor consegue, de forma tão magistral, prender o leitor
de tal forma, deixando-o no ar uma eterna tensão e expectativa de como vai
terminar a jornada solitária dos dois viajantes, dos dois únicos sobreviventes
do que restou de humanidade no mundo.
História
de medo e de solidão, mas também uma história de profundo amor, do homem para
com seu filho, do mais verdadeiro afeto e confiança do filho para com seu pai.
O livro também vai ganhar uma
adaptação para o cinema, com lançamento previsto para esse primeiro semestre, e
terá Viggo Mortensen como protagonista.
Eu tentei (eu juro!), mas não
consegui segurar o meu lado tiete, fanático, verdadeiro seguidor dos
Engenheiros do Hawaii e profundo admirador de Humberto Gessinger, como letrista
e compositor. Portanto, amigo leitor, se você não é fã dessa tão importante
banda para o rock brasileiro, uma das poucas de sua geração a continuar ainda
na ativa, para a leitura desse texto imediatamente, pois o Pra Ser Sincero: 123 Variações Sobre um Mesmo Tema é um livro para
aquela legião de fãs e seguidores do Engenheiros do Hawaii.
O
livro, escrito por Humberto Gessinger, é uma autobiografia, dele e da banda, de
todos esses anos de carreira da banda que se tornou uma referência para o rock
brasileiro nos anos 80 e continua, até hoje, fascinando uma legião de fãs,
mesmo estes sendo mais jovens do que a própria banda, como eu.
Falando
de meu caso em particular, eu comecei a gostar dos Engenheiros do Hawaii antes
mesmo de conhecer a banda, muito devido à influência de meu irmão, mais velho,
que tinha todos os LPs e escutava exaustivamente aquelas músicas. Eu, eterno
irmão menor (o mais chato da casa), cresci, então escutando essas músicas e já
sabia de cor frases das canções, os refrões, antes mesmo de saber que banda era
aquela. Na adolescência, quando comecei a escutar música de verdade, aprendendo
a sintonizar a rádio favorita, a colocar as fitas K7 no bom e velho Aparelho 3
em 1 (adoro ter vivido essa época, do K7 e do LP, embora este eu só tenha pego
no finalzinho), percebi que, instintivamente, caminhava para aquelas músicas
tão conhecidas, que eu ainda não sabia de que banda eram. Comecei, então, a
escutar as músicas, a gostar de verdade da banda e, já na época do surgimento
do CD, comecei a gravar as minhas próprias K7, selecionando uma música de um
CD, outra do outro, fazendo assim a minha “seleção”.
O
tempo foi passando, eu comecei a escutar outras coisas e, como todo adolescente,
na década de 90 “me envolvi” em inúmeros movimentos. Escutei muito Nirvana,
tanto que tenho, até hoje, todos os CDs (originais) da banda e Metallica. Música
nacional? Escutava pouquíssimo, mas nunca deixei de escutar, vez por outra,
aquelas velhas fitas K7 (isso em plena Era do CD!) de minhas “seleções”. Conheci
muitas outras bandas, gostei pra valer de umas, de outras nem tanto, entrei na
Universidade, conheci muitas pessoas, que me apresentaram outras bandas, outros
estilos, etc. e as velhas fitas acabaram se estragando, mas vez por outra, do
nada, alguns daqueles refrões me vinham a mente, e eu acabava indo matar a
saudade das músicas, baixando-as pela internet (!).
O
tempo, que é remédio para tudo, passa, e já adulto, me vejo num canto qualquer,
quando ouço uma música tão conhecida, que não escutava há meses (ou seriam
anos? Não sei.) e comecei a cantar junto, pois lembrava de cor toda a letra,
toda a entonação. Guiado por tal som, deixei meu passos me guiarem até uma loja
de CDs (nessa época, em Natal, ainda havia loja de CDs. Hoje, devido a
pirataria e em plena Era do Download, não há mais nenhuma “especializada”,
infelizmente) e vi um novo CD à venda, daquela banda que tanto tinha me
marcado, que eu nunca tinha esquecido. Comprei-o e o escutei tanto, relembrando
a minha infância, adolescência, início da fase adulta, revendo momentos de
minha vida para os quais aquelas músicas pareciam ter sido feitas, para o que
estava sentindo e pensando.
Desse
dia em diante, todos podem imaginar o que aconteceu: uma verdadeira caçada em
busca de tudo da banda, de todos os CDs. Falo “caçada” pois foi bem isso que
aconteceu, pois, mais uma vez devido a Era do Download e a da Venda de Tudo
Pela Internet e da falta de lojas de CDs na cidade, não foi nada fácil encontrar
os CDs e completar a minha “coleção”. Passava horas em Lojas de Tudo, que ainda
tinham uns raros CDs, na esperança de encontrar algum do Engenheiros do Hawaii,
e quando achava algum, escondido lá atrás nas gôndolas entre aqueles milhares
de CDs da “melhor banda da última semana”, vibrava como se fosse um gol do São
Paulo numa final do Mundial Interclubes. Um a um, ia comprando os CDs e
completando a minha coleção. Mas, por mais que eu me esforçasse, ainda faltavam
uns poucos (Tchau, Radar! e o Humberto
Gessinger Trio), que meu irmão tinha, mas que teimava em não me dar. Mas eu,
como eterno irmão mais novo, eterno pentelho, o chateei tanto que ele acabou
cedendo e me vendendo os CDs, por um preço exorbitante, é verdade, mas o
importante é que ele vendeu (Yes!).
Completada
a coleção, sentindo-me o maior fã da banda, imaginando já saber muito sobre os
Engenheiros do Hawaii, agora já mais tranquilo, trabalhando numa livraria, eis
que me deparo com esse livro, que eu em absoluto, não esperava: Pra Ser Sincero: 123 Variações Sobre um
Mesmo Tema, um livro de Humberto Gessinger! Não pensei nem meia vez, e o
adquiri. Li-o de um fôlego só, praticamente numa noite, me deleitando com cada
história, com cada momento, com cada frase, pois o livro, para um fã (ou
seguidor, como eu prefiro dizer, o que já ficou claro) é maravilhoso, muito bem
escrito, como só a maestria de Gessinger é capaz de fazer.
A
história, é muito bem contada, de uma forma que soa até despretensiosa, bem ao
jeito Humberto Gessinger, mesclando trechos da sua história, da banda, dos
momentos, com trechos das músicas, que parecem ter sido feitos para aqueles momentos.
Além disso, o projeto gráfico do livro ficou maravilhoso, repleto de belas
imagens, capas dos álbuns e fotos de todos os momentos da vida da banda, um
deleite para os olhos dos fãs. O livro conta, também, com as letras e comentários
sobre algumas músicas.
A
forma como Humberto Gessinger conduz o livro é um caso a parte. Temos a
impressão de que ele escreveu esse livro da mesma como compôs uma música, montando,
desmontando, brincando com as palavras, repetindo frases, recriando frases,
tudo isso de uma forma “despretensiosa”.
Como
livreiro, leitor, amante de literatura, eu indico a leitura de Pra Ser Sincero: 123 Variações Sobre um
Mesmo Tema, eu indico a leitura desse livro; como fã da banda, digo que ele
é uma leitura obrigatória.
P.S.: agora, se você está acostumado
a só ler livros da Saga Crepúsculo e a escutar música de banda EMO, por favor,
fique longe de Pra Ser Sincero: 123
Variações Sobre um Mesmo Tema, pois você não saberá entender o porquê de
tal livro mexer tanto com um amante de literatura e um admirador, um seguidor
dessa banda que será para sempre imortal!
Impossível
falar em literatura e excluir os contos, um dos gêneros literários mais
apreciados e intensos. E impossível, também, é falar em contos sem tocar no
nome de Anton Tchekhov, considerado o maior contista de seu país e de toda a
literatura mundial, de todos os tempos.
Anton Pavlovitch Tchekhov (1860 –
1904), russo, nasceu em Taganrog, em família de origem humilde (seu avô
paterno, inclusive, foi servo, e teve que comprar sua liberdade). O pai,
comerciante, viveu com um estigma de ex-servo, e educou os filhos de forma
autoritária, habituando-os a obedecer. No entanto, deu acesso à educação aos
filhos, dando-lhes condições de frequentar os melhores liceus da cidade. Na escola,
o jovem Tchekhov não foi um bom aluno, chegando, inclusive, a ser reprovado. A partir
dos 13 anos, ficou fascinando pelo teatro, mas devido aos poucos recursos da
família, não pôde frequentá-lo como gostaria. Na adolescência, o pai desejoso
de ascender socialmente, resolve comprar uma casa maior e expandir seu negócio,
mas acabava contraindo muitas dívidas, e sem ter como quitá-las, acaba fugindo
para Moscou, ficando, então, Tchekhov sozinho, pois se vira obrigado a ficar
para terminar seus estudos. Nessa época, contraditoriamente, seu rendimento
escolar melhorou e demonstrou uma maturidade pouco vista entre pessoas de sua
idade, tendo que se sustentar sozinho, longe de toda a família, dando aulas
particulares. Reencontrou a família anos depois, quando se mudou para Moscou
após o término do liceu.
Sua produção literária começou
praticamente na mesma época em que se iniciaram seus estudos de medicina,
profissão esta que iria exercer durante grande parte de sua vida. Publicava, a
princípio, pequenos contos e artigos com uma certa veia humorística, pendendo
para a ironia, e os publicava em jornais e revistas. Com o dinheiro dessas
publicações, ajudava no sustento da família e bancava parte de seus estudos. Nessa
época, apareceram os primeiros sintomas da tuberculose, doença esta com o qual
lutou durante todo o resto de sua vida e que acabou vendendo-o, obrigando-o,
inclusive, a sair da cidade a fim de buscar tratamento.
Formado em medicina, iniciou seus
trabalhos como médico, sem nunca abandonar de todo a literatura; muito pelo
contrário: foi nessa época que compôs grande parte de seus mais significativos
contos e peças.
Autor de grandes clássicos da
literatura nos gêneros de contos, como o A
Dama do Cachorrinho, tido por muitos como o maior conto da literatura
moderna, O Beijo, Enfermaria nº6¸ Um Homem Extraordinário¸ O
Homem do Estojo, Iônythc, Anna no Pescoço, entre outros, também se
destocou também como dramaturgo, sendo responsável pela escrita de clássicos do
teatro, como As Três Irmãs¸ O Silvano e A Gaivota. Tchekhov é respeitado não só como contista, mas tido,
também, como um dos fundadores do teatro moderno, junto com Ibsen. Também escreveu
novelas e diversos artigos, no entanto, não figura nenhum grande romance na sua
vasta obra.
Dono de uma escrita singular,
simples e direta, Tchekhov interessava-se pelo cotidiano, pelo particular das
pessoas, por seus dramas e tragédias, acontecidos no interior de suas casas. Explorou,
como nenhum outro jamais o fez, as diversas classes sociais e seus dramas, de
forma que suas histórias se passam nos mais diversos lugares – na izbá de um
camponês, na casa comum de uma pessoa comum da classe média, na mansão de um
nobre ou na casa de um nobre falido. Sua obra, quando tomada em conjunto, forma
um retrato da sociedade russa do final do século XIX e início do XX.