domingo, 28 de dezembro de 2008

2009 - Planos e Livros - crônica

Mais um ano que termina e mais um ano que está para começar, e com ele aqueles milhares de planos que tão tradicionalmente fazemos. As mulheres prometem, fazem planos de perder aqueles quilinhos a mais, os homens, por seu lado, juram de pé junto que irão (nesse ano, sim!) se emendar; aqueles que estão noivos prometem casar, após 8 anos só de noivado (fora os anos anteriores de namoro). Outros fazem planos de retomar os estudos, de fazer uma faculdade, de passar num concurso público, de mudar de emprego e há até os que fazem planos para ganhar na Mega Sena, a ponto de até já estarem com papel e lápis na mão, vendo o que farão com tanto dinheiro!
Fazemos planos grandiosos, que muitas vezes não serão realizados, e fazemos planos mais modestos, que serão concretizados logo na virada do ano.
Desejamos, sonhamos e fazemos planos. Alguns desses conseguiremos, outros, talvez, parcialmente, e a maioria simplesmente esquecemos. E quando chegamos ao final do ano, ao fazermos um balanço anual de sonhos, pensamos: “nossa, esse ano foi maravilhoso”, ou simplesmente “esse ano poderia ter sido melhor!”. E ficamos felizes e tristes ao mesmo tempo, com todo o ano que tivemos.
E o que mais importa não é nem em si o fato de realizarmos ou não aquele sonho, mas sim o fato de sonhar, de procurar, pelas nossas próprias mãos, através de nossos próprios méritos, alcançar aquilo que tanto desejamos (não através de um gênio que surge de uma lâmpada mágica e realiza todos os nossos sonhos!)

E toda vez que se inicia um ano, nós, leitores, começamos, também, a fazer nossos planos. Fazemos aquela lista enorme de livros que pretendemos ler. Prometemos, juramos (nesse ano, sim!) ler (seria melhor falar “escalar”) “A Montanha Mágica”.
Colocamos nessa lista tantos livros, mas tantos mesmo que seria necessário 5 anos para conseguir ler tudo aquilo, mas, sempre, no final do ano, quando olhamos para trás, que vemos tudo que lemos, que analisamos todos os prazeres que determinados livros nos deram nos sentimos realizados, satisfeitos (embora não tenhamos lido 1/3 dos livros que estavam na lista, entre eles “A Montanha Mágica”).
Existe, sempre, aquele livro que não estava na famosa lista, mas que pula em nossos braços, agarra-se a nós, furando a fila, negando-se a voltar pra estante antes de o lermos, e que acaba nos proporcionando um enorme prazer, que nos surpreende enormemente a ponto de fazermos aquele comentário: “esse é o livro!”.
Algumas pessoas, como uma forma de ritual, chegam até a colocar bem ao lado da cama todos aqueles livros que pretendem ler ao longo do ano (e está lá em cima dessa pilha de livros “A Montanha Mágica”!).
Eu já fiz minha lista, e nela coloquei “A Montanha Mágica”, “Os Miseráveis”, “Xógum”, “Dom Quixote”, “Os Irmãos Karamazov” e “O Conde de Montecristo”, já tendo consciência de que, no final do ano, não vou ter lido a metade disso, mas que, mesmo assim, vou me sentir satisfeito quando fizer, no final de 2009, meu tradicional “balanço anual de leitura”.
Se vou conseguir ler mais ou menos do que pretendo, eu não sei, ainda, mas uma coisa já está certa: o primeiro livro que vou ler em 2009 será “O Conde de Montecristo”, deixando, mais uma vez “A Montanha Mágica” para depois.

domingo, 7 de dezembro de 2008

As pessoas que tinham pressa - conto

Era uma praça muito movimentada no centro da cidade, por onde passavam milhares de pessoas todos os dias, em todas as horas, correndo de um lado para o outro, no ritmo frenético do dia-a-dia.
O sol estava em seu ponto mais alto no céu, fazia um calor infernal, não soprava brisa nenhuma. As folhas das árvores nem se moviam, os pássaros não cantavam e as pessoas não olhavam umas para as outras. Mantinham os olhos, sempre em frente, para o local para onde se dirigiam. Às vezes esbarravam umas nas outras, mas a pressa era tão grande que sequer dirigiam uma palavra de desculpa, pois se o fizessem iriam perder tempo, o que não poderia acontecer.
Vinha caminhando um homem muito bem vestido, mas caminhava de forma diferente das demais pessoas, pois seus passos eram mais lentos, tanto que a cada instante uma pessoa esbarrava nele. Mas ele não se importava, e mesmo sabendo que não tinha culpa dos encontrões, pedia desculpas, sendo que a outra pessoa nada respondia. Seus pés o levavam a um lugar que ele não sabia qual era, quando tropeçou e caiu. No chão, ele se sentou, recuperando-se da queda, e olhou para as pessoas que passavam por ele, todas apressadas. Viu um conhecido seu, companheiro de trabalho, que atrasado para o trabalho, passou tão apressado que sequer olhou para ele. Viu uma mulher, muito bonita, que passou por ele, deixando um rastro de seu perfume, que sequer o olhou, tão entretida que estava se olhando, enquanto caminhava, num espelho. Escutou um barulho de um grupo animado, e percebeu que se tratava de estudantes, que corriam para a escola. Viu passando homens importantes, de negócios, falando ao celular, discutindo com alguém que ele nunca saberia quem é. Viu mães passando segurando fortemente os filhos pelas mãos, arrastando-os, porque estavam atrasadam para algum compromisso e sequer davam ouvidos às queixas das crianças, que não queriam ir a lugar algum.
O homem ficou ali, sentado, durante horas, apenas olhando para essas pessoas, mas sem ser percebido por nenhuma delas, com o cotovelo apoiado sobre o joelho e a mão estendida, como se pedisse uma ajuda para se levantar. Mas não havia ninguém dentre aqueles que passavam que o percebesse, quanto mais alguém que parasse, segurasse em sua mão e o ajudasse a se reerguer.
Ele passou a mão no rosto, sentindo o suor em sua face. Girava a cabeça de um lado para o outro, para cima e para baixo, mas ninguém o percebia, até que uma mulher apareceu segurando firmemente uma menininha pela mão. A menina tinha seguro na mão que se mantinha livre um pirulito e, apesar da pressa da mãe, observava todos os rostos, todas as pessoas, todas as coisas ao seu redor. Os olhos dela se fixaram no homem, que, cabisbaixo como estava, não a tinha percebido.
- Mãe, por que que aquele homem está ali, sentado no chão, tão triste? – perguntou a menina.
- Não sei, filha – respondeu a mulher. E continuou a puxar a filha pela mão, pois estava apressada, e seque olhou para a pessoa que sua filha lhe mostrava.
A menina tornou a fazer a mesma pergunta para a mãe, pois era muito curiosa e não se daria por satisfeita enquanto não obtivesse uma resposta às suas pertinentes indagações. A mulher então, pouco paciente, inventou uma resposta, o que fez com que a menina a olhasse de forma cética, como se não entendesse aquilo que acabara de ouvir. Então ela parou, e sua mão se livrou da de sua mãe. A mulher deu ainda alguns passos, sem perceber que sua filha tinha ficado para trás, enquanto a menina ficou ali, parada, apenas observando o homem a poucos metros de onde estava.
Com seus passos curtos, ela se aproximou dele, e só quando estavam um de frente para o outro, foi que ele a notou, uma pessoa tão diminuta, tão bela, com um sorriso tão bonito estampado na face.
- Por que você ‘tá triste? – perguntou ela.
Ele deu um sorriso como resposta, e disse não estar mais triste.
- Por que você está aí, sentado no chão?
O homem apenas deu de ombros, pois nem ele mesmo sabia o porquê de estar ali, naquela posição, sentado no chão, no meio da praça.
- Segure a minha mão. Eu ajudo você a se levantar – disse ela, segurando com sua mãozinha as pontas dos dedos dele. O homem então sorriu e se levantou, aceitando a ajuda da menininha. A segurou nos braços e a beijou no rosto, passou a mão na cabeça dela, ajeitando seus cabelos e a agradeceu. A colocou novamente no chão e disse que sua mãe a aguardava.
Ficou parado, em meio a toda aquela gente que andava apressada, observando a menina, que andava sem pressa, em direção a sua mãe, que a aguardava impaciente. A mulher segurou a filha nos braços e foi embora, mas antes a menina acenou, se despedindo dele, que a observava, com um sorriso no rosto, parado em meio àquela multidão.

domingo, 9 de novembro de 2008

O campo de Flores - conto


Era manhã, e o sol nascia no horizonte quando uma mulher saiu de sua casa, passando pelos portões de madeira, que de tão altos a luz do sol sequer conseguia passar. Era uma mulher bonita, loura, muito bem vestida, e exalava um aroma adocicado de um perfume artificial, importado; calçava sapatos importados, de um legítimo couro italiano e vestia calças justas ao corpo e uma blusa decotava, que valorizava seu busto. Ao fechar o portão atrás de si e olhar para frente, para onde sempre seguia, percebeu o imenso campo de flores que se descortinava ante seus olhos. Os pequenos pássaros pousavam no campo ou sobrevoavam-no em vôos rasantes, os beija-flores, em seu balé, dançavam em pleno ar, as abelhas roubavam o néctar das flores e iam depositá-lo em suas colméias e as flores desabrochavam, uma a uma, com o nascer do sol.
Com os olhos esbugalhados de espanto, não acreditava no que via diante de si. Surpresa, ela passou as costas das mãos sobre os olhos, depois as esfregou em todo o rosto várias vezes, como se procurasse acordar. Mas a expressão de espanto que tinha no rosto logo foi mudando, dando lugar a de um aborrecimento tremendo, pois aquele campo se interpunha em seu caminho, e agora, para alcançar seu objetivo teria que dar uma enorme volta, pois não podia seguir em frente, já que se assim o fizesse, acabaria por sujar os sapatos e estraga-los.
A mulher se perguntava como aquilo tinha surgido assim, de repente, da noite para o dia, e amaldiçoou o responsável por ter semeado aquele campo de flores, que desabrochavam ao sentirem o calor do sol da manhã. Gesticulava, falava alto, consigo mesma e recriminando o responsável por tudo aquilo. Cruzou os braços e fechou os olhos por alguns minutos, esperando que quando tornasse a abri-los, o campo tivesse sumido, da mesma forma como tinha surgido naquela manhã, como se a visão não tivesse passado de um sonho. Mas suas surpresa foi que ao abrir os olhos ele continuava bem à sua frente. Juntou as mãos e as colocou sob o queixo, passou a mãos nos cabelos e foi embora, contornando o campo, pois não tinha outro caminho senão aquele. Falava muito, sozinha, gesticulando tanto que chamou a atenção de uma outra mulher que saia de sua casa nesse exato momento.
De tão espantada com a reação da vizinha, normalmente tão comedida em seus atos, essa mulher que saía de sua casa nem olhou para frente, observando a outra que passava bufando. Manteve os olhos fixos nela, até que a viu sumir ao longe. Só então foi que, ao se virar, viu o que tinha diante de si. Uma expressão de incredulidade tomou seu rosto, que logo foi se modificando num imenso sorriso de alegria. Seus olhos brilhavam ao contemplarem tamanha beleza. Passou as pontas dos dedos sobre os olhos, se perguntando se estava ou não sonhando. Mas não estava. O campo de flores estava bem ali, à sua frente. Ela então deu alguns passos incertos, temendo que se se aproximasse demais aquela maravilha podia sumir, o que não aconteceu. Abaixou-se e segurou com delicadeza o caule de uma flor, que arrancou. Sentiu seu aroma delicado, e constatou que não existia nenhum outro cheiro melhor nesse mundo. Levantou-se e caminho pelo campo. Em uma das mãos tinha a flor e a outra se mantinha livre, aberta, sentindo o suave roçar das pétalas em seus dedos.

domingo, 26 de outubro de 2008

O Menino que nada via - conto


Caminhava um menino de forma distraída quando olhou para o céu e viu as primeiras nuvens encobrirem parcialmente o sol e percebeu que logo iria começar a chover, e apressou o quanto podia os passos a fim de encontrar um abrigo onde pudesse ficar e se proteger, pelo menos até quando a chuva passasse. Mas sua pressa não fui suficiente e, mesmo correndo, ainda se molhou com as primeiras gotas d’água que caíram do céu. Encontrou abrigo embaixo de uma frondosa árvore, que por ser tão alta, por possuir tronco e galhos tão frondosos e folhas tão grandes que água alguma chegava a cair no chão. O menino, ali, se sentiu protegido da chuva, e ficou um tempo. Logo sentiu frio e passava as mãos vigorosamente por sobre os ombros, a fim de aquecer um pouco o corpo, mas o vento soprava com tanta força que por mais que o menino se esforçasse, não conseguia se manter aquecido, então se aproximou um pouco mais do tronco da árvore, a fim de sentir seu calor.
A cada instante ele olhava para o céu, com a esperança de que aquelas nuvens de chuva fossem empurradas para longe, mas a tempestade parecia não abrandar. Estava agachado, encostado ao tronco da árvore, se sentia entediado por estar ali, preso, e a cada instante soltava aos céus uma queixa, quando escutou algo mais alto do que o som dos trovões que ribombavam à distância. Era um som límpido, de alguém feliz, de uma gargalhada, e se levantou para quem estava ali por perto, debaixo daquela chuva, e viu um outro menino, que, mesmo de forma trôpega, caminhava tranquilamente, sem temer a chuva que caía. Estava com os braços abertos, tal qual um avião, e com a boca aberta bebia a preciosa água que caía do céu. Parava, com os braços voltados para o céu e girava em torno de si mesmo, rindo, sem mesmo saber do quê. O primeiro menino então começou a chamá-lo:
- Menino... Menino... Saía dessa chuva, que você vai acabar se molhando... Menino... Menino...
Mas o menino não ouvia, pois estava embriagado pela felicidade por que foi acometido. Com a boca aberta num único e longo sorriso, deixava que a água lhe saciasse a sede. Tinha os olhos esbugalhados, como que para ver cada pingo d’água que caía do céu.
O menino tornou a chamá-lo, mas o outro não escutava, então resolveu ir pega-lo. Muito contrariado, levantou-se, abraçou os próprios ombros e saiu em uma corrida desenfreada de encontro ao outro, que tão feliz tomava seu banho de chuva. Quando os dois se encontraram, o primeiro segurou com firmeza o punho do outro, que se assustou ao ser abordado daquela maneira, mas se deixou conduzir docilmente. Os dois correram juntos, um segurando com firmeza a mão do outro, que tropeçava a cada dois passos e a cada vez que isso acontecia soltava uma sonora gargalhada, e por pouco não veio ao chão duas ou três vezes. Quando finalmente estavam seguros debaixo da árvore, o menino, reclamando por ter se molhado, olhava fixamente para o outro, que tinha o rosto voltado para trás, onde a chuva caía, como se estivesse sendo chamado por ela. Quando ele se virou e ficou de frente ao que tinha se molhado para ir tirá-lo debaixo da chuva, estava com um sorriso estampado na face.
- Você não gosta de banho de chuva? – perguntou.
O menino então percebeu que o outro era cego, e não sabia o que este achava de tão engraçado em se molhar, em tomar um banho de chuva.
A chuva então cessou, como que num passe de mágica, e o menino, mesmo sem nada enxergar, virou o rosto para o alto, como se seus olhos mirassem ao longe, na direção em que surgia no céu um esplendoroso arco-íris, enquanto o outro olhava para o chão, a pouco metros de distância de onde estava, onde havia uma poça d’água. Este não entendeu do que o outro estava vendo e do que estava rindo. Soltou mais uma poção de imprecações destinadas aos céus, deixando o outro ali, sozinho, contemplando o que ele não sabia o quê, com aqueles olhos que ele julgava nada enxergarem ao seu redor.