domingo, 27 de fevereiro de 2011

Semana-de-véspera-de-carnaval

Essa semana o país inteiro vai parar! Não adianta dizer que estou exagerando ou que esteja inventando. O fato é que para, sim, pois, é a semana-de-véspera-de-carnaval, a semana mais importante do ano – só ficando atrás do próprio carnaval. É nessa semana que todos decidem para onde vão, na casa de quem ainda tem lugar, se vai de ônibus ou carona, se vai brincar o carnaval em algum bloco ou se vai na “pipoca” mesmo, em que clube vão estar as melhores bandas, etc, etc e etc.
            Carnaval é o assunto reinante onde quer que se vá (e olhe que ainda falta uma semana!). No ônibus tem sempre uma pessoa sentada ao seu lado conversando com um que está no banco às suas costas. Os assuntos são banais, diversos, mas, tais assuntos conversados são só um aperitivo, pois logo uma das pessoas vai olhar para a outra e, com um sorriso nos lábios, vai perguntar: “e você, vai passar o carnaval onde?”. Batata, como se diz na linguagem popular. Sempre a resposta, nesses casos, é a mesma: “não sei, ainda. Talvez esse ano eu vá para tal cidade ou vá passar em tal praia, talvez até fique em casa, pois não estou com vontade de curtir o carnaval esse ano...” enfim, essa pessoa vai pra qualquer lugar, pode ter certeza, só não vai ficar em casa.
            Impressionante como o carnaval mexe com as pessoas e é capaz de parar um país inteiro! Tudo bem, eu sei que todo mundo tem o direito de se divertir, que tem gente que adora o clima, a descontração e a “bagunça” característica desse mega-feriadão, mas tudo tem limite. Sem contar que tem gente que, por motivos diversos, não gosta de carnaval (só gosta mesmo é de poder ficar em casa os quatro dias, de folga), e que já está cansado de ver na televisão, nesses momentos que antecedem os “grandes dias”, a cada intervalo comercial, algum comercial sobre carnaval ou aquelas coisas ridículas (que não sei se devo chamar de “comercial” ou do que que chamo) com as famosas escolas de samba do grupo especial apresentando as suas músicas, marchas, samba-enredo ou como quer que chamem essas músicas irritantes.
            Sei, amigo, que acompanha este blog e lê as minhas crônicas, textos e artigos semanais, que você deve estar pensando que estou de forma diferente, hoje, escrevendo até com uma certa raiva. Pois bem, você acertou. Eu estou com uma certa raiva, pois eu não gosto de carnaval e não suporto esse clima-pré-carnaval. Nada contra quem gosta, óbvio, pois cada um tem seu gosto e tem todo o direito do mundo de se divertir, de escutar aquelas de samba, axé, pagode ou frevo, de dividir uma casa muitas vezes minúscula com tanta gente que não caberia nem num hotel, de se alimentar mal durante quatro dias e dormir pior ainda. Nada contra, cada um tem seu gosto e faz suas escolhas. Agora, eu, não gosto, mas simplesmente não é possível não se gostar de carnaval e se ficar totalmente fora, alheio a tudo que vai acontecer, pois sempre, em todo canto que se vá, tem pessoas conversando sobre carnaval.
            Mas o pior ainda está por vir. Sempre nesses dias que antecedem o carnaval você acaba, de uma forma ou de outra, num canto ou noutro, esbarrando num velho amigo que não via há tempos, e depois daquela animação e surpresa inicial pelo reencontro, após tanto tempo, mesmo se tendo tanto para conversar, como, por exemplo, o que se tem feito da vida, se já casou, se realmente conseguiu ser aprovado no teste que ia fazer para um clube de futebol, se entrou no exército, se passou num concurso público, se fez faculdade, se largou o vício da bebida, se casou com aquela menina que era sua paixão na adolescência ou mil e um outros assuntos tão importantes para se saber numa amizade tão antiga como esses... mas não, a pessoa, seu velho amigo, que a partir daquele instante passa a ser se mais novo ex-amigo, tem que lhe soltar a para você tão evitada pergunta, que você odeia ter que responder 50 vezes por dia: “onde você vai passar o carnaval?”. E você olha para esse amigo, que considerava tanto na infância e adolescência, que julgava que lhe conhecia tanto e tão bem, e que justamente por isso soubesse que você simplesmente não gosta de carnaval, para não passar por grosso e dar uma resposta pouco diplomática, apenas sorri, dá de ombros, e diz que simplesmente vai ficar em casa. Ele então bate na própria testa, como que lembrando: “ah, desculpa. Esqueci que você não gosta de carnaval”, ele diz. Então você diz que está tudo bem, se despede, decepcionado, é verdade, mas pelo menos relativamente feliz por ter reencontrado após tanto tempo um antigo amigo, mesmo percebendo, agora, que ele não lhe conhecia tão bem quando você achava que conhecia. Mas tudo bem. Você vai ter que responder aquela mesma pergunta umas outras tantas vezes ao longo dessa semana, mas quem não gosta de carnaval já está acostumado com isso, apesar dos pesares.
O prêmio de consolação disso tudo é que pelo menos, durante o carnaval, como tudo está fechado, é um grande (o maior) feriado do país, você pode, tem o direito adquirido de ficar em casa sem fazer nada, descansando, afinal de contas, quatro dias em casa não são de se jogar fora. Portanto aguente só mais essa semana, respire fundo sempre que alguém lhe perguntar sobre onde vai passar o carnaval, pense nos quatro dias livres que vai poder desfrutar, e viva essa semana como ela é: a última antes do carnaval, a derradeira semana-de-véspera-de-carnaval.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Homem que esperava

O tempo passava lento, se arrastando, e o homem continuava ali, no mais completo silêncio, inteiramente sozinho. Até seus pensamentos tinham lhe abandonado. Ele apenas observava as pessoas, indo e vindo, para onde, ele não sabia, de onde, não lhe importava. Ele apenas as observava. Via o homem de terno e gravata indo apressado para o trabalho, falando ao celular, acertando, por certo, algum detalhe sobre a reunião do trabalho, ou reclamando de sua eterna falta de tempo; via a bela mulher, vaidosa, que caminhava sem olhar para os lados, sem se importar com os olhares desejosos dos homens . Via os estudantes barulhentos, falando alto, gesticulando, que não se importavam com o futuro que se aproximava cada vez mais rápido. Também via os casais, que passavam discutindo, como se, em sua pressa, não tivessem tempo e oportunidade de discutir em casa, quando chegassem do trabalho. Via pessoas de todos os tipos, cores, credos, umas vestidas de forma elegante, outras usando fardas, outras usando simplesmente roupas comuns, as mesmas que usam todos os dias quando estão em casa.
            Esse homem não estava triste nem feliz. Na verdade, ele se sentia, naquele momento, como se estivesse e fosse livre de qualquer sentimento. Ele não mais trabalhava e tinha todo o tempo só para si, para observar sem precisar ser observado por ninguém. Era velho, mas não de uma velhice que não se podia definir exatamente. Devia ter entre cinquenta e sessenta anos. Tinha cabelos grisalhos e uma expressão cansada no rosto, mas seus olhos ainda eram cheios de vida. Tinha um olhar penetrante, e por isso observava tão atentamente as pessoas.
            Em meio a todo aquele caos, que era o ir e vir das pessoas, ninguém atentava para ninguém, muito menos para o homem sentado, sozinho, naquele banco. Em seu colo pousava um jornal, que ele sequer tinha aberto, pois as notícias daquele dia não lhe interessavam, pois o tempo presente, naquele momento, não lhe dizia nada. Aliás, tempo algum lhe interessava. Ele apenas observava as pessoas e sentia o tempo passar vagaroso. Ele não chama a atenção de ninguém, mesmo por que, ninguém tem tempo para parar e olhá-lo atentamente, nem que seja por apenas cinco segundos.
            Como que acordando de seu estado de transe, o homem percebe, pela primeira vez naquele dia, que está só, mesmo havendo tanta gente ao seu redor. Mas ele não se importa com a solidão, pois já está acostumado com a sua companhia constante ao longo de toda a sua vida. Sempre fora só.
            Vinha de todos os cantos barulhos distintos, de ora passos acelerados, de pessoas que estavam atrasadas para seus compromissos, ora lentos, de pessoas que voltavam para suas casas, após um longo e estafante dia de trabalho.
            O sol nasceu, descreveu sua trajetória no céu e estava para se pôr no horizonte, e o homem continuava ali, na mesma posição, imóvel. Só seus olhos se moviam, fitando ora uma pessoa, ora uma outra. Não as observava mais do que o necessário. Observava-as o suficiente apenas para conhecê-las, nem que fosse apenas superficialmente. Olhava todas as pessoas que passavam a sua frente, mas nenhuma o via ali, sentado, tão observador e curioso.
            Naquele momento, quando o sol ia descansar e as primeiras luzes se acendiam, ele sentiu, talvez pela primeira vez na vida, o desejo de uma companhia. Mas quem poderia, naquele momento, lhe fazer companhia, se todos passavam sem notá-lo, cada um preocupado só e unicamente com sua rotina, com seu dia a dia, com seu próprio umbigo?! Ninguém o notou, nem quando ele se levantou e começou a caminhar de um lado para o outro, por entre a multidão que, ainda àquela hora, ia e vinha muitas vezes sem saber para onde nem por quê.
            Mas mesmo cercado por dezenas de pessoas, entre aquela multidão, ele se sentia sozinho. Voltou a se sentar e ficou ali longos minutos, pensativo, sentindo-se mais sozinho do que estava antes. Foi quando sentiu um olhar sobre si. Levantou-se de um salto procurou ao seu redor, entre aquelas pessoas a que o estava observando, mas não encontrou atenção sendo lhe dispensada entre aquelas pessoas, olhar algum entre tantos olhos. Mas sabia, sentia, que um alguém o observava. Desesperado de tanto procurar sem encontrar tais olhos, deixou seus olhos caírem sobre uma menina, que mesmo distante, o observava. Ela sorria, observando-o. Ele sorriu de volta e naquela troca de olhares, ele rejuvenesceu décadas em apenas alguns segundos. Ela foi embora, se despedindo antes com um breve aceno e um grande sorriso. Ele voltou a se sentar em seu banco em êxtase, afinal de contas, todo aquele dia tinha valido apenas para receber apenas aquele belo sorriso. Pegou seu jornal, que estava inteiramente amassado, mas continuava fechado, colocou-o debaixo de braço e foi embora, para sua casa.
            Onde ele mora? Em todo lugar e ao mesmo tempo em nenhum. A única certeza sobre ele é que no dia seguinte ele estaria de volta, sentado no mesmo banco, esperando que, em algum momento do dia, um alguém o notasse e simplesmente lhe sorrisse, para fazer seu dia valer a pena.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Insônia

Ainda era noite, mas já se via no horizonte os primeiros sinais do sol, que nascia para um novo dia. Soprava uma brisa suave e fria, a última da madrugada. A cidade inteira dormia, ainda, mas alguns poucos já acordavam antes mesmo do primeiro canto dos pássaros para mais um longo e estafante dia de trabalho. Mas enquanto uns ainda dormiam e outros estavam acordando, um homem, sozinho em sua casa, ainda não tinha dormido. Seus olhos ardiam, sua cabeça pesava, seu corpo clamava por descanso, mas não conseguia dormir. Tivera mais uma noite insone na qual andara por toda a casa, de um lado para o outro, até suas pernas cansarem e ele desabar ali, onde se encontrava, no estofado, em frente à janela.
            Mirava o horizonte, como se com o nascer o sol lhe viesse a paz de espírito de que tanto precisava para dormir. Mas nem quando o sol nasceu e os pássaros começaram a cantar, saldando o novo dia, ele conseguiu pregar os olhos.
            Desesperado, com a alma cansada, com o peso da solidão sobre seus ombros, levantou-se e caminhou em direção a varanda, onde podia escutar melhor os primeiros sons da manhã. Escutou o barulho das janelas sendo abertas, das primeiras pessoas acordando, dos primeiros carros nas ruas, dos primeiros cumprimentos trocados entre pessoas. Fechou brevemente os olhos e imaginou como seria poder ter uma noite como todas as pessoas normais, e simplesmente dormir. Sentiu o gosto amargo da inveja na boca, por não poder dormir como todas aquelas pessoas e, mais angustiado do que já estava, foi até o quarto e se jogou na cama, deixando sua cabeça afundar no travesseiro.
            Fechava os olhos cor força, se cobria, depois jogava longe os lençóis, mudava de posição, mas nada do que fizesse fazia com que o reparador sono viesse e lhe tomasse em seus braços. Mas o sono não vinha.
            Angustiado, cansado, desesperado, ele se senta na cama. Passa as mãos vigorosamente sobre os olhos e dá tapas no próprio rosto, como se brigasse consigo mesmo, como se aquilo pudesse adiantar de alguma coisa. Levanta-se, cambaleante, e caminha até o banheiro. Vê refletida no espelho a face de um outro homem, desconhecido para ele. Tinha os olhos vermelhos, olheiras profundas, barba para fazer, cabelos despenteados e uma expressão angustiada na face. Fechou os olhos e, ao reabri-los, aquele estranho lhe fitava diretamente nos olhos. Fechou novamente os olhos e cobriu o rosto com as mãos e deu dois passos para trás, saindo do banheiro.
            Voltando ao quarto, ele se sentou na cama e a viu inteiramente revirada, com um lençol jogado no chão enquanto outro estava junto ao travesseiro. Olhou para todos os lados do quarto, como se procurasse ajuda, mas não encontrou nada além das sombras e dos primeiros raios de sol que entravam pelas brechas da janela. Aquela luz lhe queimava os olhos como um ferro em brasa queima a pele.
            Os barulhos dos apartamentos vizinhos lhe feriam os ouvidos a ponto dele, angustiado, pedir para que todos se calassem, que o deixassem em paz, que fizessem silêncio. Começa a caminhar de um lado pro outro, falando sozinho, conversando com a própria sombra que lhe persegue implacavelmente, que está como a vigiá-lo, rindo, ironicamente, de seu desespero. Ele olha para ela e a vê sorrindo. Em seu desespero, ele a pisa e a xinga, mas ela apenas sorri de tudo aquilo. Ele apaga as luzes, como que para se ver livre dela, mas o sol a projeta no chão, aos seus pés e nas paredes de sua casa. Ele fecha as cortinas, mas não adianta: a luz já está em todo lugar.
            Seu despertador toca, e ele corre ao quarto, pega-o, abre a janela e o arremessa o mais longe possível. Ainda escuta o barulho irritante do alarme que soa uma última vez antes de se espatifar no chão, no meio da rua. Já estava na hora de acordar e ele não havia sequer dormido um único instante naquela noite!
            Já não consegue mais pensar, seu corpo já não mais lhe obedece e sua cabeça roda. Vê imagens desconexas à sua frente e grita com elas. Sua boca está seca e vai à cozinha, abre a geladeira para fechá-la bruscamente logo em seguida, pois não sabe o que procurar ali. Suas pernas não conseguem mais levá-lo a lugar algum e ele vai ao chão, inteiramente sem forças para nada. Tenta se arrastar em direção ao estofado, onde pode, pelo menos ter algum conforto, mas seus braços também não mais lhe obedecem e ele se deita no chão frio.
            Escuta o barulho irritante do relógio que marca o passar das horas. Vê, pela janela, o sol realizar lentamente sua trajetória no céu. E ele ainda ali, deitado no chão, que rouba o pouco calor que ainda lhe resta.
            Deita-se voltado pra cima e fita o teto, que parece tão alto, mas que de repente ele tem a impressão de que está caindo em sua cabeça, mas ele não tem mais como se proteger, não lhe resta mais forças sequer para levantar os braços e cobrir o próprio rosto.
            Vai perdendo a consciência tão lentamente como uma nuvem é carregada por um vento fraco e vagaroso de início de tarde. Ele olha para baixo e vê seu corpo como que adormecendo, num sono tão intranquilo naquela manhã como foi sua noite insone. Em seu sono sem sonhos, ele sabe que logo irá acordar e que quando isso acontecer, ele não vai mais conseguir dormir, pelo menos, não da forma por que tanto anseia.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Sejamos um pouco Dom Quixotes

Todos nós devemos ser, por vezes, um pouco Dom Quixotes. Devemos manter a sobriedade num mundo de loucos, ou ser um pouco loucos num mundo tão são. Ser Dom Quixote significa não ser um louco desvairado, sair por aí imaginando ver dragões em moinhos de vento, travando lutas imaginárias com exércitos que não mais existem, mas sim ser um apaixonado, se acreditar em valores, em algo que muitos muitas vezes dizem não mais existir. Significa ser o que ninguém mais é, acreditar naquilo em que ninguém mais acredita.
            Hoje, no mundo sóbrio (e louco) em que vivemos, todos nos dizem o tempo todo como devemos agir, o que devemos pensar, o que devemos ser e o que devemos fazer, mas nunca, ninguém, nos pergunta o que achamos disso tudo, e quando resolvemos fazer algo que nos agrada, simplesmente pelo fato de nos agradar, mesmo que todos nos dizem que isso é “errado”, logo surge alguém para nos repreender, para nos chamar de “louco”.
            Não. Loucos não somos nós quando resolvemos viver, quando resolvemos nos ver livres, nem que seja por cinco minutos, desse mundo cão. Louco, sim, é esse mundo em que vivemos, que não nos permite, nunca, viver nossas próprias vidas; vidas estas tão curtas que não devem ser desperdiçadas com ninharias, com coisas tão pequenas como rotinas, regras e leis. Não estimulo uma “anarquia”, uma quebra total das regras, uma insubmissão às leis, às regras que regem a sociedade, mas sim uma permissão a se ser o que se é, a se rir do que se quer rir, a se aproveitar aquilo que tem de quer aproveitado: a vida.
            Se ser Dom Quixote significa ser chamado de louco, mas resguarda a alegria de se poder rir da vida, quando todos não percebem toda a graça e beleza que ela tem.
            Permita-se. Seja um pouco Dom Quixote hoje, nem que seja por cinco minutos. Seja o que você quer ser, ria do que quiser rir, viva como quer viver.