Ainda era noite, mas já se via no
horizonte os primeiros sinais do sol, que nascia para um novo dia. Soprava uma
brisa suave e fria, a última da madrugada. A cidade inteira dormia, ainda, mas
alguns poucos já acordavam antes mesmo do primeiro canto dos pássaros para mais
um longo e estafante dia de trabalho. Mas enquanto uns ainda dormiam e outros
estavam acordando, um homem, sozinho em sua casa, ainda não tinha dormido. Seus
olhos ardiam, sua cabeça pesava, seu corpo clamava por descanso, mas não conseguia
dormir. Tivera mais uma noite insone na qual andara por toda a casa, de um lado
para o outro, até suas pernas cansarem e ele desabar ali, onde se encontrava,
no estofado, em frente à janela.
Mirava
o horizonte, como se com o nascer o sol lhe viesse a paz de espírito de que
tanto precisava para dormir. Mas nem quando o sol nasceu e os pássaros
começaram a cantar, saldando o novo dia, ele conseguiu pregar os olhos.
Desesperado,
com a alma cansada, com o peso da solidão sobre seus ombros, levantou-se e
caminhou em direção a varanda, onde podia escutar melhor os primeiros sons da
manhã. Escutou o barulho das janelas sendo abertas, das primeiras pessoas
acordando, dos primeiros carros nas ruas, dos primeiros cumprimentos trocados
entre pessoas. Fechou brevemente os olhos e imaginou como seria poder ter uma
noite como todas as pessoas normais, e simplesmente dormir. Sentiu o gosto
amargo da inveja na boca, por não poder dormir como todas aquelas pessoas e,
mais angustiado do que já estava, foi até o quarto e se jogou na cama, deixando
sua cabeça afundar no travesseiro.
Fechava
os olhos cor força, se cobria, depois jogava longe os lençóis, mudava de
posição, mas nada do que fizesse fazia com que o reparador sono viesse e lhe
tomasse em seus braços. Mas o sono não vinha.
Angustiado,
cansado, desesperado, ele se senta na cama. Passa as mãos vigorosamente sobre
os olhos e dá tapas no próprio rosto, como se brigasse consigo mesmo, como se
aquilo pudesse adiantar de alguma coisa. Levanta-se, cambaleante, e caminha até
o banheiro. Vê refletida no espelho a face de um outro homem, desconhecido para
ele. Tinha os olhos vermelhos, olheiras profundas, barba para fazer, cabelos
despenteados e uma expressão angustiada na face. Fechou os olhos e, ao
reabri-los, aquele estranho lhe fitava diretamente nos olhos. Fechou novamente
os olhos e cobriu o rosto com as mãos e deu dois passos para trás, saindo do
banheiro.
Voltando
ao quarto, ele se sentou na cama e a viu inteiramente revirada, com um lençol
jogado no chão enquanto outro estava junto ao travesseiro. Olhou para todos os
lados do quarto, como se procurasse ajuda, mas não encontrou nada além das
sombras e dos primeiros raios de sol que entravam pelas brechas da janela. Aquela
luz lhe queimava os olhos como um ferro em brasa queima a pele.
Os
barulhos dos apartamentos vizinhos lhe feriam os ouvidos a ponto dele,
angustiado, pedir para que todos se calassem, que o deixassem em paz, que
fizessem silêncio. Começa a caminhar de um lado pro outro, falando sozinho,
conversando com a própria sombra que lhe persegue implacavelmente, que está
como a vigiá-lo, rindo, ironicamente, de seu desespero. Ele olha para ela e a
vê sorrindo. Em seu desespero, ele a pisa e a xinga, mas ela apenas sorri de
tudo aquilo. Ele apaga as luzes, como que para se ver livre dela, mas o sol a
projeta no chão, aos seus pés e nas paredes de sua casa. Ele fecha as cortinas,
mas não adianta: a luz já está em todo lugar.
Seu
despertador toca, e ele corre ao quarto, pega-o, abre a janela e o arremessa o
mais longe possível. Ainda escuta o barulho irritante do alarme que soa uma
última vez antes de se espatifar no chão, no meio da rua. Já estava na hora de
acordar e ele não havia sequer dormido um único instante naquela noite!
Já
não consegue mais pensar, seu corpo já não mais lhe obedece e sua cabeça roda. Vê
imagens desconexas à sua frente e grita com elas. Sua boca está seca e vai à
cozinha, abre a geladeira para fechá-la bruscamente logo em seguida, pois não
sabe o que procurar ali. Suas pernas não conseguem mais levá-lo a lugar algum e
ele vai ao chão, inteiramente sem forças para nada. Tenta se arrastar em
direção ao estofado, onde pode, pelo menos ter algum conforto, mas seus braços
também não mais lhe obedecem e ele se deita no chão frio.
Escuta
o barulho irritante do relógio que marca o passar das horas. Vê, pela janela, o
sol realizar lentamente sua trajetória no céu. E ele ainda ali, deitado no
chão, que rouba o pouco calor que ainda lhe resta.
Deita-se
voltado pra cima e fita o teto, que parece tão alto, mas que de repente ele tem
a impressão de que está caindo em sua cabeça, mas ele não tem mais como se
proteger, não lhe resta mais forças sequer para levantar os braços e cobrir o
próprio rosto.
Vai
perdendo a consciência tão lentamente como uma nuvem é carregada por um vento
fraco e vagaroso de início de tarde. Ele olha para baixo e vê seu corpo como
que adormecendo, num sono tão intranquilo naquela manhã como foi sua noite
insone. Em seu sono sem sonhos, ele sabe que logo irá acordar e que quando isso
acontecer, ele não vai mais conseguir dormir, pelo menos, não da forma por que
tanto anseia.
è triste... já passei por isso...
ResponderExcluiro pior é ter de trabalhar no dia seguinte.
um abraço Josué Melo
Uau! Adorei essa crônica! Demais! É a realidade de algumas pessoas, inclusive a minha.
ResponderExcluirO pior é olhar-se no espelho e ver as olheiras.