domingo, 20 de agosto de 2017

E o Brasil, tem jeito?

Eu sou o tipo de pessoa que gosta de conversar sobre tudo, desde que meu interlocutor seja uma pessoa aberta a ouvir e a falar, que seja uma pessoa inteligente, pois acredito que não existe nada mais estimulante, que mais enriqueça nosso intelecto do que uma boa conversa. Podem me chamar para conversar sobre história antiga, medieval, contemporânea ou sobre futebol; podem me chamar para falar sobre política, religião, filosofia ou sobre “a febre de memes”; podem me chamar para falar e ouvir sobre o que quer que seja, que eu vou, e um dos tema que mais me fascina, que mais me deixa empolgado, atualmente, é a tal da política. Adoro conversar com pessoas de ponto de vista antagônico ao meu, pois assim, acredito eu, tenho mais oportunidade de “conhecer o outro lado”, de enriquecer meu conhecimento sobre o assunto. Em um diálogo sobre política eu fico empolgado, querendo falar, expor minha opinião, mas quero, mais ainda, absorver tudo que a outra pessoa tem a falar. No entanto, toda aquela energia, quando o diálogo cessa, vai embora, eu fico muito mal. Sinto como se estivesse completamente exaurido de esperanças, pois, quando meu interlocutor vai embora, que olho ao redor, vejo a minha cidade, o meu município, o meu país tal como ele está, tal como ele é, e não mais como deveria, de fato, ser.
            Na semana passada, num desses estimulantes diálogos (dessa vez via Messenger do facebook) com um aluno me que fazia perguntas, querendo saber minha opinião sobre política e alguns assuntos relacionados a ela, ele me fez um questionamento que me fez ficar em silêncio por alguns minutos, verdadeiramente desconcertado, pois não soube o que responder de bate-pronto. “Lima, o Brasil tem salvação?”, ele perguntou. Quando eu li aquela pergunta, eu abaixei a cabeça, fechei os olhos e respirei fundo. Ao abrir os olhos e, ao reler a pergunta no chat, fiquei em silêncio, sem saber o que responder ao jovem tão sedento de esperanças. Eu respondi a essa pergunta como sempre respondo a questões desse tipo, sobre a esperança de nosso país, sobre o futuro de nossa nação: sou um otimista nato e acredito que, por mais que estejamos vivendo tempos nebulosos e tenebrosos, mais cedo ou mais tarde a maré irá virar e uma florzinha de primavera irá surgir e uma nova estação, dessa vez menos outonal, irá aparecer diante de nossos olhos e alegrar nossos dias.
            Falar em política, ao mesmo tempo em que me empolga, que me excita, me exaure e tira, momentaneamente, a minha esperança. Falar em política, após o calor de uma discussão, deixa, em mim, uma sensação de frio provocado pelo temor do que possa vir pela frente, pela sensação de desesperança.
            Acho extraordinário o fato de, hoje, em nosso país, estarmos falando tanto em política, de vermos tantas pessoas de todas as idades e condições sociais e econômicas se interessando pelo assunto, e vejo como positivo, em muitos aspectos, esse momento que estamos vivendo. Estamos, todos nós, brasileiros, aprendendo muito, estamos começando a entender o que é o tal do “jogo político”, estamos começando a ver que errado não é A nem B, não é X nem Y, mas todos, pois, no jogo político, todo o nosso sistema está corrompido, e somente com uma mudança séria, tocada por pessoas sérias e comprometidas, é que conseguiremos chegar ao cerne da questão e realizar uma mudança profunda no sistema, e somente assim poderemos voltar a ter esperança no futuro de nosso país.
            Acredito que novos tempos hão de advir, mas acho que só serão realmente sentido mais a frente, e o tempo que essa mudança vai de fato se iniciar tem em 2018, ano de eleição, um marco. Acredito que 2018 será um ano chave na história de nossa democracia (não que seja o momento derradeiro, não que seja a última esperança, mas que é um momento chave, isso ninguém pode negar), uma vez que, a depender do vencedor, teremos um direcionamento do que pode vir a acontecer conosco quanto nação no que tange a questões políticas, econômicas e, principalmente, sociais; é 18 um ano em que as mudanças de que tanto necessitamos, quanto nação, quanto cidadãos, podem ser de fato tocadas, podem ser aceleradas, ou podem sofrer retrocessos...
Não acredito que a escolha única e inequívoca deva ser por optarmos por A ou B, X ou Y, mas que devemos, todos nós, chegarmos a um alguém que represente não a polarização de um lado ou outro, mas que possa ser um alguém que possa dialogar com ambos e que possa pacificar os extremos. Mais do que optarmos por direita ou esquerda, devemos seguir juntos por um mesmo caminho, por uma mesma via, uma vez que todos somos brasileiros e devemos querer o mesmo grandioso futuro para nosso país; mais do que optarmos por ostentar a cor Vermelho-Comunista-PêTê ou Amarelo-Pato-FIESP, devemos escolher uma multicor que represente, e bem, toda a pluralidade que é o Brasil.
Desde pequenos aprendemos a admirar a pluralidade de nosso país, o quanto somos diversos e que sabemos respeitar as nossas diferenças. Então por que, de repente, começamos a ser intolerantes e a ser inimigos de nós mesmos? Será que, mesmo em nossa pluralidade, nós nunca respeitamos tanto assim as nossas diferenças e, devido ao clima maniqueísta que estamos vivendo em nossa política, esse desrespeito, essa intolerância só veio a acordar, como se estivesse sempre ali, latente, o tempo todo? Então tudo que admiramos em nós, quanto nação, não passava de balela?!
Vejo o nosso país, ainda, como “o país do futuro”, mas que, para chegarmos a um futuro realmente digno, precisamos pensar em nosso presente e, para isso, precisamos, primeiros, em nos dar as mãos, aprender a nos respeitar a nós mesmos, a parar de polarizar as discussões e a pensar a história como um processo em constante construção.

Estamos hoje, sim, com a autoestima baixa, como que acabados, completa e inteiramente desesperançados, mas não podemos e não devemos ficar assim por muito tempo. Podemos até ficar de ressaca por uma manhã ou outra, mas não devemos deixar que essa ressaca se estenda por muito tempo, pois quanto mais tempo demorarmos, mais vamos demorar para darmos um jeito no nosso país; quanto mais tempos demorarmos a pensar, a refletir, a agir, mais vamos demorar a construir o nosso futuro, ficando, se não o fizermos hoje, presos, para sempre, num presente que flerta com um passado.

sábado, 17 de junho de 2017

Retalho de vidas

Eu sou um imenso retalho de memórias, um constructo dos tempos vividos, de dores sofridas, de lágrimas derramadas, de superações, mas, acima de tudo, de sorrisos, de batalhas bem lutadas e, por vezes, vencidas. Não tenho qualquer tipo de vergonha em ser assim, em, no meio de uma conversa qualquer, rememorar um fato acontecido há cinco minutos, no mês passado, há anos ou há séculos e, dessa memória, tecer uma longa trama que conduz a um caminho que por vezes foge do caminho originalmente traçado, mas que vai chegar, cedo ou tarde, a dar em algum lugar.
            Sou como uma Penélope, mas que nunca desfaz o trabalho realizado ao longo dos dias, mas que vai construindo, dia a dia, noite a noite, um imenso tapete sobre o qual caminhar numa longa e infindável jornada.
Sou um alguém que constantemente olha para trás para poder olhar para mim mesmo, para saber quem eu sou e porque estou ali, naquele momento, naquela condição, para só então olhar para frente, para um pontinho distante, que nem ao menos sei localizar ao certo, nem sei como chegar nem o que tem lá que me atrai tanto, mas que sei que cedo ou tarde, chegarei lá, tendo sob meus pés o chão coberto pelo tapete de memórias que me trouxera até ali.
            Sou assim, bastante sentimental, por mais que esconda tais sentimentos por baixo de uma carapaça grossa que parece, num primeiro momento, intransponível, mas que, na verdade, é tão tênue quanto um véu feito de nuvens. Sou assim, protegido e vulnerável, tentando esconder a nudez da minha alma por trás de um véu translúcido que não esconde nada de ninguém.
            Sou um alguém que ama o abstrato e que por vezes é indiferente ao concreto, que topa numa pedra por não tê-la visto por estar com os olhos voltados para o céu, observando sua imensidão, seu vazio, que mira ao longe e se descuida do que está ao alcance de um suspiro, mas sou, também, um alguém que observa o pequeno, aquilo que ninguém mais vê, que olha uma flor, que percebe o bailar das árvores conduzidas numa suave dança com o vento.
            Sou um alguém assim, multifacetado, difícil de entender, sim, mas ao mesmo tempo extremamente simples de compreender através de meus atos, como uma biblioteca que tem um milhão de exemplares de livros rarocomuns, cada um explicando uma faceta de mim, sendo eu um imenso retalho de vidas vividas ao longo das páginas de cada um daqueles livros ali expostos, estando todos ao alcance das mãos de qualquer um que se aproximar para pegar um livro.

            Sou assim: simples-complexo; um retalho de vidas, de momentos, de vivências, de tempos passados, de presentes sendo vividos e de futuros sonhados; um alguém que sonha com os olhos abertos, que contempla o nada e se perde em devaneios; um alguém que fecha os olhos para poder enxergar melhor; um alguém que é, em sua essência, um solitário, mas que só sabe viver em conjunto, por e para o grupo; um alguém que é como as ondas do mar, em constante movimento, num eterno vai-e-vem, que não sabe se é um nada ou se é um tudo; um alguém que é como um prédio que está em constante construção, subindo andar a andar, pondo tijolo a tijolo de minha própria existência; um alguém que é como uma montanha, que foi formada a partir de um choque de duas placas tectônicas na profundeza das terras e que vive eternamente a subir, subir e subir até que, por fim, um dia consiga tocar as nuvens com as próprias mãos.

terça-feira, 25 de abril de 2017

Todo mundo tem um pouco da Hannah e um muito dos porquês

No que se refere a filme e seriados, eu sou aquele a que se chama popularmente de herege. Não acompanho lançamentos, não leio críticas dos especialistas, não ligo para aquilo que está sendo comentado, desisto no meio de uma temporada de uma série que começo a acompanhar, enfim, sou uma pessoa não muito legal para se conversar sobre o assunto. Mas não sei por que cargas d’água resolvi começar a assistir os treze porquês.
      Tinha acabado de assistir Orphan Black (não me pergunte por que assisti a essa série. Nem eu mesmo sei. Tentei abandoná-la umas vinte vezes, mas a curiosidade era sempre maior e eu continuava a assistir um capítulo após o outro nas minhas tardes de sábado) e comecei a zapear pelo NetFlix em busca de algo que me chamasse a atenção, algo que fosse diferente e que não fosse tão badalado (curto meio esse negócio de assistir coisas que ninguém assiste). Coloquei umas cinco diferentes séries, com diferentes temáticas, na minha lista, e nesse bolo joguei também Thirteen Reasons Why, logo que a plataforma de streaming a lançou. Na época, ninguém comentava e eu não fazia nem ideia do que se tratava. A sinopse me chamou a atenção e eu resolvi fazer um test-drive.
            Assisti ao primeiro episódio e confesso não ter curtido muito. A ideia era interessante, mas nada que me fizesse, por si só, num primeiro momento, me fazer ficar uma tarde de sábado assistindo vários episódios na sequência. Não gostei do cenário que remete ao estereótipo norte-americano e da pegada meio teen (preconceitos). Deixei a série de lado e fui experimentar outras, vendo se alguma das que estavam na minha lista me agradava mais. Nesse meio tempo, entre o meu primeiro contato com a série e a minha indecisão sobre que série acompanhar, houve uma verdadeira enxurrada de comentários em tudo quanto é site e redes sociais sobre “aquela série que fala de bullying e suicídio”. Minha timeline do facebook estava simplesmente tomada por artigos diversos, tanto elogiosos quanto de pessoas desaconselhando a série, e por muitos, muitos e muitos alunos comentando. A primeira coisa que me veio à mente quando vi tanta gente acompanhando e comentando foi a de abandoná-la imediatamente e retirá-la da minha lista.
            Passados alguns dias, e eu não tinha escolhido ainda que série assistir/ acompanhar, resolvi, como quem não quer nada, dar uma oportunidade aos 13 porquês, para ver havia ali ao menos um para que eu a mantivesse na minha lista.
            Completamente armado, repleto de preconceitos, assisti ao segundo episódio e a primeira impressão foi levemente amenizada, mas nada que me fizesse ter aquela baita vontade de assistir vários episódios um após o outro. Fato é que aquele segundo episódio me fez ao menos prestar um pouco de atenção aos personagens, aos tipos humanos e aquele mundo de escola.
            Como quem não quer nada, mas agora já querendo alguma coisa, comecei (agora sim!) e acompanhar a trama e aos dramas dos personagens quando assisti ao terceiro capítulo, e dali em diante comecei a assistir um a um os episódios, vendo-os devagar, em doses homeopáticas, tentando compreender o psicológico dos personagens, tentando entender cada um daqueles porquês.
            Assisti sem pressa, acompanhando o ritmo daquele que escutava paulatinamente as fitas deixadas por Hannah, tentando entender o que se passava não só na alma da atormentada suicida, mas também na dele e na de cada um dos rapazes e moças que apareciam nos capítulos daquela história. Fui, aos poucos, me envolvendo com a trama, sem o afã de uns ou o olhar demasiado crítico de outros.
            Quando terminei o último capítulo, fiquei alguns minutos em silêncio, digerindo tudo aquilo que tinha assistido nas últimas semanas, revendo como cada personagem se encaixava naquela simples e complexa trama, procurando entender o tormento que afligia cada um.
            O seriado, no geral, não é para ser endeusado e alçado ao posto de “melhor série de todos os tempos”, como alguns jovens estão fazendo, mas também não deve ser demonizado e desaconselhado, como alguns “críticos especializados” e “psicólogos” se lançaram numa cruzada para “livrar os jovens do mal – amém”. Mas esses extremismos são provocados, na minha opinião, pela leitura errada que está sendo feita da série. Estão se atendo só e exclusivamente a duas questões que estão mais em evidência, o bullying e o suicídio, mas esquecendo de algo primordial que permeia toda a série: a questão humana.
            Os treze porquês me chamou a atenção por ser uma série extremamente humana, que trata de questões a que pouco damos a devida atenção com rara sensibilidade, sem deificar nem demonizar um lado nem outro, sem criar heróis nem bandidos, retratando com realidade mais do que o ambiente escolar, mas muitas das nossas relações interpessoais.
            A série é um grito humano de dor, de solidão, de incompreensão, da maneira como somos plurais na maneira como sentimos cada coisa que nos é feita, como somos, por vezes, cruéis e inconsequentes em nossos atos, como somos covardes e frágeis, por mais que tentemos nos esconder sob a proteção de uma aparentemente intransponível armadura/ carapaça. Quantos de nós somos Hannah? Quantos de nós somos, sem nem ao menos saber e sem qualquer intenção de sê-lo, um dos porquês?
            A série mostra isso ao longo dos 13 episódios: como somos sensíveis como Hannah; como somos excluídos como Tyler; como somos “aluados” e não sabemos ler sorrisos como Clay; como não vemos os dramas o que há por trás do sorriso de Justin, sendo insensíveis à sua dor; como não conseguimos nos aceitar como Courtney; como somos bem-intencionados, apesar de nossa arrogância, como Ryan; como não conseguimos ver pessoas como Skye; como somos insensíveis e não percebemos os sinais que os outros não dão, como fez Sr. Porter; ou como somos cada um dos demais personagens da série.

            A série Os treze porquês não deve, de forma alguma, ser desaconselhada, pois retrata muito bem muitas de nossas relações humanas, e o faz com notável sensibilidade, mas precisa ser melhor discutida, para que se abra o leque de leituras e interpretações com o intuito de que não se foque só e unicamente em questões como suicídio, mesmo porque, para que uma pessoa chegue a tal extremo é preciso se entender um pouco de sua psicologia, suas motivações, suas dores, sua sensibilidade e suas forças, mesmo porque o seriado não fala de morte, mas sim de vidas.

terça-feira, 21 de março de 2017

Salvo por São Visa

Ontem eu recebi um sinal vindo do céu.
Estava eu andando pelo shopping quando resolvi ir à livraria (uma livraria que tinha de tudo: games, revistas, material de papelaria, celulares... tinha até livros!). De repente paro em frente à mesa de celulares e comecei a olhar um, olhar outro, analisar um terceiro, pensar na possibilidade de adquirir um quarto, etc. Olhei para o meu celular, que já está cansado após cerca de três anos de uso e comecei a pensar em comprar um novo. Mas dai veio a dúvida "estou realmente precisando e posso comprar um celular novo?". Fui almoçar remoendo a dúvida cruel.
Após o almoço, voltei à livraria e continuei pensando no celular, ainda na dúvida sobre qual comprar, se REALMENTE precisava comprar e SE PODIA comprar.
Mesmo em dúvida sobre a necessidade da aquisição de um celular novo, resolvi me dar ao luxo. Escolhi um modelo deveras interessante, com mil e um recursos (tinha tantos recursos que até fazia e recebia ligações – coisa rara nos celulares de hoje em dia!) e fui ao caixa. Na fila do caixa, ainda estava com dúvida sobre a real necessidade de comprar o celular (o meu Microsoft 535, afinal de contas, ainda não está quebrando o galho?). Quando o caixa me chamou, foi com um peso no coração e na carteira que entreguei ao atendente o pedido de compra.
Na minha cabeça, enquanto ele registrava o pedido, eu rezava, mas sem saber pra nem, se para a compra passar ou não. Quando ele inseriu o cartão na maquineta, eu quase choro, pedindo mais alguns meses para pensar. Enquanto digitava a senha, era com um enorme pesar que eu pressionava as teclas. Quando o caixa olhou pra mim e disse que a compra não tinha sido autorizada, pude, enfim, soltar o ar que estava preso nos pulmões. Expirei aliviado, entendendo e sentindo que o céu tinha me enviado uma mensagem através de seu anjo-demônio São Visa, dizendo para eu não comprar o dito celular.
Enquanto guardava o cartão de meu Santo Salvador na carteira, o cartão do Demônio da Tentação, São Master, que em outros tempos fora um Anjo que acabou caindo nos pecados do capital, começou a me tentar. Mas fui mais forte, não caindo na tentação oferecido pelo Demônio São Master, ouvindo o sábio conselho de meu Santo Protetor.

Sai da loja sem o celular novo, mas feliz por não ter comprado algo sem necessidade, afinal de contas, o meu 535 ainda funciona bem...

domingo, 1 de janeiro de 2017

O nascimento do jardim-floresta

Eles vinham caminhando lentamente, como que contando os passos e não se olhavam, mas tinham plena consciência um da presença do outro, comunicando-se apenas pelo suave toque de suas mãos.
            O sol já havia iniciado sua trajetória descendente quando pararam. Ao redor não havia nada vivo e tudo era completo silêncio, não se ouvindo nenhum som trazido pelo vento. Ele então se virou para ela e segurou suas duas mãos.
            - É aqui. Eu sinto que é aqui! – disse ele, com os olhos repletos de ternura.
            Ela também havia sentido a mesma certeza que ele.
            Aproximaram-se um do outro e ele depositou-lhe um suave beijo nos lábios e lhe entregou e diminuto e precioso bem que trazia consigo. Ela recebeu a pequenina semente, passou a ela o beijo que ele havia lhe dado, agachou-se lentamente e com as mãos cavou um pequeno buraco onde a guardou. Cobriu com lençóis de terra a semente e a regou com lágrimas de alegria e ternura.
            Durante curtos-longos meses, eles vieram todas as manhãs, junto com os primeiros raios de sol, ao local onde repousava o seu tesouro. Não chovia, não havia água para regar o solo, mas ela sempre chorava de ternura e suas preciosas lágrimas umedeciam o chão e transmitiam toda a força de que a pequenina semente necessitava para crescer.
            Eles tinham pressa para vê-la despontar naquela terra, queriam tocá-la com delicadeza, sentir o toque de seda de sua folha-pele, um pequenino broto, mas sabiam que ela tinha seu tempo e abriria seus olhos e despontaria para o mundo no seu devido tempo, nem mais cedo nem mais tarde um único dia, que no dia que abriria os olhos e os braços, o som de sua voz, de seu riso, anunciaria a sua chegada.
            Após tão longa espera, quando eles chegavam de mãos dadas, que viram ao longe algo diferente na terra, algo pequenino-gigante, apertaram a mão um do outro e correram em direção àquela por quem tanto ansiavam a chegada. A pequenina planta, que mesmo com sua fragilidade havia rompido com imensa força a terra que a cobria, sorriu para aqueles que a contemplavam, e seu sorriso anunciava a primavera que se iniciava.
            Aquela pequenina planta cresceu rápido e logo proporcionou a todos uma gostosa sombra onde todos podiam se abrigar. Não cresceu muito em altura, mas em generosidade e ao seu redor foram depositadas outras sementes que foram igualmente regadas com ternura, mas agora protegidas pela sombra daquela primeira árvore que crescia dia a dia.
            O silêncio que antes havia era quebrado todas as manhãs por uma revoada de pássaros que vinha se abrigar e voar em torno das árvores daquela floresta-jardim que se multiplicava aos poucos sob a proteção e amor dos dois jardineiros, que aos poucos foi deixando que o jardim crescesse por si só.

            O jardim cresceu, e muito, sobre a sombra de frondosas árvores, que acolheram seus jardineiros e a forma como a primeira árvore encontrou para agradecer-lhes foi dando-lhes o primeiro fruto para que eles cuidassem e para que ele quando plantada a sua semente e crescesse, pudesse cuidar deles.