domingo, 24 de novembro de 2013

Malefícios de uma TV a Cabo



Cansado da mesmice dos programas de televisão e da péssima qualidade da programação, um homem, responsável como era, pensando em sua família, resolveu fazer uma assinatura de uma televisão a Cabo, com milhões de canais disponíveis, com Sinal de Alta Definição, com canais de outros países, tantos que recebeu até como bônus, inteiramente grátis, para assistir durante dois meses, a programação de uma Rede do Afeganistão e outra da Zâmbia!
Agora o homem, ciente do bem que tinha feito à sua família, podia sair de casa, para ir trabalhar, descansado, pois sabia que seus filhos menores assistiam aos melhores desenhos pela manhã, sua esposa prepara uma belíssima refeição, assistindo ao melhor programa de receitas da televisão mundial, uma de suas filhas assistia à programação vespertina, recheada de boa informação e cultura, enquanto o filho mais velho podia assistir aos seus seriados favoritos e à noite a família inteira se reunia de frente à televisão para assistir a um filme. Além disso, sua esposa podia assistir ás melhores novelas, sua outra filha podia assistir à programação de documentários sobre o mundo animal até seu cunhado deu para lhe visitar todas às terças-feiras para assistir àquele programa que, pelo jeito, só passava em sua televisão.
E o que era só satisfação na primeira semana, logo se tornou uma preocupação, pois o homem percebeu que sua televisão ficava ligada vinte e quatro horas por dia. Era comum ele acordar de madrugada e quando se dirigia à cozinha para pegar um copo d’água ver um de seus filhos assistindo a reprise do programa que tinha perdido na manhã anterior ou simplesmente assistindo-o novamente!
A fama de sua televisão, dos canais que havia assinado era tamanha que logo todos em seu condomínio vinham assistir televisão em sua casa, de forma que era comum, agora, ele chegar a sua casa e se deparar com o vizinho de frente saindo, enquanto a de cima vinha chegando, e o de lado sentando-se no seu lugar favorito do sofá.
Houve uma ocasião, até, que ele teve que pedir licença para entrar em sua própria casa, de tanta gente que tinha lá para assistir às notícias sobre uma nova beldade do mundo pop da última semana.
Ele não conseguia assistir aos programas que mais gostava, pois a televisão estava sempre ocupada e ele não conseguia sequer chegar perto do controle remoto, pois este era um verdadeiro motivo de disputa, gerava grandes discórdias, e conquistá-lo era o mesmo que chegar a tomar a bandeira do adversário numa batalha campal.
Mas a gota d’água foi quando ele chegou em casa e viu o seu vizinho, aquele com quem mal falava, abrir a sua geladeira e pegar uma cerveja, aquela latinha que ele tinha deixado dentro do congelador na manhã para que, quando chegasse em casa, à noite, ela estivesse bem gelada, como ele gostava, e mais ainda quando a síndica do condomínio lhe pediu para que ele trouxesse mais pipoca. Ele respirou fundo duas ou três vezes, contou até mil, mas não houve jeito de segurar o ódio que sentia naquele momento ante tamanho descaramento, com pessoas tão folgadas quanto aquelas, e gritou, em altos berros, para que todos saíssem de sua casa imediatamente. Mas a única coisa que conseguiu foi a resposta de uma pessoa, que pediu que ele falasse mais baixo, pois queria escutar o que o apresentador do programa falava, e de outro, que perguntou se ele poderia esperar só até o final do programa, depois iria embora.
Não se contendo em si, o homem pegou uma a uma, aquelas pessoas, e as levou para fora de sua casa e quando achou que tinha terminado, viu que ainda faltava um: aquele seu vizinho mala, que só escutava som no último volume e que sempre que o via lhe alugar horas e horas para falar sobre política-religião-economia-futebol, lhe perguntar, ao ver a sala vazia:
- Onde está todo mundo? Eu perdi o melhor do programa?
O homem, então, já inteiramente sem paciência, o expulsou de sua casa, sem que o outro soubesse o motivo daquela falta de educação. E ainda falou, quando teve a porta fechada à sua cara:
- Que homem mais mal educado! A gente não pode mais nem assistir televisão em paz, na casa dele!
Bufando, o homem convocou todos em sua casa para anunciar que iria cancelar a assinatura da TV a Cabo.
Houve muito choro e promessas para que ele não fizesse aquilo, mas o homem estava irredutível, e ligou imediatamente para a assistência técnica, pedindo para que um técnico viesse imediatamente à sua casa para levar embora o equipamento e cancelar a assinatura.
Cansado, o homem se jogou no sofá e enquanto esperava pelo técnico, ligou a TV, justamente na hora em que começava o jogo de seu time de futebol do coração. Começou a assistir ao jogo e se esqueceu do mundo ao seu redor, tanto que nem escutou a campainha, e sua esposa teve que vir abrir a porta e ver de quem se tratava.
- Amor? – chamou ela.
Ele nem olhou, de tão entretido que estava com o jogo.
- Amor?
- Oi?
- O rapaz da TV a Cabo está aqui.
- O que houve? Algum problema?
- Você mandou chamá-lo.
- Ah, foi mesmo! Manda ele voltar aqui depois, quando acabar esse jogo – disse o homem. Levantou-se de um salto, para comemorar, pois seu time acabara de marcar um gol.
A esposa, então, dispensou o técnico, e o homem continuou a assistir televisão, esquecendo-se completamente do que tinha acabado de acontecer, tomando a decisão de, assim que acabar o jogo, ligar para fazer a assinatura para assistir a todos os jogos de seu time no campeonato daquele ano.

domingo, 17 de novembro de 2013

Um pedido às estrelas



“Não se deve julgar um livro pela capa”. Falar isso já virou um ditado de sabedoria popular, sendo usado / adaptado para várias circunstâncias. Essas palavras são tão verdadeiras que nós vivemos “quebrando a cara” quando julgamos algo por sua aparência, quando, na verdade, sua beleza, sua essência, está escondida por trás daquela capa feia, daquela capa que não nos chama a atenção (é lógico, também, que há capas belíssimas, que nos chamam a atenção, mas cujo conteúdo é pífio). Mas mesmo sabendo disso, nós continuamos fazendo o nosso juízo de valor quando nos damos de cara com um livro cuja capa não nos agrada. Continuamos olhando a capa e dizendo “esse livro é uma droga” sem nem ao menos nos dar ao trabalho de abri-lo e ler as primeiras palavras do primeiro capítulo.
            Aconteceu recentemente isso comigo, de julgar um livro pela capa, e acabei, felizmente, quebrando a cara! Trata-se do livro Um Pedido às Estrelas. Quando o vi pela primeira vez, antes mesmo de olhar para capa, só pelo título, disse “cá comigo”: mais um querendo pegar carona com o Best-Seller do momento, A culpa é das estrelas! E o deixei onde estava, no meio de uma pilha de livros. Depois, à medida em que ia guardando os livros, ia me aproximando dele, ia chegando o momento em que teria que pegá-lo para guardar numa estante e expô-lo em alguma mesa na livraria. Quando chegou o momento, só então olhei com atenção para a capa do livro, e aí tive a “certeza” de que além do livro ser um “oportunista”, por estar querendo pegar uma carona nas vendas do Best-Seller do momento, “com certeza” se tratava de um livro péssimo, ridículo, pois “com uma capa daquelas, como um livro pode ser bom?”. E cada detalhe do livro, na sua aparência, me fazia ter mais e mais certeza disso: uma “cinta promocional” fazendo uma menção, com uma frase bem “nada a ver” a Nicholas Sparks; uma sinopse não de todo clara, nada convidativa, para mim, à leitura do livro; entre outros detalhes (motivos) que só fazia reforçar a minha preconceituosa convicção.
            Quis o Destino, irônico como só ele o é, que calhasse de eu, por motivos diversos, entre eles o profissional, tivesse que ler o dito cujo livro do título, capa, cinta e sinopse nada convidativa à leitura (para mim). Trouxe-o para casa meio que aborrecido, confesso. Ao chegar a casa, retirei-o da mochila e como estava chateado, pois “iria perder meu tempo” lendo-o, deixei-o sobre uns livros de minha estante, para só “começar a minha sessão de tortura” no dia seguinte. Dormi naquela noite já pensando no que me aguardava na manhã seguinte. Acordei, no dia seguinte, e fiz todas as minhas atividades rotineiras (eu sou tão metódico que faço tudo cronometrado, em seus devidos horários), até que vi o livro me esperando. Respirei fundo duas ou três vezes, tomando fôlego, e o peguei; deitei-me no sofá (meu sofá é meu local favorito para leitura!), respirei novamente fundo e abri o livro.
            Ao ler aquelas primeiras palavras, ao ver os personagens entrando em cena e se apresentando um a um para o seu leitor-plateia (eu), ao ver o início da história sendo costurado, percebi o quão errado e preconceituoso tinha sido o meu julgamento sobre aquele livro. O Um Pedido às Estrelas é um livro fantabuloso em todos os aspectos, com medida certa em tudo (tensão, descrição, dilemas éticos e morais, romance, etc.), e com uma pitadinha acentuada de um bom drama, que nos mantém presos, vidrados, torcendo, seja para um lado ou seja para outro naquela complexa e nada fácil situação em que se encontram os personagens.
            A história versa sobre o romance de Matt e Elle, um casal que se conhece desde a infância. Foram vizinhos na infância e adolescência, foram amigos, foram confidentes um do outro, e o que parecia natural acabou acontecendo: casaram. Formam um casal feliz, mas um fato, apenas, não deixa que aquela felicidade seja completa: eles não conseguem ter um filho. Após tantas e tão frustradas tentativas de gravidez (inclusive uma não planejada na adolescência), resolvem desistir do “projeto filho”. Matt é um neurocirurgião competente, com uma promissora carreira pela frente, e Elle é uma prodígio, astrofísica respeitada, foi astronauta, nada mais natural vindo de uma pessoa tão apaixonada por estrelas como ela o é, e é professora numa universidade local. Tudo muda drasticamente na vida de Matt e Elle quando ela sofre um grave acidente e é levada para o hospital onde ele trabalha. Ele, ao ver os exames, ao analisar os resultados/ chamas de Raio X e ultrassonografias que foram feitas, como neurocirurgião, percebe a gravidade das lesões sofridas por ela, que é levada para fazer cirurgias de emergência numa tentativa de salvá-la. Matt sabe, antes dela entrar na sala de cirurgia, que será difícil salvá-la.
            Elle sofre danos cerebrais irreversíveis e tem a morte cerebral confirmada. Tendo sofrido, na infância e adolescência, com a morte lenta e dolorosa de sua mãe, sempre deixou expressa a sua vontade de, caso fosse para viver vegetativamente ou viver-em-vida, os aparelhos que a mantém viva fossem desligados. A família já sabendo disso, se preparam para a despedida. Cabe a mãe de Matt, que quer a Elle como a uma filha, a difícil tarefa de levar a cabo aquele último desejo dela. Mas algo inesperado os aguarda, quando os aparelhos estão prestes a ser desligados: Elle está grávida! Os resultados e confirmações pegam a todos de surpresa, principalmente a Matt, que após a perda ocorrida na última gravidez dela, julgava que as tentativas tinham se encerrado e que tomavam todas as atitudes no sentido de evitar uma nova gravidez. O que fazer agora? Elle está morta, sua vontade de ter os aparelhos que a mantém viva artificialmente precisam ser desligados e ela está grávida! Tem-se início, então, uma longa, difícil, tensa e desgastante disputa judicial, que mantém de lados opostos familiares e amigos, pelo que é correto fazer: se desligar os aparelhos, e deixar que Elle morra, ou mantê-la viva artificialmente, como um invólucro para o desenvolvimento do filho, numa gravidez de risco, que tende a não chegar ao fim devido ao longo histórico de gravidez malsucedidas dela.
            Paralela a essa história, temos muitas outras, de outros tantos personagens envolvidos, que se veem perdidos, sem saber o que fazer, sem saber de que lado ficar, sem saber como agir e que opinião “correta” ter naquela difícil situação, naquela verdadeira “guerra” que ameaça quebrar a paz reinante num ceio familiar.
            Livro tenso, intenso e envolvente, Um Pedido às Estrelas não é só um romance entre um homem e uma mulher, não é só um livro que põe em lados opostos parentes e amigos, não é só uma história sobre uma complexa questão judicial, mas sim, uma história, acima de tudo, sobre amor, vida e chances.
            Um Pedido às Estrelas me fez “quebrar a cara”, me fez ver (mais uma vez) o quão errado é se julgar um livro pela capa. Não foi essa a primeira vez, e felizmente não será a última, que isso acontece. Adoro quebrar a cara, julgar um livro como péssimo antes mesmo de iniciar sua leitura, e ser surpreendido enormemente por ele. Que venham, então, outros tantos livros para que eu possa, preconceituosamente, julgá-los pela capa (ou pelo título, pela sinopse ou pela “cinta promocional”) e ver que fui, mais uma vez, precipitado em meu julgamento.

domingo, 10 de novembro de 2013

O menino que aparava as frutas



Engraçado como nossa memória olfativa e visual é forte. Por vezes basta uma palavra-gatilho para nos fazer voltar no tempo e lembrar cheiros e fatos que jaziam adormecidos numa gaveta fechada há tempos de nosso cérebro. Um gatilho-palavra pode disparar-despertar inúmeras lembranças e fazer pairar inúmeros cheiros que nos fazem até salivar de tão deliciosos que são...
            Ontem uma amiga me falou a palavra Laranja, e ao ouvi-la fui imediatamente invadido pelo cheiro delicioso de suco de laranja, feito na hora, direto da fruta (nada de polpa de laranja ou de sucos artificiais), aquele mesmo suco que eu tomava no almoço, antes de ir para a escola, aquele mesmo suco que eu por vezes ficava sem tomar parte só para colocar no congelador para fazer picolé e eu poder desfrutar à tarde, em dias de forte calor. Laranja pra mim sempre teve cheiro e sabor de infância, de final de manhã, da hora do almoço, antes da escola, ou de, nas férias, feriados ou dia em que não tinha aula, das tarde de sol quente, em que, na pausa entre uma partida e outra de futebol, eu corria para casa e tinha um saboroso e refrescante picolé de laranja a me esperar.
            Nossas gavetas em que são guardadas as lembranças são cheias dessas coisas: uma palavra desperta uma lembrança, que desperta outra, que vem seguida de outra, e lá vem outra, outra e outra...
            Da palavra-cheiro-sabor da laranja, veio a goiaba e com ela as lembranças da goiabeira que havia no quintal de minha casa, de meu pai subindo e jogando lá do alto as mais apetitosas frutas para eu apagar para que não ficassem esmagadas ao caírem diretamente no chão. Lembro-me dos sucos e doces de goiaba que minha mãe fazia, do cheiro da goiaba invadindo e tomando toda a cozinha, e dos picolés que eu fazia com o suco de goiaba... Também me lembro de outra fruta saborosa que faz parte de minha infância: a manga. Na rua onde morei a maior parte de minha vida, incluindo a minha infância e maior parte da adolescência, havia muitas mangueiras, e eu era o escolhido para ficar embaixo, enquanto os amigos subiam e ficavam, lá de cima, jogando as frutas mais maduras para eu aparar. Ficava, lá embaixo, olhando para cima, com o olhar fixo na fruta que caia, para segurá-la e não a deixar se machucar ao cair diretamente no chão. Imaginava como seria bom fazer como alguns amigos, que chupavam a fruta lá no alto mesmo, ainda quentinha, sendo acariciados pelo vento que passava por entre as folhas e galhos da árvore.
            As lembranças da goiaba e da manga, despertadas pelas da laranja, que chegou até mim via uma palavra “jogada”, escolhida aleatoriamente por uma amiga, me fizeram lembrar que eu era sempre aquele que ficava embaixo, aparando as frutas, e isso me fez ver que eu só ficava ali, por vezes sozinho, porque era o único da turma a não saber subir nas árvores, a não poder desfrutar, lá do alto, das carícias do vento e do sabor da fruta ainda quente, recém-colhida. Essa constatação me deixou, confesso, um tanto quanto triste, por nunca ter tido tais prazeres, mas, em compensação, feliz, por ser eu o responsável por aparar as frutas, por impedi-las de cair diretamente no chão e se machucarem.
            Não subia nas árvores naquela época e não subo nelas hoje em dia, mas as lembranças de hoje, quando despertadas por uma palavra, um cheiro ou por um sabor, me fazem capaz de ir lá em cima, de ir muito além dos galhos, e me fazem ver que tão importante quanto aquele que colhe a fruta e as deixa cair livremente é aquele que a impede de cair no chão e se machucar, para que possam ser saboreadas por aqueles que não tem o dom de subir em árvores.

sábado, 9 de novembro de 2013

Começar bem o dia...



Ao acordar, antes mesmo de abrir os olhos, sentiu o saboroso cheiro de laranja invadir suas narinas. Com os olhos ainda fechados, ficou a ouvir os sons de sua casa vindos da cozinha. Podia vê-la, mesmo estando de olhos fechados, mesmo através das paredes, ali, se movimentando de um lado para o outro, preparando a comida e arrumando a mesa.
            Deixou-se invadir por aquele cheiro da fruta madura e pela paz saborosa daquele momento de barulhos silenciosos. Ouviu sons vindos de fora, do canto dos pássaros a saldar um novo dia e da voz rouca do vento ao passar por uma fresta da janela. Preguiçoso, ele deixou-se ficar na cama por mais uns longos minutos e chegou a adormecer mais uma vez, e nos sonhos voltou à noite anterior, ao calor dos abraços, aos sabores dos beijos, ao aconchego do colo, à sensação quente e intensa do toque e aos momentos de paz e carinho extremos antes de serem invadidos pelo sono.
            Acordou sobressaltados de seus sonhos-lembranças e abriu os olhos. Mirou o teto e depois se virou lentamente e a viu ali, parada, encostada à porta. Sorriram um para o outro e ele se levantou para abraçá-la e beijá-la. Juntos foram se sentar à mesa, para começar um bom, longo e saboroso dia que iria viver intensamente.