quinta-feira, 11 de junho de 2015

Por que literatura?



Todos os dias quando acordo, eu fico a me perguntar “por que literatura?”. Eu poderia ter escolhido me dedicar, por exemplo, à medicina, assim passando a conhecer o corpo humano a fundo; ou poderia ter escolhido o direito, para entender o homem em sociedade. Escolhido a literatura, pois só ela é capaz de possibilitar o conhecimento não do corpo, mas sua alma, ele nos apresenta o homem não em sociedade, mas o homem consigo mesmo. Mas se engana quem pensa que a literatura é só isso. A literatura tem inúmeras serventias, dependendo de como se olha para o livro e de seu estado de espírito. Podemos encontrar, sim, um elaborado e complexo sistema filosófico, podemos encontrar uma visão revolucionário do homem pelo homem ou do homem em sociedade, mas podemos, por vezes, simplesmente nos deleitar com um livro pelo livro, experimentando momentos de um imensurável prazer no ato da leitura. A leitura pode nos levar a mil e um lugares sem precisar nos tirar do lugar.
                Todas as vezes que pego um livro, eu me pergunto o que posso vir a encontrar entre suas páginas, entre um parágrafo e outro, eu me pergunto se tal obra é atual, por exemplo. A descoberta é sempre única e o livro é sempre atual. O que falar, por exemplo, de um livro como os de Homero, atuais, que inspiraram termos de medicina (tendão de Aquiles) ou informática (o vírus de computador chamado “cavalo de troia”), que, mesmo numa conversa informal entre amigos, sempre, sempre tem um que fala que recebeu um “presente grego”, se referente ao presente mais astuto da história e da literatura mundial. Não só Homero, mas todos os gregos antigos, mesmo sua civilização tendo vivido seu auge há quase três mil anos continuam atuais, sendo constantemente revisitados em todas as artes, como cinema, música, artes plásticas e literatura, mas também no nosso dia-a-dia, no nosso imaginário, sendo mais presentes em nossa vida do que a gente é capaz de se dar conta. Mas não só Homero e os gregos são atuais, são importantes. O que podemos falar, por exemplo, de Dante, cuja criação transcende ao literário e artístico, tendo influenciado fortemente nossas crenças, tendo mesmo moldado o pensamento de Céu e Inferno de nossa sociedade ocidental, sejamos nós cristãos ou não? O que falar de Dom Quixote, que é, na minha opinião, o personagem que melhor sintetiza o homem moderno? E de Shakespeare, um dos maiores escritores de todos os tempos, tido como um dos principais cânones da literatura ocidental?
                A literatura é tão fantástica e atual que há personagens/criações, que se tornam maiores que seus escritores/criadores, chegando mesmo a ofuscá-los! O exemplo maior disso é quando falamos no nome Conan Doyle. Quantos conhecem esse nome assim que o falamos? Mas todos conhecem o nome Sherlock Holmes! O maior detetive do mundo nós reconhecemos imediatamente, sabemos citar suas frases, sabemos falar de como resolveu alguns notórios crimes, admiramos o seu raciocínio lógico, etc., a ponto de acreditarmos em sua existência (“como assim, ‘sua existência’?”, sempre tem alguém que fala! “Sherlock Holmes não existiu?”, ela sempre pergunta). O caso Doyle-Holmes é, talvez, o mais conhecido de todos nesse aspecto, mas há muitos outros, de personagens que são tão fortes e marcantes na história que sua existência ultrapassa os limites e páginas do livro em que são narradas as suas proezas.
                A literatura, além de ser fantástica em vários aspectos, é visionária e influencia inúmeras áreas do conhecimento. Para percebermos e ter uma real noção disso basta que vejamos e estudemos um pouco de Dostoievski, cuja obra era adorada e chegou, mesmo, a influencia o filósofo Nietzsche e teve um papel relevante nos estudos e desenvolvimento da teoria da psicanálise de Freud. Para vermos um aspecto visionário e crítico, por exemplo, da literatura, basta lermos os dois principais e mais conhecidos livros de Orwell. Temos a literatura crítica, aquela que denuncia a hipocrisia da sociedade e dos tipos humanos que a compõe, como no caso de obras como as de Flaubert, Tolstoi, Zola, Victor Hugo, entre outros. Além disso, a literatura é resgate e retrato da história e da vida das pessoas, independente de onde e em que época vivem, e exemplos disso estão na obra de Graciliano Ramos, que foi o autor brasileiro que melhor retratou a dura realidade e vida do sofrido povo nordestino, daquele povo que vive nas mais áridas regiões assoladas pela seca de nosso país. Percebemos isso também na leitura de Charles Dickens, que melhor do que ninguém retratou a dura vida das pessoas nas cidades de seu tempo.
                Temos a literatura fantástica, aquela que nos faz sonhar, que nos cativa e nos enfeitiça, como a de Gabriel Garcia Marquez; temos aquela poética, lírica e delicada ao extremo, como a de Kawabata; temos aquela que nos desafia e nos faz ser como o detetive responsável pela solução de determinado crime, como a de Agatha Christie; temos aquela que nos deleita com a plasticidade da linguagem, como a de Mia Couto; temos até aquela que nos causa calafrios, aquela que nos dá medo de pegar o livro à noite, como as de Stephen King, Bram Stocker, Lovecraft ou Allan Poe.
                A literatura não é só umas duas dúzias de nomes e de obras, literatura é um número infinito de autores, obras, personagens e universos mil que estão bem ali, ao nosso alcance, para serem descobertos, para nos convidar a entrar e caminhar num universo fantástico, que pode ser um descrito nas ruas de nossa cidade, na Paris, Londres ou Moscou do século XIX, em Narnia, na Terra Média, na Lua, no fundo do oceano ou seja lá em que local ou tempo for... Em se tratando de literatura, se pode tudo!
                Nas engana-se quem pensa que a literatura só acontece “lá fora”. Temos, aqui, em nosso país, autores extraordinários que nos fazem bater no peito e ter orgulho de ter nascido e de viver nas mesmas ruas, bairros, cidades ou apenas no país em que viveram Machado de Assis (o maior escritor brasileiro de todos os tempos!), Guimarães Rosa, Álvares de Azevedo, Monteiro Lobato, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, José de Alencar, Chico Buarque, Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Lima Barreto, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, entre tantos e tantos e tantos outros... E ainda tem os que não são brasileiros, mas são tão próximos, são tão irmãos, que os lemos como se o fossem, como os casos de Fernando Pessoa, Camões, Eça de Queiroz e Saramago.
                A literatura faz tanto parte de nossa vida que a gente nem mesmo se dá conta. Ela está em mil e um filmes que assistimos (repare na quantidade de filmes adaptados ou inspirados na história de amor, uma das mais famosas do mundo, de Romeu e Julieta), seja ele mais cult e intelectual, seja ele um voltado para o entretenimento, aventura, fantasia, suspense ou mistério (vide os baseados nas obras de Tolkien, O senhor dos anéis e O Hobbit, olhe os fantásticos filmes baseados na série de livros de Harry Potter), temos os seriados que amamos acompanhar episódio a episódio (como o Game of Thrones, baseado na obra de George R. R. Martin). Está, também, presente e inspirando as mais diversas artes.
                Quando eu paro e penso nisso tudo, na importância que a literatura tem para a nossa história, no quão presente está em nossa vida, que me dou conta do que já li e do que ainda tenho para ler e descobrir e que me aproximo de uma resposta que me seja realmente satisfatória para a pergunta que sempre me faço: “por que (e para quê) literatura?”