sábado, 25 de agosto de 2012

Diminuta e Persistente


Quando nasceu ela era tão diminuta que podia se esconder na palma de uma mão. Frágil e tímida, ficava o tempo toda escondida, não se mostrando para qualquer um, tanto que poucos eram os que tinham visto sua verdadeira face.
Crescia tão lentamente que as pessoas mal notaram quando ela saiu da palma daquela mão onde se mantinha protegida e aquecida. Não foi fácil para ela dar os primeiros passos naquele chão duro, naquela terra estéril onde nada parecia ser capaz de brotar. Mas ela foi persistente. Pequena, ela foi capaz de entrar por pequenas brechas e rachaduras que surgiam naquelas paredes altas e intransponíveis muros e, lá infiltrada, germinar e crescer, fazendo com que o que antes era uma prisão fechada, viesse a se rachar e quebrar por inteiro.
            Pequena, frágil e persistente, ela sempre sobrevivia nos mais inóspitos terrenos, demonstrando, ali, sua real força, tamanho e verdadeira natureza.
Acabava, sempre, se machucando, caindo de muito alto e por vezes até, por um curto momento, ela abaixava a cabeça e por uma fração de segundos pensava em desistir de tudo, dar as costas e ir embora, fugir. Mas sua natureza não lhe permitia desistir e dar as costas, jamais, por mais que a machucassem. Erguia-se, sempre, mais forte, sempre pronta para receber o próximo “baque” e, apesar de tudo, de todas a pancadas, resistir, sempre.
            Crescia a olhos vistos, embora alguns cegos, céticos, não o percebessem. “Melhor assim”, ela pensava, “quando derem por si, estarei grande, forte e suficientemente solidificada de forma tal que não poderão me ignorar”.
            Ela crescia em muitos lugares e em muitas pessoas ao mesmo tempo. Era uma só e tantas ao mesmo tempo, crescendo em tamanho e espalhando-se sem que as pessoas se dessem conta e, quando se apercebessem, já estarem tomados e cativados por ela. Tê-la brotado no peito era como um caminho sem volta.
            Por ser tão pequena, podia se infiltrar em todos os lugares e por mais estéreo que fosse o lugar onde caísse, conseguia germinar e brotar, desde que fosse bem regada com lágrimas, sorrisos e abraços.
            Alguns enxergavam nela a forma de uma flor e chegavam mesmo a sentir o seu doce aroma e o lento crescimento de suas raízes quando ela se fincava no peito; outros a viam como um sol ao surgir por entre as nuvens na primeira manhã de verão, e se sentiam cegos momentaneamente quando a escaravam de frente, olhando em seus olhos; havia os que a viam como um mar revoltoso, capaz de, com suas fortes ondas, abalar, das profundezas, toda a estrutura de uma superfície que precisava ser abalada com golpes fortes e inclementes, mas por vezes delicados e persistentes; também tinha os que a viam como um céu azul, límpido e claro, sem uma única nuvem; como um pássaro de penas dourados, outros a enxergavam, um pássaro delicados, mas que podia voar livremente por todo o céu. Sabe-se, no entanto, que a sua verdadeira forma é como a de uma estrela, que parece tão pequena e diminuta, quando a vemos de tão longe, mas que, quando a percebemos com olhos claros, da razão e da emoção, vemos o quão gigantesca é. Nome? Ela tinha vários, sim, e atendia por muitos deles, mas preferia ser chamada e sentida apenas como Esperança.

domingo, 19 de agosto de 2012

À espera

Ele ficou longos dias ali, esperando, com os olhos voltados para a porta, na expectativa de que ela se abrisse e desse passagem àquele a quem ele tanto queria ver. Foram dias de intensa expectativa, de angústia e ansiedade em que todas as visitas que recebia eram as de pessoas a quem ele não queria ver, que vinham lhe dar notícias que ele não queria ouvir. Mas ele não perdeu as esperanças com o passar dos dias, muito pelo contrário: quanto mais tempo passava, mais ele acreditava estar próximo do dia em que a porta iria se abrir e aquele a quem esperava surgir, com um sorriso no rosto, e toda a demora e angustia provocada por ela seria desculpada em fração de segundos, assim que se estreitassem num prolongado abraço.
            Os minutos que passavam lentamente ele acompanhava observando o demorado giro dos ponteiros naquele relógio da parede. A cada vez que via a maçaneta da porta se abrindo o seu coração dava um salto, ameaçando sair por sua boca, pois imaginava que chegava ao fim a sua longa espera. Mas não era a pessoa a quem queria ver: eram apenas os mesmos rostos conhecidos de sempre, que vinham lhe administrar uma gota de esperança. Algumas diziam “não se preocupe, ele deve estar vindo”, enquanto outras apenas ficavam em silêncio, pois não sabiam o que dizer.
            O tempo é inclemente, e por mais que desejemos prolonga-lo, jamais teríamos forças suficientes para tal. A porta se abria com cada vez mais frequência, o que significava urgência e preocupação por parte daqueles que por ela passavam. Ele passou sequer piscava, pois imaginava que, quando piscasse, na fração de tempo que dura um piscar dos olhos, perderia o exato instante da entrada daquele a quem esperava com tanta ansiedade, como se sua vida dependesse daquele encontro. Havia ensaiado, naqueles longos dias de espera, mil e uma palavras que iria dizer, as quais tinha certeza ser incapaz de dizer, pois no momento do encontro palavra alguma seria capaz de expressar o que sentia, e as lágrimas lhe roubariam a voz.
            As pessoas que entravam por aquela porta, as que outrora lhe diziam algo, agora só falavam que não havia mais tempo, que o outro não viria. Aquele que esperava olhava com olhos suplicantes, pedindo apenas mais um instante, como se fosse possível pedir tempo àquelas pessoas, impotentes, que nada podiam fazer.
            Ele sabia, sentia, que não havia mais tempo, que o pouco que ainda lhe restava estava lhe escapando por entre os dedos, mas se agarrava naquela tênue esperança, que era a única coisa que lhe mantinha vivo. Mas por mais esperança que ainda tivesse guardado no peito, chegou o momento em que o tempo lhe alcançava, se esgotava e o seu coração parava de bater no peito. Com os olhos voltados para aquela porta, como se fosse a última coisa que quisesse levar daquela vida, sua alma abandonou o corpo. Só então, quando nada mais restava além do corpo, a porta se abriu de supetão e por ela entrou aquele a quem o outro esperara até o último momento. Sentiu antes de ver, que tinha chegado tarde demais. Se ao menos tivesse tido coragem de vir um pouco antes, teria dado tempo de vê-lo ainda com vida, de ouvir a sua voz uma última vez, de sentir seu corpo quente ao abraça-lo, de ao menos se despedir; mas não: fora um covarde. E ele, que tanto queria ouvir, nem que fosse um último conselho, naquele momento só fazia repetir uma palavra enquanto chorava abraçado ao corpo sem vida: “desculpe”.

domingo, 12 de agosto de 2012

Eterna e Especial Saudade

Eu vivo com uma eterna saudade do tempo em que eu era apenas um menino, que vivia minha vida livre de preocupações, das longas e intermináveis horas em que ficava na expectativa, espera dos meus amigos, que vinham à minha casa me chamar para sair, para brincar, para jogar bola. Lembro com especial prazer da escola, do olhar a cada dois minutos para o relógio, esperando para que eu pudesse ouvir o sinal indicando o fim das aulas, da hora em que seria libertado daquele suplício que era, para mim, a aula de matemática.
Eu vivo com uma eterna saudade do tempo em que eu era um adolescente, de minha primeira fase da adolescência, em que eu era um desses adolescentes fechados, tímidos, que no colégio sentava numa fila do canto, numa das primeiras ou numa das últimas carteiras, nunca numa do meio, onde todos falavam com todos, e onde eu me sentia mais só. Lembro do medo que eu tinha, desejoso que as horas se arrastassem, do momento em que ouviria o sinal indicando a hora do intervalo, em que seria praticamente obrigado a sair da sala e ir ao pátio do colégio, onde veria tantas pessoas juntas, todas falando com todas, e só eu, me sentindo sozinho, ia me sentar à sombra de uma árvore para lá ficar, desejoso que o tempo corresse e o sinal indicando o fim do intervalo se fizesse ouvir e toda aquela turba de estudantes corresse desenfreada rumo às salas e eu, com meus passos lentos, seguisse logo atrás.
Eu vivo com uma eterna saudade de minha segunda adolescência, dos tempos do mesmo colégio, em que sentava na mesma carteira, em que fantasiava uma paixonice com uma colega de classe que se sentava no outro extremo da sala, tão distante, que eu ficava o tempo todo a contemplá-la, pensando no que ela poderia estar a pensar, no que a tinha feito rir, e não prestava atenção às aulas de química, física e matemática. Lembro com especial prazer da intensidade dessas injustificadas paixões adolescentes e da dor que sentia quando a via com um rapaz mais velho, da dor da decepção não com ela, pois ela nada tinha a ver com o que eu sentia, pois sequer notava a minha existência, mas decepcionado comigo mesmo.
Eu vivo com uma eterna saudade dos últimos anos do colégio, quando via todas aquelas pessoas com quem tinha convivido por tantos e tão longos anos, que no ano seguinte cada um seguiria seu rumo, entrando numa faculdade uns, enquanto outros teriam que enfrentar mais um ou dois anos de cursinho para conseguir, enfim, sua aprovação num vestibular. De alguns eu tinha conseguido me aproximar (na verdade, eles tinham se aproximado de mim), dos quais sentiria uma saudade especial. Lembro do medo da responsabilidade que senti quando preenchi o formulário com a inscrição do vestibular, da carreira que deveria seguir, do medo de uma não-aprovação. Lembro da felicidade quando senti explodir em meu peito quando, enquanto acompanhava, na televisão, a leitura da lista com o nome dos aprovados, que uma prima me ligou dizendo que tinha ouvido, em outro meio de comunicação, o meu nome entre os aprovados.
Eu vivo com uma eterna saudade dos primeiros anos na universidade, em que era ainda tão imaturo, nem adolescente nem adulto, e que, num resquício de uma adolescência ainda não ultrapassada totalmente, sentava na sala no mesmo canto em que sentava outrora nos tempos de colégio. Lembro com especial prazer da noite em que, chegando a universidade, decidi por me libertar daquela timidez da adolescência e que decidira por ser a minha primeira atitude, mudar de lugar na sala, sentando-me no meio, exatamente onde as pessoas conversavam, onde o professor detinha seus olhos, esperando que alguém se pronunciasse para iniciar uma discussão. Lembro com especial prazer quando levantei pela primeira vez a mão e chamei a atenção de toda a sala para mim e fiz um questionamento pertinente, iniciando, assim, uma discussão que não pôde ser finalizada naquela noite, tendo que ser retomada na aula seguinte.
Eu vivo com uma eterna saudade do dia em que não me vi mais como um adolescente, mas como um adulto, quando senti, pela primeira vez, a responsabilidade que recaia sobre meus ombros ao adentrar nessa idade, das expectativas para essa nova fase de minha vida. Lembro com especial prazer do dia em que recebi uma ligação de uma pessoa dizendo que eu tinha passado na seleção para um estágio, que no dia seguinte teria a minha primeira experiência profissional.
Eu vivo com uma eterna saudade daqueles meses que antecederam a minha formatura, pensando na saudade que sentiria de todas aquelas pessoas, cumplices de um tempo feliz, de tantos trabalhos feitos juntos, de tantas discussões instigantes tendo como mediador um professor, que se sentia tão satisfeito ao verem seus alunos tão empenhados em defender seus pontos de vista sobre determinada e pertinente questão. Lembro com especial prazer da noite de formatura, do rito de despedida de um tempo e início de um outro; dos amigos que se formavam, dos votos de amizade eterna, de felicitações.
Eu vivo com uma eterna saudade de tantos, tantos e tantos tempos, de tantos, tantos e tantos momentos e dias marcantes de minha vida que não consigo mantê-los guardados numa gaveta da memória, que tenho que relembrá-los, revivê-los, senti-los novamente; sentir seu pulsar, tão presentes e vivos que posso até senti-los entre meus dedos e tocá-los. Lembro com especial prazer de cada momento, de cada vida que vivi, e por isso vivo eternamente a lembra-los com uma eterna e uma gigante saudade de um tempo que nunca se foi, pois eu não o deixei ir embora, fazendo com que ficasse para sempre aqui, pulsando em meu peito, pedindo para ser vivido novamente, pelo menos enquanto eu me lembro deles com uma eterna e especial saudade.

domingo, 5 de agosto de 2012

As pessoas estranham


As pessoas estranham, me olham com uma cara de que observam um ser de um outro planeta ou de simplesmente um louco quando digo que, mesmo morando numa cidade litorânea, que tem belas praias, eu não as frequento. Nunca gostei de praia, de rio ou mesmo de piscina, pois sempre tive medo de me afogar, e as pessoas nunca entenderam esse meu medo, já que elas não sabem que eu nunca aprendi a nadar.
As pessoas estranham quando me olham e veem uma eterna barba a fazer ou quando percebem que minha barba está malfeita. Eu sempre tive essa cara, de “barba a fazer”, pois nunca aprendi ou dominei a “arte de fazer barba”. Sempre me corto, sempre sobram pelos em alguns lugares difíceis da lâmina chegar. Sempre tive medo de me cortar, já que nunca tive a segurança necessária para manejar o barbeador e confiar em mim mesmo ao fazer a barba. As pessoas que me olham e reclamam de minha “eterna barba a fazer” não sabem, no entanto, que eu tive que aprender a me barbear sozinho, não sabem que meu pai morreu antes de me ensinar a maneira correta de fazer a barba...
Engraçado, e trágico, como, na vida, as pessoas sempre estranham algo ou alguma atitude, como sempre estão prontas para apontar o dedo e criticar, seja porque você, estranho, não gostar de praia, de tomar um banho de mar, seja porque você não consegue fazer uma barba realmente bem-feita. Estas pessoas sempre terão algo a dizer como: “mas qualquer criança sabe nadar”, “mas qualquer adolescente sabe fazer a própria barba”. Não. As pessoas não percebem que nem toda criança sabe nadar e nem todo adolescente sabe se barbear ou aprendeu a se barbear sozinho...
Não gostar de praia ou não saber fazer uma barba bem-feita não constituem pecados. Pecado, sim, é tecer um julgamento errôneo sobre uma pessoa sem saber o motivo desta não querer entrar no mar ou estar por uma barba malfeita.