O tempo passava lento, se
arrastando, e o homem continuava ali, no mais completo silêncio, inteiramente
sozinho. Até seus pensamentos tinham lhe abandonado. Ele apenas observava as
pessoas, indo e vindo, para onde, ele não sabia, de onde, não lhe importava. Ele
apenas as observava. Via o homem de terno e gravata indo apressado para o
trabalho, falando ao celular, acertando, por certo, algum detalhe sobre a reunião
do trabalho, ou reclamando de sua eterna falta de tempo; via a bela mulher,
vaidosa, que caminhava sem olhar para os lados, sem se importar com os olhares
desejosos dos homens . Via os estudantes barulhentos, falando
alto, gesticulando, que não se importavam com o futuro que se aproximava cada
vez mais rápido. Também via os casais, que passavam discutindo, como se, em sua
pressa, não tivessem tempo e oportunidade de discutir em casa, quando chegassem
do trabalho. Via pessoas de todos os tipos, cores, credos, umas vestidas de
forma elegante, outras usando fardas, outras usando simplesmente roupas comuns,
as mesmas que usam todos os dias quando estão em casa.
Esse
homem não estava triste nem feliz. Na verdade, ele se sentia, naquele momento,
como se estivesse e fosse livre de qualquer sentimento. Ele não mais trabalhava
e tinha todo o tempo só para si, para observar sem precisar ser observado por
ninguém. Era velho, mas não de uma velhice que não se podia definir exatamente.
Devia ter entre cinquenta e sessenta anos. Tinha cabelos grisalhos e uma
expressão cansada no rosto, mas seus olhos ainda eram cheios de vida. Tinha um
olhar penetrante, e por isso observava tão atentamente as pessoas.
Em
meio a todo aquele caos, que era o ir e vir das pessoas, ninguém atentava para
ninguém, muito menos para o homem sentado, sozinho, naquele banco. Em seu colo
pousava um jornal, que ele sequer tinha aberto, pois as notícias daquele dia
não lhe interessavam, pois o tempo presente, naquele momento, não lhe dizia
nada. Aliás, tempo algum lhe interessava. Ele apenas observava as pessoas e
sentia o tempo passar vagaroso. Ele não chama a atenção de ninguém, mesmo por
que, ninguém tem tempo para parar e olhá-lo atentamente, nem que seja por
apenas cinco segundos.
Como
que acordando de seu estado de transe, o homem percebe, pela primeira vez
naquele dia, que está só, mesmo havendo tanta gente ao seu redor. Mas ele não
se importa com a solidão, pois já está acostumado com a sua companhia constante
ao longo de toda a sua vida. Sempre fora só.
Vinha
de todos os cantos barulhos distintos, de ora passos acelerados, de pessoas que
estavam atrasadas para seus compromissos, ora lentos, de pessoas que voltavam
para suas casas, após um longo e estafante dia de trabalho.
O
sol nasceu, descreveu sua trajetória no céu e estava para se pôr no horizonte,
e o homem continuava ali, na mesma posição, imóvel. Só seus olhos se moviam,
fitando ora uma pessoa, ora uma outra. Não as observava mais do que o
necessário. Observava-as o suficiente apenas para conhecê-las, nem que fosse
apenas superficialmente. Olhava todas as pessoas que passavam a sua frente, mas
nenhuma o via ali, sentado, tão observador e curioso.
Naquele
momento, quando o sol ia descansar e as primeiras luzes se acendiam, ele
sentiu, talvez pela primeira vez na vida, o desejo de uma companhia. Mas quem
poderia, naquele momento, lhe fazer companhia, se todos passavam sem notá-lo,
cada um preocupado só e unicamente com sua rotina, com seu dia a dia, com seu
próprio umbigo?! Ninguém o notou, nem quando ele se levantou e começou a caminhar
de um lado para o outro, por entre a multidão que, ainda àquela hora, ia e
vinha muitas vezes sem saber para onde nem por quê.
Mas
mesmo cercado por dezenas de pessoas, entre aquela multidão, ele se sentia
sozinho. Voltou a se sentar e ficou ali longos minutos, pensativo, sentindo-se
mais sozinho do que estava antes. Foi quando sentiu um olhar sobre si. Levantou-se
de um salto procurou ao seu redor, entre aquelas pessoas a que o estava
observando, mas não encontrou atenção sendo lhe dispensada entre aquelas
pessoas, olhar algum entre tantos olhos. Mas sabia, sentia, que um alguém o
observava. Desesperado de tanto procurar sem encontrar tais olhos, deixou seus
olhos caírem sobre uma menina, que mesmo distante, o observava. Ela sorria,
observando-o. Ele sorriu de volta e naquela troca de olhares, ele rejuvenesceu décadas
em apenas alguns segundos. Ela foi embora, se despedindo antes com um breve
aceno e um grande sorriso. Ele voltou a se sentar em seu banco em êxtase,
afinal de contas, todo aquele dia tinha valido apenas para receber apenas
aquele belo sorriso. Pegou seu jornal, que estava inteiramente amassado, mas continuava
fechado, colocou-o debaixo de braço e foi embora, para sua casa.
Onde
ele mora? Em todo lugar e ao mesmo tempo em nenhum. A única certeza sobre ele é
que no dia seguinte ele estaria de volta, sentado no mesmo banco, esperando que,
em algum momento do dia, um alguém o notasse e simplesmente lhe sorrisse, para
fazer seu dia valer a pena.
Ás vezes não nos damos conta que um sorriso, um abraço, um carinho faz tão bem! Temos vontade de abraçar nossos pais, tios, irmãos e até (ou mais ainda) nossos amigos, mas não abraçamos temos medo de algo que não sabemos ao certo o que seja.
ResponderExcluirSeu texto demonstra exatamente isso, que um carinho não machuca, não destrói ninguém, ele serve para nos sentirmos únicos e vivos!
Devemos sim, sbraçar, sorrir... Ninguém sabe quando a morte, o talvez segredo da vida, irá nos beijar.
"Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos
E que nunca mais eu vou abrir
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar
Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque,
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada,
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?
Vou te encontrar Vestida de cetim
Pois em qualquer lugar
Esperas só por mim
E no teu beijo
Provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo
Mas tenho que encontrar
Vem Mas demore a chegar
Eu te detesto e amo
Morte, morte, morte que talvez
Seja o segredo desta vida
Qual será a forma da minha morte
Uma das tantas coisas que eu nao escolhi na vida
Existem tantas... um acidente de carro
O coração que se recusa a bater no próximo minuto
A anestesia mal-aplicada
A vida mal-vivida
A ferida mal curada
A dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido
Ou até, quem sabe,
O escorregão idiota num dia de sol
A cabeça no meio-fio Ó morte, tu que és tão forte
Que matas o gato, o rato e o homem
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres
Me buscar
Que meu corpo seja cremado
E que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem
Nos meus filhos
Na palavra rude que eu disse para alguém
Que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber / Aquela noite...
(Canto Para Minha Morte, Raul Seixas)
lembrei seu romance ESPELHO QUEBRADO... cronica muito boa...A gente anda por aí mesmo sem olhar para ninguem... Abraços JOSUE
ResponderExcluir" Como que acordando de seu estado de transe, o homem percebe, pela primeira vez naquele dia, que está só, mesmo havendo tanta gente ao seu redor." Interessante este instante em que se dá conta de sua solidão. Será que, quando antes estava só mas assim não se apercebia, realmente estava só? Parece um instante em que algo se rompe ou é rompido, e uma queda, uma quebra, se dá, repentina.
ResponderExcluirOutro trecho que me provocou esse pensamento foi este: "Naquele momento, quando o sol ia descansar e as primeiras luzes se acendiam, ele sentiu, talvez pela primeira vez na vida, o desejo de uma companhia." Uma transição, é o que está na imanência dessa passagem. A substituição da luz natural - do Sol que vai descansar -, e o surgimento das luzes artificiais, da praça pública. Achei uma belíssima metáfora da saída de cena da centelha da juventude, figurada pela imagem do Sol se retirando, e a entrada de uma condição na qual a própria luz deve ser criada, num esforço subumano. A personagem se vê, pela primeira vez, carente afetivamente de companhia. Duas luzes, a primeira natural, de sua vida inteira, e a segunda artificial, de sua velhice na solidão. Uma inquietante familiaridade, que de tão próxima, porém desfocada, faz a experiência de estranhamento. Um grande abraço, Alex.
Bem... Escrevi este pequeno texto no facebook hoje, e achei que de alguma forma, há um laço indizível, sufocante talvez, daqueles enlaces que fazem nó - como os bebês que nascem enroscados com o cordão umbilical -, dando e tirando ao mesmo tempo a vida.
ResponderExcluirSegue o pequeno texto que eu escrevi: "O lugar em que os signos faltam e a fonte em que as palavras germinam, tem uma origem em comum. Falta e a abundância. Dizem que não há diferença entre o excesso e o vazio. O prazer é tudo aquilo que arranha, lanha, machuca, mascara, arde, inflama. Já a dor é o orgasmo do algoz, o doce veneno, o regozijo da fêmea incandescente. Prazer e dor, todo e nada, são a articulação do involuntário respirar humano" (Alex Azevedo).