domingo, 16 de novembro de 2014

Escrevezinhar

Escrever é como cozinhar: envolve todo um longo processo, que executamos com imenso carinho, que vai desde a escolha do prato a ser preparado, escolha dos ingrediente ao paciente preparo e arranjo do prato para que seja melhor apreciado e degustado.
            O escritor, assim como o cozinheiro, precisa escolher bem o prato de acordo com a situação e os convidados que vai receber, se bem que de vez em quando, é bem verdade, surgem imprevistos, e é necessário se agir rápido, sem pensar muito. Às vezes o cozinheiro, assim como o escritor, não está muito inspirado, mas cozinhar, assim como escrever, se faz necessário, e ele prepara algo simples, como um feijão com arroz e bife, que vai saciar a fome imediata, mas vai, ao mesmo tempo, deixar nele a impressão de que poderia ter feito algo diferente, algo mais, como ter dado ao texto-prato um toque diferente, como ter posto um tempero capaz de surpreender os degustadores.
            O cozinheiro, assim como o escritor, escolhe bem os ingredientes necessários à preparação do prato-texto. Apalpa, sente a textura, cheira, vê se estão maduros, se estão “no ponto” para o preparo, coloca-os cuidadosamente na sua cestinha de supermercado, depois os passa no caixa e os organiza cuidadosamente numa sacola. Já em casa, quando vai iniciar o preparo do texto-prato, retira, um a um, os ingredientes, na ordem que vai utilizá-los. Descasca cuidadosamente os vegetais-palavras, corta com precisão as carnes, dando ponto finais às frases e vai vendo, pouco a pouco, o seu prato, mesmo ainda cru, tomar forma.
            O escritor, assim como o cozinheiro, não pode ter pressa no cozer de seu prato-texto. Não adianta querer acelerar ou atrasar a comida-texto. Se ele deixar passar do ponto, corre-se o risco do texto queimar, e se o retirar antes da hora, o texto não vai ter apurado devidamente os sabores dos condimentos e corre-se o risco, até, de, na pressa, o ter retirado ainda cru. Há textos-pratos que podem demorar até meses para serem preparados, pois, por vezes, falta um ingrediente específico que só pode ser colhido/encontrado em determinada época do ano e em determinado local. O cozinheiro, assim como o escritor, fica no dilema de seguir ou não no preparo do prato-texto, mas sabendo que ele, quando pronto, valerá a pena, opta por esperar, e enquanto o ingrediente que dará o sabor ao texto-prato não vem, ele seguirá preparando aperitivos, deixando os seus convivas entretidos a saborear pratos diversos, até que Voilà! surge ele, passando pelas portas da cozinha, equilibrando nas mãos uma travessa com tão belo e apetitoso prato, e os convivas, ao verem o esmero com que foi preparado, têm a certeza de que valeu a pena cada segundo daquela espera.
            O cozinheiro, assim como o escritor, é um ansioso, e olha com especial atenção as feições daqueles que provam seu texto-prato, analisando cada reação, de aprovação (ou não!), e só consegue soltar o ar de seus pulmões quando o outro, depois de mastigada a primeira garfada, exprime, com sinceridade, a sua opinião sobre o prato-texto. Se aprovada a comida-história, o escritor-cozinheiro, respira aliviado, satisfeito, mas se não, fica a rememorar cada passo dado no preparo, fica a se perguntar se usou os ingredientes na medida certa, fica sem saber se faltou uma pitada de sal, deixando o texto insosso, ou se colocou uma palavra a mais, fazendo com que o prato tenha passado do ponto, ficando salgado.
            O escritor, assim como o cozinheiro, é um solitário nato. Por vezes até tem uns alguéns por perto, opinando de que deveria escrever sobre isso, preparar um assado de tal maneira, explorar melhor esse personagem, deixar mais tempo a comida no fogo a fim de melhorar apurar os temperos, e essas ajudas são bem-vindas, sim, por mais que ele, por vezes, diga tê-las rejeitado, mas ele se sente, realmente, bem, quando sozinho, quando se sente rei do reino da cozinha ou de seu escritório, onde reina soberano, estando de posse de sua coroa e cetro, papel e caneta ou panelas e facas.

            Ambos, cozinheiro e escritor, são artistas. Um, prepara pratos finos para saciar a fome do corpo do homem, o outro, lapida palavras e as prepara num texto coeso e saboroso para saciar seu intelecto. São ambas as artes quedas quais o homem precisa para sobreviver, mas que precisa aprender a melhor apreciar, comendo devagar, garfada por garfada, lendo devagar, palavra por palavra.

Um comentário:

  1. Olha, pra começar, quero dizer q estou gostando muito do seus neologismos. Já criastes três essa semana. rsrsrs. Outra, comecei a ler e de imediato me reportei ao “Arroz de Palma.” O texto é muito familiar. Ficou muito bom! Parabéns. Muito interessante a brincadeira q vc e Azevedo fazem ao comparar família... escrever... com o preparar do alimento e vice versa

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