Aquele
era um pássaro em muito diferente dos de sua espécie. Não era preso às
convenções, mas sim inteiramente livre. Não tinha que migrar no inverno, em
busca de calor e alimento, como seus iguais, mas ia e ficava onde o sol lhe
aquecia e onde podia alimentar sua alma independente da estação do ano. Não cantava
só e unicamente nas primeiras horas da manhã, como tantos outros faziam, mas
enchia o peito e soltava a voz a qualquer hora, seja para louvar o sol e
agradecer-lhe pelo calor, seja para declarar seu amor à lua ou às estrelas. Tinha
uma forma peculiar de bater as asas, com um gingado que tornava o seu voar
muito mais belo e suave, tendo mesmo certo “quê” de sensualidade. Despertava,
sim, por ser como era, certa inveja de alguns pássaros, mas a maioria, o
admirava e tinham por ele uma saudável inveja.
Gostava de, pela manhã, ao sentir os
primeiros raios de sol a tocar seus olhos, ao sentir os suaves dedos da brisa
matutina, estufar o peito e cantar em louvor a vida. Gostava de, quando todos
os outros estavam parados, empoleirados numa árvore qualquer, abrir suas asas e
sair a bailar livremente pelo céu, tendo como parceiro o vento que o conduzia
em passos suaves naquela dança. Gostava até mesmo de, para espanto dos de sua
espécie, voar em dias de chuva, deixando que aquelas gotas mágicas que caiam do
céu banhassem seu corpo e encharcassem sua alma.
Por ser como era, por chamar a atenção
como chamava, começou a chamar a atenção de outros seres de outras espécies,
que ficavam pasmos, perguntando como aquele pássaro podia e conseguia ser tão
diferente de outros que lhe pareciam tão iguais aos olhos. Por ser livre como
era, não notava os olhares cobiçosos que alguns desses seres lhe lançavam e não
percebeu quando um homem começou a lhe seduzir com presentes belos, mas tolos,
a fim de tê-lo não mais livre, onde todos pudessem contemplar, mas somente para
si.
O pássaro, de espírito puro e inocente
como era, se deixou seduzir e começou a pousar sem medo perto do homem, que a
cada dia o trazia para mais perto de si. Foi o homem ganhando, pouco a pouco,
mais e mais, a confiança do pássaro a ponto deste chegar, de certa feita, a
pousar em seu ombro e ali ficar por longos minutos e até a se deixar tocar e
acariciar suavemente por aqueles dedos rudes.
Certa vez, quando já tinha ganhado a
total confiança do pássaro, o homem lhe trouxe um presente: uma gaiola. Encheu aquele
ambiente de elogios, dizendo que lhe traria segurança e conforto, e o ofereceu humildemente
ao pássaro, que se deixou engabelar por aquelas palavras tão elogiosas e entrou
na gaiola. Experimentou-a mas ficou meio desconfiada daquelas paredes vazadas,
que lhe permitiam ver o mundo exterior, mas que, mesmo assim, eram paredes, e
lhe transmitiam apenas uma ideia de falsa liberdade. Saiu da gaiola, onde se
sentia sufocado e voou para bem longe.
No dia seguinte voltou, e o homem lhe
ofereceu novamente a gaiola. O pássaro não se sentia confortável naquela
clausura, mas vendo o sorriso do homem, e se deixando iludir por aquelas
melífluas palavras, acabou por entrar mais uma vez. A mesma sensação de
sufocamento lhe tomou, e ele saiu mais uma vez. No outro dia, a mesma coisa. No
outro e no outro também, até que começou a se sentir relativamente bem na
gaiola, muito embora aquelas paredes lhe transmitissem a sensação de estar enclausurado.
Saia se sentindo sufocado daquela gaiola, que por maior e mais confortável que
fosse, não deixava de ser o que era: uma gaiola.
Um dia o pássaro veio e se aproximou do
homem, que lhe ofereceu, como sempre vinha fazendo nos últimos dias, a gaiola. O
pássaro a rejeitou, mas diante daquele sorriso e daquelas palavras, acabou
cedendo e entrando, mais uma vez, por aquela porta. Andou um pouco, observou um
pouco o mundo através daquelas paredes, e quando já se sentia farto daquele
ambiente, quando ele começava a se sentir sufocado, que quis sair, viu a porta
fechada e através dela o homem, que lhe contemplava com um sorriso diferente.
- Agora você é meu, passarinho! – disse ele.
O pássaro tentou fugir, jogando-se sobre
as paredes, tentando abrir uma pequena brecha por onde pudesse passar, mas por
mais que fizesse, por maior que fosse a força que desprendesse, não conseguia mover
aquelas grades. Ficou triste como jamais estivera em sua vida.
O homem passou a exibir com orgulho o
seu pássaro, que continuou, sim, a cantar, mas não era um canto feliz, de
louvor à liberdade e à vida, mas um canto de notas baixas como um lamento.
O pássaro, dentro de pouco tempo, devido
ao uso limitado de suas asas, começou a senti-las atrofiar e de onde a sua
gaiola ficava empoleirada, ele via, lá embaixo, algumas outras gaiolas que
pertenceram outrora a outros pássaros, que em outros tempos foram seduzidos por
aquele homem e feitos cativos.
Dia após dia ele começou a ficar mais e
mais triste. Suas asas, devido ao uso limitado, começaram a atrofiar e sua
garganta a secar, pois seu canto não era mais espontâneo. Quando o homem vinha
vê-lo de manhã, que o via naquele estado de espírito, procurava estimula-lo,
conversando e imitando, com um assovio, um canto de um pássaro. Mas nada que o
outro fizesse seria capaz de fazê-lo voltar a se sentir e a ser o que era
antes, pois agora ele não era mais um pássaro livre, mas sim um pássaro
engaiolado.
Começou a definhar mais e mais e o seu
único consolo era ver, através das grades de sua prisão, os pássaros livres a
voar no céu. Um ou outro seu companheiro de outrora vinha pousar perto dele e
até sobre a sua gaiola, o que lhe trazia certo conforto, pois isso reavivava o
seu sonho/desejo de vir a ser novamente livre e sentir novamente o vento bater
sob as suas asas. Quando o outro pássaro ia embora, que ele o via se afastar
até se tornar não mais que um minúsculo ponto no horizonte, se deixava tomar
por uma aguda depressão.
O homem, preocupado, compadecido com a
tão latente dor de seu pássaro, tentava, de todas as maneiras, reanima-lo, mas
quando via o olhar dele tão distante, fitando o horizonte infinito, sentia-se
impotente, sem saber como trazer de volta o espírito daquele pássaro pelo qual
se apaixonara e afeiçoara.
Mas o pássaro definhava à olhos vistos e
o homem, não aguentando vê-lo morrer lentamente, abriu a porta da gaiola e
atraiu o pássaro para fora. O pássaro, tão fraco estava que mal conseguia se
mover, mas fez um imenso esforço para conseguir sair da gaiola que se
acostumara a chamar de casa. Ao se ver fora da gaiola, finalmente de posse da
liberdade pela qual sonhara, mas que acreditava que nunca mais iria readquirir,
ficou desnorteado, sem saber o que fazer. Suas asas pesavam, e o homem, ao
perceber tudo isso, o pegou delicadamente e procurou reensina-lo a forma
correta de abrir as asas e batê-las. O vento, que passava perto, ao ver seu
parceiro de dança naquele estado, resolveu ajuda-lo e soprou suavemente em sua
direção. O pássaro, ao sentir aquele delicado toque no rosto, sorriu e abriu as
asas. Não precisou batê-las, não precisou fazer qualquer esforço, precisou,
apenas, se deixar levar nos braços do vento, que o conduziu suavemente nos
passos daquela dança e o levou para o alto, de onde podia ver o mundo todo se
descortinar perante seus olhos. O homem ficou, emocionado, a contemplar o
pássaro readquirir seu antigo viço e prometeu, naquele momento, que nunca mais
iria aprisionar pássaro algum.
O pássaro desceu num voo rasante e
pousou no ombro do homem e cantou como cantara em outros tempos, e sua canção, e
suas palavras eram de agradecimento por ele ter-lhe restituído a liberdade que,
num ato impensado, lhe havia roubado. O homem sentiu-se feliz e honrado ao
ouvir aquele canto entoado só e unicamente para ele. O pássaro, então, abriu
novamente as asas e voou para longe, sendo novamente o pássaro livre que sempre
fora, dançando seu balé no ar, cantando em louvor à vida, à liberdade.
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