domingo, 6 de outubro de 2013

Cheiros e gostos de lembranças

De morango era o sabor de seus lábios, assim como o doce aroma de hálito. Ele fechava os olhos e invocava as lembranças da noite passada com seus gostos e cheiros e toques e calores e sons e suspiros. Podia quase tocá-la e reviver aqueles momentos de tão palpáveis que eram as lembranças ainda tão vívidas naquele quarto. Nos lençóis o seu calor ainda permanecia, nas fronhas dos travesseiros ainda repousavam alguns fios de seus cabelos, e ele puxou os travesseiros para junto de si e se cobriu com os lençóis, e ali ficou, naquela posição fetal, sentindo-se seguro naquela ilha de calor.
Adormeceu brevemente com os olhos semiabertos e sonhou, e no sonho ela voltava para seus braços. Mas acordou de seu devaneio de supetão e assustado com o som do despertador, que lhe chamava para um novo dia de estafantes rotinas. Entre as obrigações e o reavivamento das lembranças, ele se viu obrigado a se levantar. Tomou uma ducha fria, que levou pelo ralo o ainda tão presente toque dos finos dedos dela em sua pele, e chorou ao não mais senti-lo tão latente. Enxugou-se com uma toalha felpuda, mas que em nada lembrava o seu tão macio e aconchegante abraço.
Passou o dia inteiro como que em constante devaneio, realizando de maneira distraída as suas tarefas e obrigações, assinando todos os papeis que lhe entregavam sem ao menos lê-los, atendendo ligações sem prestar atenção ao que o outro do outro lado da linha lhe dizia, e dando respostas evasivas. Pediu para sair mais cedo, pois não estava se sentindo bem, alegou, e seu chefe, mesmo a contragosto, o liberou, sob a condição de no dia seguinte ele compensar. “tudo bem”, ele disse, pegou seu paletó e saiu.
Dirigiu seu carro sem destino definido por ruas e avenidas vazias àquela hora da tarde, até que parou em frente à praia onde a encontrou. Mas dela, ali, a única coisa que restava, era a sombra de sua presença, uma vaga e imprecisa lembrança. Ficou ali mesmo assim, sem a presença dela, vendo o pôr do sol, o seu lento desaparecer na linha do horizonte. Olhou para o alto e viu a lua cheia, a mesma lua cheia da noite anterior, e viu o céu salpicado de infinitas e diminutas estrelas, todas tão belas. Fechou os olhos e sentiu o cheiro do mar, nem de longe tão sublime quanto o cheiro dela, de seu hálito; ouviu o barulho das ondas quebrando, um som violento, de fúria, tão diferente do som delicado e baixo de sua voz, tão suave quanto o dedilhar nas cordas de uma harpa. Expirou todo o ar que tinha dentro de seu peito e emitiu um gemido baixo de dor pela não-presença dela ali. Caminhou descalço sentindo o delicado e áspero toque da areia entre seus dedos e vez por outra uma onda vinha lhe roçar com seus dedos seus pés, como que o chamando, convidando-o para um mergulho na sua imensidão, nos seus gigantescos braços num abraço apertado, mas ele não sentia nada disso: sentia apenas a solidão daquele momento, a presença de uma ausência tão viva.
Voltou para casa tarde da noite, cabisbaixo, e preferiu não pegar o elevador, mas sim subir todos aqueles lances de escadas, contando um a um os degraus. Chegou à porta de seu apartamento esgotado, com os músculos das pernas clamando por um descanso, e se jogou sobre o sofá. Estava tão cansado que fechou os olhos e estava adormecendo quando sentiu um doce e tão conhecido aroma pairando no ar. Com os olhos ainda fechados ele virava a cabeça de um lado para o outro, como que procurando a fonte de onde vinha o cheiro daquela lembrança, até que parou, olhando em direção à mesa, e viu lá pousado um único morango. Arregalou os olhos, não acreditando no que tinha diante de si, quando ouviu um som vindo de seu quarto, onde a porta se abria lentamente e por onde vinha ela, não a lembrança dela, não um eco dela, mas ela, em carne, osso, cheiro e gosto, e na mão segurava delicadamente um morango, que oferecia para ele...

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