- Amor, eu
posso explicar – dizia ele, enquanto via sua esposa tirar suas roupas do
guarda-roupa e jogá-las no chão do quarto.
-
Explicar? Explicar o quê? O seu atraso? Onde você esteve? Com quem? – berrava ela,
visivelmente alterada.
-
Mas amor, foram só quinze minutos?
-
Quinze minutos? Quinze minutos, você diz? Foram dezessete minutos e quarenta e
oito segundos, ou seja, quase trinta minutos? E você ainda tem o descaramento
de dizer que foram apenas quinze
minutos?!
Ele
ainda tentou discutir a questão do tempo e a falar os motivos de seu atraso,
mas ela não queria ouvir.
Mesmo
se desmanchando em lágrimas, entre soluços, ela ainda conseguia falar.
-
E logo hoje... que eu tinha preparado algo tão especial para nós... Logo hoje
que estamos completando dois anos, três meses, duas semanas e quatro dias de
casados... Logo hoje, Alberto.
Quando
ouviu aquelas palavras, algo tão especial,
os olhos dele brilharam, e começou a sentir o peso da culpa. Como ele pôde
esquecer aquela ocasião tão especial, quando comemorariam dois anos, três
meses, duas semanas e quatro dias de casados?! E sentiu ainda pior ao se
lembrar que poucos meses antes tinha se esquecido completamente do aniversário
de um ano, dez meses, uma semana e dois dias de casados. Naquela ocasião, de
seu primeiro esquecimento, ele ainda conseguiu se justificar (e ela acreditou),
dizendo que quando estava saindo do trabalho se sentiu mal no meio do caminho,
e por sorte um amigo estava por perto e o levara a um bar, onde ele pôde se
sentar à uma mesa, comer um churrasquinho e se recompor, para só então poder
vir para casa. Mas agora, ele não sabia o que dizer.
Desde
que se casaram era aquilo. Ele, sempre que chegava em casa, que a via maquiada,
tendo feito escova no cabelo, toda produzida, mesmo não tendo intenção de sair
de casa nem tendo marcado nada de especial, tinha que fazer os cálculos e saber
exatamente quanto tempo de casado estavam fazendo naquele dia. E ai dele se
errasse por um dia que fosse!
Uma
vez ele chegou a errar a data, e disse que estavam comemorando um ano, três
meses, duas semanas e seis dias, quando, na verdade, comemoravam um ano, três
meses, duas semanas e quatro dias, e ela ficou sem falar com ele por quase um
mês, obrigando-o, inclusive, a lavar suas próprias cuecas, a maior crueldade
que uma mulher pode fazer a um homem.
Ele,
desesperado, quando viu sua esposa jogar ao chão a sua coleção de camisas do
São Paulo, começou a reconstituir seus próprios passos, para saber onde e por
que tinha se atrasado.
-
Amor, espere. Eu posso explicar.
Ela
respirou fundo e olhou para ele. Não chorava mais, mas tinha um olhar insano,
como se estivesse prestes a pular sobre ele e esganá-lo. Cruzou os braços e
olhou bem fundo nos olhos dele.
-
Vamos. Comece a falar.
Ele
pensa, pensa e pensa, e resolve não mentir nem encobrir os fatos. Fala toda a
verdade.
-
Sabe o Paulo?
-
Quem é Paulo? De onde você conhece esse Paulo? O que ele queria?
-
Paulo, o seu irmão, querida. Eu o conheci no dia em que fui a sua casa pela
primeira vez, quando você me apresentou a sua família. Lembra?
Ela
o olhou como se aquela história estivesse muito mal contada. Deixaria ele
explicar tudo, para só então descobrir que era aquele tal de Paulo.
-
Prossiga.
-
Pois bem, eu já estava de saída, quando encontrei Paulo no elevador, e descemos
até a garagem conversando, quando ele se lembrou que tinha esquecido uma coisa
no seu escritório. Como a conversa estava boa, resolvi voltar com ele. Subimos novamente,
ele foi ao seu escritório, pegou o que tinha esquecido – as chaves do carro. Descemos
novamente, terminamos o assunto, cada um foi para seu carro...
-
Posso saber sobre o que estavam conversando, ou é um segredo entre você e esse
tal de Paulo?
-
Estávamos falando sobre futebol. Você sabe que o Paulo é torcedor do Corinthians
e ele estava preocupado com o time, que não ganha mais uma sequer, e se
continuar desse jeito, vai acabar sendo rebaixado à segunda divisão novamente,
mesmo tendo liderado boa parte do campeonato.
-
Não acredito em você. Tem algo nessa sua história que não me cheira bem. Essa é
uma história muito mal contada e incompleta.
-
Ligue para o Paulo, então, se você não acredita em mim.
-
Mas como eu vou ligar para ele, se ele é seu
amigo, se nem tenho o número?
-
Mas ele é seu irmão, e você tem o número
dele.
-
E depois dessa conversa com o tal do Paulo e sobre o Corinthians, sobre o que
conversaram. Onde você esteve depois disso?
Ele
então tentou se lembrar o que tinha acontecido depois que ele e Paulo tinham se
separado, com ele dando uma tapinha nas costas do outro, dizendo que tudo
acabaria bem, que o São Paulo iria ser campeão brasileiro e o Corinthians
rebaixado.
-
Depois eu entrei no carro e na saída da garagem, o segurança me parou para
puxar assunto, para saber quais os jogos da rodada do campeonato brasileiro
desse final de semana. Tive que olhar no jornal que havia comprado – você pode
até ver o jornal, que está no banco de trás do meu carro – para dizer quais os
jogos. Você sabe: o segurança torce para o Flamengo e todo final de semana ele
quer saber contra que time o Flamengo vai jogar, para saber se vai ou não poder
tirar a sua camisa de dentro do guarda-roupa pra vir com ela na segunda-feira. Você
sabe como são os flamenguistas: só vestem sua camisa uma vez a cada um mês e
meio, quando seu time ganha. Pode ser contra um time da quinta divisão do
campeonato matogrossense, mas eles têm que comemorar e estampar o seu orgulho
de ser flamenguista. Por isso tanta preocupação em saber contra quem jogam no
final de semana.
Agora
a história estava começando a parecer mais real. O pai dela era flamenguista.
-
E depois, o que você fez?
-
Depois eu peguei trânsito lento e quando cheguei, na entrada do condomínio, o
porteiro me parou pra me passar a correspondência – que eu coloquei em cima da
mesa.
-
E foi só isso?
-
Só, querida. Eu juro!
Ela ainda continuava na defensiva. O olhar
tinha abrandado, mas ainda continuava feroz. Estava com os braços cruzados, mas
tinha relaxado os ombros. Ainda não acreditava naquela história que ele havia
inventado, mas pelo menos não mais precisava colocá-lo pra fora de casa.
-
Então, querida, você me perdoa esse atraso de quinze minutos?
-
Foram dezessete minutos e quarenta e oito segundos, quase trinta – respondeu ela.
-
Tudo bem, então. Você me perdoa esses dezessete minutos e quarenta e oito
segundos?
-
Posso pensar.
-
Obrigado. Muito obrigado, querida. Você é sempre tão compreensiva. Agora, o que
era o algo especial que você tinha
preparado?
-
Nada... você não tem direito a mais nada hoje.
-
Mas... mas...
-
“mas” nada.
-
E o jantar, eu posso pelo menos comer o que você havia preparado?
-
Não. Não pode. Você vai jantar miojo hoje!
Ele
então abaixou a cabeça e saiu do quarto, deixando ela sozinha, recolocando
todas as suas roupas de volta no guarda-roupa.
Sozinha,
ela ainda pensava que tinha que tirar a limpo e descobrir quem era aquele tal
de Paulo, enquanto ele, na cozinha, ainda tentava conseguir acender a boca do
fogão, para colocar a água para ferver e, enfim, fazer o seu miojo. Menos mal
que tinha miojo, que pelo menos ficava pronto rápido e era a salvação de todo
homem em situações como aquela, pós-briga com a esposa.
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