Ele se abaixou lentamente, pois os longos anos que vivera já
lhe pesavam sobre os ombros e muita da flexibilidade de tivera outrora já não
mais existia. Apanhou um punhado de areia e deixou que ela escorresse
lentamente por entre seus dedos. Fechou os olhos e sentia grão por grão lhe
fugir, escapar e mergulhar de volta ao chão de onde foram retirados. Era uma
areia fina, seca, mas que fora banhada na noite anterior quando a maré encheu.
Mesmo com os
olhos ainda fechados, o homem podia ver tudo que acontecia ao seu redor. Ouvia as
ondas quebrarem perto, a poucos metros de onde estava, com as pessoas deixando
que o mar, com suas mãos delicadas, lhe acariciasse seus pés; ouvia os casais
conversando, ao longe, e suas vozes sussurradas trazidas pelo vento; ouvia os
risos das crianças, brincando entretidas na construção de seus gigantescos e
frágeis castelos de areia ou rindo, assustadas, quando o mar tentava
agarra-lhes os diminutos pezinhos. Ouvia e via com clareza a tudo isso e sorria
por dentro. Abriu lentamente os olhos e deixou que a claridade do sol lhe
ferisse momentaneamente e lhe deixasse cego por um curto-longo instante. Olhou para
a mão, onde apenas restavam uns poucos grãos de areia que ali se mantinham
agarrados, com medo da queda em direção ao chão. Ele trouxe a mão até o nariz,
para sentir o cheiro da terra e depois a passou no seu rosto seco, onde o tempo
havia sulcado profundas rugas. Despiu-se da camisa de tecido áspero que lhe
sufocava e das sandálias que incomodavam e feriam seus pés, sentindo-se, agora,
livre. Respirou fundo duas ou três vezes, deixando que o cheiro do mar entrasse
por suas narinas, invadisse seus pulmões e percorresse seu corpo. Ouvia o
barulho do mar vivo, de suas ondas indo e vindo, das pessoas que brincavam em
suas bordas ou mergulhadas em seu seio.
Ele deu dois ou três passos
pesados, inseguros, pois suas pernas já não tinham mais a leveza e segurança de
tantos anos atrás. Demorou uma eternidade até chegar onde a areia estava úmida
e viu que ainda estava longe de onde o mar tocava e se fundia a terra, de onde
deixava rastros da espuma de sua respiração. Continuou em seu trajeto lento e vagaroso,
mas determinado tal qual um maratonista. A cada passo que dava sentia mais
firmeza nas pernas a ponto de estar quase correndo e quando chegou bem perto do
ponto até onde os dedos do mar alcançavam, sentiu medo, tal qual uma criança ao
se deparar pela primeira vez com aquele gigante, e parou. Seu coração batia
acelerado e ele fechou novamente os olhos e se deixou guiar pelo som do mar a
lhe chamar com sua voz rouca. Sentiu quando o primeiro eco de onda lhe roçou
nos pés. Foi um toque frio como gelo que lhe percorreu todo o corpo. Abriu repentinamente
os olhos e o mar, ao ver isso, tocou-lhe novamente, dessa vez com mais calor,
lhe chamando. O homem, ao sentir tão caloroso toque, foi, dando um passo depois
do outro, até que estava submerso da cintura para baixo. Com sua mão, sentia a
mão do mar a lhe chamar, a lhe seduzir, e ele deu mais alguns passos, até que a
metade do seu peito já estava mergulhada, sendo embalada pelo mar. Parado, ele
abriu os braços e sentiu o silêncio lhe invadir por inteiro. Inclinou-se levemente
para mergulhar e ficou inteiramente submerso por alguns segundos, como que em
completo desprendimento do mundo que o cercava. Riu ao sentir a paz que lhe
tomava naquele instante. Só emergiu de volta a superfície quando o ar começou a
lhe faltar nos pulmões. E tal não foi o sentimento de renovação ao, com o corpo
molhado, deixar que o ar renovado percorresse seu corpo. Deu mais vários
mergulhos e em cada vez que emergia se sentia mais e mais renovado, e quando se
sentiu novamente pleno, despediu-se do mar, soltando um beijo quando submerso.
Quando saiu do mar, não era mais
o mesmo homem que havia nele entrado. Sua pele não estava mais seca e enrugada,
mas firme, com o viço da juventude a nela brilhar. Caminhava lentamente,
deixando que a água escorresse por seu corpo, despedindo-se lentamente. Quando estava
se libertando dos braços do mar, ainda sentiu a mão dele a lhe chamar novamente
para um último mergulho. Ele se virou e sorriu, dizendo por dentro que não
agora, mas que logo voltaria para mergulhar, para se deixar novamente
rejuvenescer e tornar-se seu amante quando em seus braços.
Belíssimo texto!!
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