domingo, 6 de abril de 2014

Aniversário de livraria - e já se vão nove anos...


Há exatos nove anos eu, ao sair da universidade, por volta das 20h, quando já na parada, esperando o famigerado 31, senti meu celular vibrar. No visor apareceu um número que eu não conhecia, e eu atendi. Fazia muito barulho e eu demorei a entender o que a pessoa do outro lado da linha dizia, depois, quando entendi, pedi para ela repetir. Ela se apresentou, dizendo seu nome e perguntando se eu poderia comparecer, no dia seguinte, na Livraria Bueno, no Natal Shopping, para fazer uma entrevista referente ao processo seletivo da Livraria Siciliano, que iria abrir na cidade. Nem acreditei no que ouvi. Sempre quis trabalhar em uma livraria, e vivia deixando currículos em todas as da cidade, mas calhou de eu, pela minha inexperiência profissional, pelo meu currículo vitae ser tão pobre, nunca ser chamado sequer para uma mísera entrevista. Sentia-me capaz de trabalhar, já era possuidor, na época, de um “espírito livreiro”, e mais do que isso, amava tudo que concerne a literatura. No entanto, após nunca ver uma fresta numa janela (imagine uma porta!) ser aberta para mim, estava cansado. Havia parado de distribuir a torto e a direito currículos, mas fiz uma última tentativa, devido a insistência de uma amiga, que me recomendou fazer um cadastro mandando meu currículo para o site da livraria, pois, ela ouvira, estavam selecionando por lá. Meio desacreditado, pois nunca levei muita fé nessa “seleção por internet”, fiz o cadastro, coloquei o currículo no site, como uma espécie de “última cartada” minha para tentar trabalhar numa livraria. E eis que naquela noite de 6 de abril de 2005, eu recebia o telefonema para marcar a entrevista.
 
            Eu sempre fui “agoniado”, como diz minha mãe, usando como argumento o fato de eu ter chegado mais cedo, de oito meses, e naquele dia marcado para a entrevista, eu me superei. Minhas expectativas eram tantas que eu cheguei com duas horas de antecedência à hora marcada. Na noite anterior, expectante e ansioso como estava, mal dormi, mas estava sorrindo, apesar do nervosismo e do olhar de cansaço. Cheguei ao local marcado para a entrevista, tão meu conhecido, pois frequentava a livraria, muito mais para estar entre os livros do que para compra-los, pois não tinha muito dinheiro suficiente, já que era um mero bolsista na universidade, e como tal, sabe como é: sempre sobra mês no fim do salário... me apresentei e responsável pela loja (e entrevista) se espantou por eu ter chegado tão cedo. Disse ela que a entrevista seria só dali a duas horas! “Tudo bem”, disse eu, “irei ficar ali naquele cantinho, entre os livros, lendo. Posso?”. “Pode, sim. Óbvio”, disse ela, sorrindo. Fiquei ali, naquele cantinho, então, lendo, entretido entre os personagens (lia, naquele dia, “Quando Nietzsche chorou”, que me tinha sido emprestado por um amigo), muito embora a leitura não fluísse tanto, dado o meu estado de espírito, minha agitação interior. E antes da hora marcada para a entrevista, quando finalmente a leitura começava a fluir, alguém me tocou no braço. “Arlindo?”. “Sim. Sou eu”. “Eu sou a Rose. Vamos lá em cima para a entrevista”. Eu então a segui, nos sentamos e começou a entrevista com perguntas de praxe, e quando chegou a minha tão temida “experiência profissional”, pensei “me ferrei”, mas respirei fundo e a fiz ver que, mesmo com a minha “inexperiência profissional”, tinha algo muito valioso a oferecer: paixão pelos livros e uma boa bagagem de conhecimento literário. Ela anotou alguma coisa na minha ficha, tirando por uns instantes os olhos de mim, depois fez outras perguntas comuns a uma entrevista de emprego, e quando chegou a hora, pediu para eu preencher uma ficha, estendeu a mão, dando-me um insosso aperto, e disse que entraria em contato. Esse “entraria em contato” me assustava, pois nas entrevistas que eu havia feito anteriormente, em outros cantos, todos “entrariam em contato” e eu estava até aquele dia esperando um telefonema. Mas tudo bem. Paciência. As coisas funcionavam daquele jeito. Preenchi a ficha e entreguei na saída a uma pessoa, com expectativas, sim, mas um tanto quanto desanimado, pois a minha não experiência na área de vendas pesava contra mim.
 
            Dois dias depois da entrevista, quando saia de casa num início de tarde, recebia outro telefonema, do mesmo número que havia me ligado para marcar a entrevista. Respirei fundo duas ou três vezes antes de atender. Era uma pessoa, a mesma que havia me ligado da outra vezes (eu reconheci sua voz) perguntando se eu poderia comparecer naquela tarde, às 17h, na Livraria Bueno para participar de uma nova fase no processo de seleção. Eram 15h, mais ou menos, e eu disse, sim, óbvio. Desci imediatamente do ônibus, peguei um outro, voltando para casa a fim de melhor me aprontar, vestir uma roupa mais apresentável para tal ocasião, fazer a barba e ir para essa segunda fase do processo seletivo. Eu nunca havia passado de uma primeira fase de seleção de emprego, e estava, já, com a cabeça a mil, pensando no que poderiam exigir e saber de mim naquele dia.
 
            Chegando à livraria naquela tarde, mais cedo, mais não com tanta antecedência quanto na vez anterior, me apresentei e comecei a perambular por entre as estantes, pegando, vez por outra, um livro numa mesa, retirando um outro da estante, folheando-os. Vi quando algumas pessoas começaram a chegar e, como estava perto, ouvi que também haviam sido chamados para o processo de seleção da Siciliano. “são esses meus concorrentes de vaga”, pensei, analisando cada um que chegava. E quando chegou a hora marcada, que tive o nome chamado, junto com alguns outros tantos nomes, me dirigi ao local indicado para fazer uma nova entrevista, dessa vez com uma outra pessoa além da Rose. Novamente perguntas de praxe numa entrevista e novamente frisei a minha não-experiência profissional, mas meu conhecimento literário e paixão pelos livros, dizendo “não tenho isso, é bem verdade, MAS tenho muito mais a oferecer”. Termina a entrevista, somente o mesmo “entraremos em contato”, um aperto de tão e um “até logo”. Voltei para casa sem saber o que pensar a respeito daquela segunda entrevista. Não sabia se tinha ido bem ou não, ou se seria descartado ou chamado para uma nova fase da seleção.
 
            Passaram-se mais dois ou três dias, e nada de meu telefone tocar. Eu mal saía de perto dele, com medo de, ao sair, ele tocar e ser da livraria e eu não poder atender nem retornar a ligação. E quando já estava começando a me deixar abater pelo desânimo, pois daquela vez chegara tão perto, eis que o benedito toca! Era da livraria, convidando-me a comparecer no final da manhã do dia seguinte para mais uma fase da seleção. Sorri por dentro e disse que estaria lá na hora marcada, sim.
 
            Cheguei, como sempre, mais cedo, e fiquei perambulando por entre as estantes. Já era, naquela altura, conhecido na livraria como “o que chegava cedo, sempre antes de todos”. Fui reconhecendo uns rostos entre os que estiveram comigo há alguns dias, participando das entrevistas. Quando chegou a hora, que disseram do que se tratava aquela fase da seleção, minhas pernas tremeram: faríamos uma dinâmica! Eu procurei ficar mais escondido possível, deixando outros irem na minha frente, para eu ver como eles faziam, para poder “copia-los”. Quando fui chamado, que dei um passo a frente, minhas pernas mal me sustentavam. Na hora em que tive que “simular um atendimento”, sei que fui PÉSSIMO, e voltei ao meu lugar completamente desolado, triste, sabendo que tinha chegado tão perto, e naquela dinâmica havia jogado tudo pro ar. Fiquei por ali, vendo as atuações dos outros, e quando tudo já tinha finalizado, fui chamado novamente. Rose pedia que eu fizesse novamente a dinâmica, pois não havia me saído muito bem na anterior (que eufemismo da parte dela – falar que eu não havia me saído “tão bem” era uma gentileza, um baita dum elogio). Levantei-me, atuei novamente, e dessa vez me sai um pouco melhor, mas mesmo assim, ainda péssimo. Depois Rose e o Josinaldo, que era quem conduzia a dinâmica, se reuniram e deixaram a nós, selecionáveis, num canto, conversando. Um a um, fomos sendo chamados para uma breve entrevista. Uns foram saindo tristes, outros com sorriso de orelha a orelha. Eu, dado o meu péssimo desempenho na dinâmica, estaria entre os que iriam sair tristes, eu tinha plena convicção disso. Quando meu nome foi chamado, que me vi frente a frente, novamente, com Rose, não conseguia lhe olhar nos olhos, pois sabia que a tinha decepcionado. Ela me falou de meu fraco desempenho na dinâmica, e que por isso não havia sido selecionado para as vendas, mas que pelo meu “vasto conhecimento literário” (estas foram palavras dela) fora deslocado para o estoque da loja, onde teria contato mais direto com os livros que chegavam, que estaria mais perto dela, etc. Daquele dia, do fatídico 13 de abril de 2005, pra cá, foi tudo tão rápido!
 
            Participei, ainda, de um treinamento, onde eu era visivelmente o mais empolgado, o que mais levantava a mão fazendo mil e uma perguntas, muitas das quais tão óbvias. Fui o primeiro a começar realmente a trabalhar, quando a loja ainda estava nas últimas fases da construção, que eu tinha que receber algumas mercadorias e caixas de livros que vinham chegando a cada dia.
 
            Trabalhei empolgado, com extremo zelo, naqueles dias que antecederam a abertura da loja. Tive, sim, um pequeno desentendimento, tendo feito algo “fora do padrão” que eles falavam, e por isso me retirei por alguns instantes, ficando num canto, sozinho, respirando fundo, até voltar as atividades. E tudo isso para deixar a livraria perfeita para o dia 27 de abril, data em que as portas seriam abertas.
 
            No dia 27 de abril de 2005, tínhamos que chegar mais cedo à livraria, por ocasião de uma breve confraternização. Tudo transcorreu tranquilamente, foi feito um discurso de praxe nessas ocasiões, e quando o shopping abriu, que as portas da livraria foram abertas, que os clientes começaram a entrar, que vi o primeiro se dirigir a mim, minhas pernas tremeram. Respirei fundo duas ou três vezes, dei bom dia, procurei ser simpático, exatamente como fora falado para eu fazer no treinamento, procurando seguir o passo a passo do “manual”, entreguei o livro ao cliente e o acompanhei até o caixa, e tal não foi a minha surpresa ao receber a notícia de que tinha sido eu (EU!) o responsável pela venda do primeiro livro da livraria Siciliano.
 
            Muita coisa aconteceu depois desse primeiro livro. Fui contratado para ser estoquista, sim, mas sempre que podia, dava um jeito de “escapar” e corria para ficar no salão de vendas, tanto que ao final de cada mês, quando eram passados os relatórios de vendas, eu estava à frente de muitos vendedores. Eu queria tanto, mas tanto, mas tanto ir para as vendas, onde me sentia mais à vontade, que mal passados dois meses de loja aberta, já fui chamado por Rose para uma breve reunião e receber a notícia de que tinha sido promovido! Fiquei feliz demais ao ouvir tal notícia, tanto que, em minha empolgação, corria de um lado para outro, atendendo mais clientes, indicando leituras, falando sobre os livros, mais do que todos os outros vendedores juntos. Trabalhei dobrado nos dias que se seguiram a minha promoção. Se faltava alguém no turno da tarde/ noite, não tinha problema: eu podia ficar e cobrir seu lugar. Se havia uma “brecha” na escala, eu podia fechá-la. E mil e um “se”. Eu sempre estava ali, empolgado, sentindo-me plenamente realizado.
 
            Tanto corri, pra cima e pra baixo, trabalhando, me dando inteiramente à livraria, que fui reconhecido inúmeras vezes com premiações individuais. Fui, em 2006, escolhido “o melhor funcionário do ano de 2005”, e como prêmio ganhei uma viagem para São Paulo, com tudo pago pela livraria, para visitar a Bienal do Livro daquele ano. Eu, que nunca viajei de avião...
 
            Foi tudo maravilhoso nos anos seguintes. Trabalhei demais. Recebi outros tantos prêmios por reconhecimento, e um dos maiores e mais significativos foi quanto alcancei a marca dos R$1.000.000,00 em vendas, alcançada no início de 2008, sendo o primeiro da livraria a chegar a tal cifra.
 
            Participei ativamente de todos os processos e mudanças da loja, como a migração para outra empresa (continuando a loja como franquia, agora da Saraiva), depois mudança de local da loja, passando a ocupar um outro espaço, mais amplo, imponente e bonito.
 
            Vi equipes se formarem e se desfazerem. Tive inúmeros e incontáveis companheiros de trabalhos, uns com quem me dei mais, outros menos, uns com quem tive o prazer de trabalhar mais, outros menos. Alessandra, Leandro, João, Andreza, Luíza, Adriano, Alessandro, Francisco, Leonardo, Juliane, Priscilla, Marcony, Antonio Potiguar, Ligiane, Ivson, Thiago(s), Stela, Madson, Teresa, Elinaldo, etc., etc. e etc. todos, primeiro, sob a batuta de Rose, depois, mais recentemente, sob direção da Saraiva, com Meridiana, André, Ricardo, Maurício e Jorge à frente. São tantas as pessoas, são tantos os nomes, que é impossível citar todos, e se eu fosse listar todos aqui, ficaria sentado lembrando cada um, cada história que me desperta mil e uma boas lembranças, e não iria acabar nunca de escrever este texto.
 
            Mas uma das coisas de que mais me orgulho nesses meus 9 anos de livraria não são nem tanto os números de vendas, os prêmios recebidos (lógico que os prêmios e reconhecimentos recebidos contam muito, sim, para o profissional), mas sim as amizades construídas. São amizades fortes, sólidas, sinceras e verdadeiras, construídas, algumas, ao longo de meses, outras tendo acontecido de supetão. Amizades com pessoas com quem trabalhei, sim, mas muitas outras tantas feitas com pessoas a quem não vendi livros, mas sim indiquei a leitura, com quem passei (e passo) longas horas a conversar sobre literatura, impressões de leitura de determinado livro ou sobre assuntos diversos. Conversas prazerosas, descontraídas, descompromissadas com tudo, comprometidas apenas com a amizade, com Maria do Carmo, Adriana, Nicolle, Monique, Ariette, Val, Graça, Marcos, Charles, Alberto e Virgínia, Dilermando, Laurence, Francimal, Maurício, Pedro, Rômulo, Adauto, Marcello, Jorge, Neusa, Vânia, Jéssica, etc., etc., etc. e, tal qual a lista dos grandes amigos com quem trabalhei, aqui, também, na dos amigos a quem quase que diariamente indico leituras, é infinito o número de nomes.
 
            São, já, nove anos, amigos. Parece meio clichê falar o “parece que foi ontem”, mas é bem assim mesmo que me sinto. Olhar para trás e ver tão nítidos os momentos, ouvir as palavras de incentivo e de amizade, os risos, as brincadeiras, parece que, de tão próximos, tendo acontecido, realmente, ontem, ou há, no máximo, algumas semanas.
 
            Reclamo, reclamo e reclamo, por vezes, de mil e uma coisas com as quais não concordo, mas, como costumo dizer, “reclamo porque me importo, porque quero crescer”, e se assim o faço, é por amar o que faço e por fazer o que amo.
 
            Não sei mais quantos anos eu terei de livraria pela frente. Às vezes acho que já dei o que tinha que dar, e por vezes tenho a absoluta certeza de que estou apenas começando, de que ainda tenho muito a fazer. Fato é que independente do tempo, o importante é saber que tudo que fiz, tudo que estou fazendo e do que ainda hei de fazer, está pautado no amor com que desempenho a minha função, seja como funcionário/ livreiro, seja como vendedor, mas, acima de tudo, sendo como amigo.
 
           
 
Obrigado, a todos, por tudo. Pelos nove anos que já se passaram e, desde já, agradecendo pelos longos e formidáveis anos que virão pela frente.

2 comentários:

  1. Quando fazemos algo com amor, fazemos bem. Obrigada por me ajudar a despertar ainda mais o amor que eu sinto pela literatura, pelas dicas, pelas conversas e pela amizade... sou cliente da saraiva, mas acima de tudo tenho um amigo dentro dela... Parabéns!!! Esse é só o começo!

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