Nunca captara os sons do mundo com os ouvidos, nunca
escutara aquilo a que chamavam de sussurro do vento ou se deleitara com o canto
dos pássaros ao saldar o sol que nascia a cada manhã, no entanto, nunca se
sentira triste por isso, pois embora não escutasse, podia ouvir tudo que o
mundo tinha a lhe dizer com os outros sentidos.
A cada manhã, antes de o sol
nascer, abria a janela de seu quarto e ficava a observar o suave e lento
despertar dos pássaros, e se deleitava quando os via, aquecidos pelos primeiros
raios do sol, estufar o pequeno peito e emitir um clamor de felicidade ao novo
dia que nascia. Se queria ouvir o vento, bastava fechar os olhos e deixar que
ele lhe acariciasse a face com seus dedos leves. Se sua necessidade era ouvir o
que as pessoas lhe dizia, bastava lhe olhar no fundo dos olhos e ler seus
lábios, que captava a verdadeira essência de suas palavras.
Com a
ausência da audição, seus outros sentidos tornaram-se tão aguçados que
conseguia captar o mundo em seus sons com muito mais sensibilidade e
profundidade do que aqueles que eram dotados de todos os cinco sentidos o
faziam. Conseguia sentir o gosto das palavras, o toque dos sons, o cheiro
daquilo que era dito e ver o que as pessoas realmente queriam lhe dizer.
Desejava,
sim, todos os dias, poder ter os ouvidos para ouvir, para captar todas aquelas
sons, para deixar que as vozes do mundo lhe invadissem e lhe tomassem por
inteiro, e um dia, enquanto dormia, teve um sonho estranho, e neste sonho um
alguém lhe tocou os ouvidos e lhe sussurrou palavras que ele pôde escutar. Abriu
subitamente os olhos, tendo sido acordado por um som de ecos de passos de uma
pessoa no corredor. Jogou longe o cobertor e pulou da cama. Balançava a cabeça
de um lado para o outro, ouvindo todos aqueles sons de sua casa, das pessoas
que acordavam, das casas vizinhas e do mundo que despertava. Abriu a janela de
seu quarto e olhou para fora, para ver o pássaro a despertar. Viu-o como todos
os dias, mas não ouvir seu canto, tal como todos os dias ouvia, mesmo sendo
surdo, pois os barulhos das pessoas despertando, das casas em polvorosa, dos
carros na rua, impediam-no de ouvir com clareza.
Ao sair do quarto,
quando se sentou à mesa para fazer a primeira refeição da manhã junto com seus
familiares, conseguiu ouvir tudo o que eles diziam, mas nenhum, em nenhum
momento, lhe dirigiu a palavra, e esse foi o pior silêncio ao qual já havia
sido submetido em sua vida.
Na rua, não
conseguiu ouvir qualquer som trazido pelo vento, nada de sussurros ou carícias,
apenas lhe chegavam aos ouvidos uma poção de inúmeros ruídos e barulhos, todos
muito altos. Pessoas falavam alto e ninguém se entendia; nas ruas e avenidas os
carros passavam velozes, cantando pneu, buzinando. Eram tantos barulhos que ele
se sentiu desnorteado. Agachou-se e tapou os ouvidos com ambas as mãos, para se
proteger de todo aquele turbilhão que lhe sufocava. Passou o dia inteiro tentando
escutar o que o mundo lhe dizia, mas os sons dos barulhos que lhe chegavam aos
ouvidos abafavam e sobrepujavam aqueles que ele desejava ouvir.
Voltou para
casa num completo estado de surdez, como jamais estivera.
À noite chorou
duras, frias e grossas lágrimas e dormiu com os olhos úmidos. Durante o sonho,
o mesmo homem da noite anterior lhe veio e sorriu e lhe sussurrou palavras ao
ouvido.
Ao acordar,
ele, como sempre fazia, abriu a janela e olhou para fora, viu o passarinho
despertar, estufar o peito e cantar, sentiu o sussurrar do vento e sorriu por
poder, mesmo desprovido da audição, ouvir os verdadeiros sons do mundo.
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