sábado, 19 de junho de 2010

Noite Insone - conto

            Mais uma noite insone. Enquanto toda a cidade dorme, eu estou aqui, acordado, vendo as sombras da noite, ouvindo os sons da noite. Estou sentado numa cadeira na varanda de meu apartamento e vejo a cidade inteira às escuras, tão silenciosa. O único som vindo da noite é o de um cachorro sem dono a buscar um abrigo onde dormir ou do “tic-tac” do relógio em minha sala, dizendo que as horas continuam a passar, que ainda continuo acordado sem conseguir pregar os olhos.
            Vejo, vez por outra, algum insone, que acorda durante plena madrugada, acende uma luz na casa e vai em busca de algo. Mas mesmo estes insones não me querem fazer companhia e ficarem acordados comigo. Logo desligam a luz e voltam ao conforto de suas camas. Só eu estou fadado a permanecer acordado mais essa noite.
            Já foram tantas as noites insones só nesse mês que desisti de contar quando não havia mais dedos nas mãos suficientes para prosseguir com a contagem.
            Sinto-me fraco, cansado. Os olhos ardem, a cabeça dói, os ouvidos estão cansados de tanto ouvir o mesmo som, ora do silêncio, ora do relógio que teima em continuar funcionando para me mostrar que horas são, sinto a garganta seca e o rosto sendo golpeado por uma leve brisa gelada, que me desperta todos os sentidos. Tento ir para cama, mas de tanto rodar de um lado para o outro, logo sou expulso dela, e volto para o mesmo lugar que estava antes.
            Tenho de vontade de ficar de pé e de andar pelo apartamento, mas o eco de meus próprios passos me incomoda os ouvidos. Tenho vontade de caminhar pela cidade, mas ela me parece hostil àquela hora. Teria medo de olhar para trás e não ver ninguém, de passar embaixo de um poste e ver que tenho como única companhia naquela noite a minha sombra. Por isso, pelo medo que tenho da solidão, resolvo ficar onde estou, com as luzes apagadas, para não ver minha própria sombra.
            Quero ficar onde estou, na posição em que estou, sentado, mas algo me impele a me levantar. Vou até o banheiro e acendo a luz. Meus olhos se ferem com aquela claridade repentina e demoro a recobrar a consciência e saber onde estou e porque estou ali. Fui ali apenas para me olhar no espelho, para ver a minha expressão abatida e minhas olheiras profundas.
            Não há ninguém ali, como jamais houve alguém além de mim. Morava sozinho, havia procurado pela solidão, mas agora que a tinha encontrado, desejava nunca tê-la procurado. Ela me toma por inteiro, eu me tornei um refém dela. Queria me revoltar, me largar de seus braços, mas como poderia fazê-lo?! Como poderia encontrar alguém, como poderia reencontrar a mim mesmo?!
            Mais uma noite de insônia, mais uma noite inteira passada em claro. Quando será que essa noite, que me parece eterna, chegará ao fim e eu poderei, enfim, dormir alguns minutos, entre o surgir dos primeiros raios de sol no horizonte e o amanhecer?!
            Não há nada que me traga conforto nem paz enquanto essa noite não acabar.
            Estou irrequieto, angustiado, desesperado para que essa noite chegue ao fim, mas quanto maior a minha pressa, mais o tempo demora a passar. Ouço cada vez mais alto em minha cabeça, o barulho dos mecanismos do relógio ecoando.
            Sento-me num canto do quarto, depois me deito, sentindo o frio do chão em contato com meu corpo. Um arrepio percorre meu corpo, despertando-me por inteiro.
            Caminho com passos incertos até uma janela que dá para o nascente, mas noto que o céu ainda continua escuro, as estrelas continuam brilhando e a lua majestosa no firmamento. O sol ainda tarda a nascer. Ainda tenho longas horas de agonia a resistir.
            Ando pelos cômodos escuros, pois não ouso acender as luzes. A única luz é a que vem de fora, da lua.
            Olho para o relógio, o pior inimigo de um insone, pela enésima vez naquela noite para averiguar que horas são. Poucos minutos se passaram desde a última vez em que o vi as horas. Fico um instante a fitá-lo, para ver o lento passar do ponteiro dos segundos. O dos minutos não se movia, o das horas parecia que jamais iria se movimentar. Cheguei a pegar o relógio e balançá-lo, para ver se estava funcionando corretamente. Estava.
            Vou até o banheiro para molhar o rosto. Ao me olhar novamente no espelho, tenho um enorme susto, pois tive a impressão de ter envelhecido anos nos últimos minutos. Minha barba estava grande e o cabelo inteiramente assanhado. Não reconheço aquela pessoa que vejo refletida no espelho. Jogo mais água no rosto, para dissolver aquela face desconhecida de meu rosto.
            Os olhos estão pesados e ardendo, as pernas não mais me obedecem e a noite parece não ter fim. Ouço o som do primeiro despertador no apartamento vizinho. Todo o meu corpo clama por descanso. Vou, mais uma vez, até a janela e veio, finalmente, o céu começar a clarear. Noto uma clara linha de um dourado no horizonte. Uma linha tênue, que tinge, pouco a pouco, o céu, de um azul escuro e profundo a um azul claro, como o das manhãs de primavera. As estrelas começam a se apagar uma a uma e a lua está próxima de terminar sua trajetória no céu.
            A noite vai chegando lentamente ao fim. Ela agoniza, como teimasse e ser sobrepujada pelo dia.
            Está naquela hora em que não há mais lua, mas o céu ainda está escuro, as poucas estrelas que estão soltas parecem que não têm mais força para brilhar e o sol também ainda não apareceu de todo esplendoroso.
            Sinto meu coração acelerar e a respiração mais rápida quando vejo, pouco a pouco, o céu se tingir de dourado e azul claro. Fecho os olhos e ao reabri-los vejo o primeiro raio de sol da manhã a incidir em meu rosto. Minha respiração e batimentos cardíacos se normalizam. Sento-me no sofá e meus olhos se fecham pela primeira vez. É o primeiro indício de sono que me chega. Tento me pôr de pé, mas não consigo. Estou cansado por demais, física e mentalmente esgotado devido à longa noite insone. Deixo-me cair no sofá e fecho os olhos, e sinto o alívio do primeiro sonho a me embalar nos braços.

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