sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Caim - Livro da Semana



José Saramago, primeiro escritor português a vencer o Nobel de literatura (1998), é considerado um dos maiores escritores do século XX não só de seu país, mas mundial. Dono de uma escrita ímpar, fluida e envolvente, criador de obras-primas da literatura mundial, como Ensaio Sobre a Cegueira (1995), O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), Memorial do Convento (1982) e Levantado do Chão (1980), livro este que o firmou, definitivamente, tornando-o conhecido para a literatura mundial, tem em Caim seu mais novo livro.
            Saramago, ateu declarado e convicto, foi excomungado após o lançamento do polêmico O Evangelho Segundo Jesus Cristo, retoma os temas religiosos nesse seu novo romance. No primeiro, o autor revisita fatos e passagens do Novo Testamento, enquanto no seu novo livro a sua história revê fatos, passagens e personagens do Velho Testamento, sendo todos eles observados por Caim, que fora condenado por Deus a vagar eternamente, proibindo-o de morrer de forma semelhante (violenta) a que morreu o irmão, Abel, que fora assassinado por ele.
            Ao longo do livro, revemos fatos e personagens do Antigo Testamento e passagens bíblicas recontadas de uma genial forma por Saramago, com toques de uma fina ironia e de um humor ácido, colocando Deus num patamar humano, sujeito a erros e críticas, dotado de uma personalidade geniosa e impulsiva, que brinca e testa a sua criação, o homem, ao seu bel prazer.
            Caim, primogênito de Adão, é, desde cedo, ensinado a respeitar a Deus, e, junto com seu irmão, sempre faz suas oferendas ao Criador, queimando a melhor parte sua colheita, dos grãos que cultiva. No entanto, já por diversas vezes Caim tem a sua oferenda recusada por Deus e o fruto de seu trabalho não chega ao céu, enquanto as oferendas de seu irmão, Abel, são aceitas. Num acesso de fúria (e talvez de um pouco de inveja), Caim atrai seu irmão e o mata. Deus, ao ver tal crime cometido, recrimina o assassino, mas este o recrimina mais ainda ao afirmar ser Ele tão culpado quanto si próprio, primeiro, por não ter aceitado as suas oferendas; segundo, por ter Ele permitido que tal barbaridade fosse cometida. São, então, para Caim, os dois culpados.
            A Deus cabe a responsabilidade de julgar, e condena Caim a vagar pelo mundo, sem o direito de morrer até que não tenha chegado o tempo. A morte de Caim será de uma forma não violenta, como fora dada ao seu irmão, e ele carregará uma marca na testa, que o distinguirá.
            Ao vagar pelo mundo, Caim presencia diversos fatos, conhece diversos lugares e tem, cada vez mais, absoluta certeza da verdadeira natureza de Deus. Conhece as terras de Nod, onde se envolve com Lilith, com quem tem um filho; impede o assassinato de Isaac, filho de Abraão, tendo chegado a tempo para impedir tal crime, que fora mandado por Deus a fim de testar a fé do temente homem; presencia a injustiça de Deus, quando este condenou milhares de inocentes, incluindo crianças, na destruição de Sodoma e Gomorra; vê as milhares de mortes sob o consentimento Dele nas guerras; viu, horrorizado, a forma como Deus testou a fé de Job, em uma aposta com Satã; e viu também diversos outros fatos, como a queda da Torre de Babel e, em suas jornadas pelo presente, passado e futuro nos fatos bíblicos, Caim encontra Noé e embarca em sua arca.
            O livro é construído de uma forma ímpar, com a narração característica de Saramago, que nos impressiona, no entanto, longe de ser um livro de um “ateísmo militante”, o objetivo do escritor foi o de dar uma outra visão a tais fatos, apresentar-nos uma outra face de um Deus genioso, de dar um tom irônico, de um humor ácido, a tais passagens.
            A leitura do livro, apesar de extremamente criativo e inventivo, tem seu início envolvente, perde o ritmo a partir da metade, tornando-se enfadonha e, por vezes, até maçante e previsível, o que acaba por torná-lo um bom livro, sem dúvida, mas longe de figurar entre os melhores do que é o maior escritor português da atualidade.

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