Ele via através tênue vidraça da janela as lágrimas que o
céu derramava e, lá longe, ao pé da montanha, um alguém não maior que um
minúsculo ponto no horizonte. Vinha caminhando devagar, como que contando os
passos, como se seus pés estivessem pesados e cansados de tanto caminhar, por
já terem percorrido uma longa distância e só agora, após tanto tempo,
estivessem voltando para o local de sua partida e de seu ponto de chegada. Ele tentou
se levantar, mas já não tinha forças para isso. Seu corpo, já velho e cansado,
estava debilitado, pois já tinha usado todas as suas energias em se manter
vivo, na espera, por aquele momento, para aquele reencontro. Seu coração, que
um dia fora tão forte, que batia com tanta força, mas que nos últimos anos se
tornara tão frágil, batendo tão fracamente que só era capaz de lhe manter vivo,
subitamente começou a bater acelerado em seu peito, fazendo-o se sentir
revigorado, novamente vivo após tão longos anos. Abriu-se pouco a pouco, na sua
pele enrugada e ressecada, um sorriso, algo que há tanto tempo ele não se
lembrava de quando fora a última vez que seus lábios se abriram, desenhando um
arco naquela face.
Ele queria
correr ao encontro daquela que tão lentamente vinha ao seu encontro, mas seu
corpo se negava a atender àquele desejo, sendo obrigado a passar pelo tormento
de mais aquela espera. Ela a via, mesmo de tão longe, tão claramente como a
vira tantos anos atrás, tão bela, com o viço da vida brilhando e cada célula de
seu corpo. Lembrava das lágrimas derramadas na despedida, momento que ficara
gravado como ferro em braça na pele de sua alma, e da promessa feita por ela
antes de virar o rosto e ir embora, de que voltaria, pedindo para que ele a
aguardasse, para que ficasse a olhar naquela direção. E assim ele fizera, não
duvidando, nunca, nas palavras dela, mas não imaginava que aquela promessa iria
demorar tanto a ser cumprida.
Agora, quando ele já estava no
fim da vida, quando a única coisa que lhe mantinha vivo era uma tênue linha,
uma fraca força, é que ela voltava. Ela já estava mais perto, mas não perto o
bastante que coubesse no espaço de um abraço, e através daquela vidraça ele já
conseguia distinguir suas formas, que, reparou, estavam tão mudadas, mas tão
iguais às de quando ele a viu pela última vez. Quanto mais perto ela chegava,
mais difícil, para ele, era se manter vivo. Sentia a respiração difícil, o coração
batendo cada vez mais fraco e os olhos pesados. Mas ele se segurou firmemente
aquele fiapo de vida que ainda lhe restava para vê-la uma última vez, para
estreitá-la em braços, para sentir, no abraço, seus corações batendo no mesmo
compasso, antes de fechar os olhos.
Ele viu, através da janela,
quando ela se aproximou e parou, como se buscasse em sua memória o momento em
que vira pela última vez aquela casa que tinha diante de seus olhos, como se, subitamente,
não tivesse certeza de que deveria dar mais aqueles curtos passos que a
separavam daquela porta pela qual passara tantos anos antes. Ela respirou fundo
duas ou três vezes enquanto pensava, e, dentro da casa, ele, percebendo a
indecisão dela, prendia a respiração.
Ela deu um
passo, depois outro e mais outro, parando em frente à porta. Estendeu lentamente
a mão até a maçaneta da porta, girando-a lentamente até conseguir, por fim,
abri-la. Entrou na casa e demorou um pouco até seus olhos se acostumarem à
escuridão. Ele a observava, deitado em sua cama. Via-a não como ela se
apresentava agora, com o corpo tendo sofrido com as ações do tempo, mas como
ela sempre fora em seus sonhos, como a guardara em sua memória. Ele sorriu, e
quando o fez, ela olhou em sua direção, enxergando-o entre aquelas sombras que
se espalhavam pelo cômodo. Veio lentamente em sua direção, com os passos que se
tornaram tão curtos devido à inclemente ação do tempo.
Os dois
ficaram a se fitar, como se um não acreditasse que tinha o outro diante dos
olhos, num silêncio que muito falava, ela de pé, ao pé da cama, ele deitado,
lutando para se manter são e vivo.
- Você
voltou, como prometido! – disse ele com a voz sussurrante, desprendendo uma enorme
força para fazer com que aquelas poucas palavras lhe saltassem pela boca.
Ela nada
respondeu, limitando-se a sorrir. Segurou na mão dele, e naquele simples toque
havia tanto calor que transmitiu a ele um pouco de sua força vital. Ele, com
aquele toque, sentiu-se rejuvenescer. Ele abriu os braços para recebe-la, e ela
deitou-se sobre ele, num estreito abraço. Seus corações bateram em compasso enquanto
seus corpos permaneceram unidos como há tempos não ficavam, como nunca deixaram
de estar, mesmo quando estiveram separados.
Foram fechando
lentamente os olhos ao mesmo tempo em que puxavam o ar pelas últimas vezes e
que seus corações começavam a parar de bater. Quando, por fim, a vida cessou,
suas almas se levantaram, desprendendo-se dos corpos, e foram caminhando
lentamente de mãos dadas. Passaram pela porta e olharam para trás, para onde
seus corpos estavam, unidos, como nunca suas almas deixaram de estar. Sorriram um
para o outro e seguiram seu caminho, agora efetivamente unidos.
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