domingo, 22 de junho de 2014

Leitor - navegante solitário



O leitor é um solitário. Sabe-se lá por que, mesmo estando cercado por mil e uma pessoas, tendo mil e uma coisas a fazer, podendo ligar e ouvir a voz de mil e uma pessoas, resolve se isolar consigo mesmo num ato egoístico, tendo em mãos apenas aquele objeto que muitos e definem e chamam apenas de livro, mas, para ele, não trata-se apenas de um simples objeto, não trata-se apenas de um livro.
            O leitor se isola, e procura uma ilha solitária chamada silêncio no meio daquele mar de tantos barulhos, mesmo que todos o chamem, dizendo e mostrando que mais vale navegar do que aportar naquela ilha deserta. Ele, já munido de sua âncora, não ouve mais tais chamados para a navegação e para seu barco na ilha. Busca um canto sossegado e confortável, senta-se, respira uma, duas, três, quatro, cinco e quantas vezes forem necessárias para tomar fôlego e só então abre a caixa mágica que tem no colo.
            A princípio, ao abrir aquela caixa mágica, ele não mergulha em suas palavras, mas procura senti-la primeiro, sua aspereza e delicadeza da textura de seu corpo (que é uma mescla de outono com primavera, de verão com inverno), suas letras mágicas impressas naquelas folhas de papel e seu cheiro inebriante. Quando, só então, sentindo-se íntimo daquele corpo mágico, já tendo ganhado a sua confiança, mergulha em suas melífluas palavras.
            O leitor-navegante sente-se, realmente, um solitário no início de sua viagem, quando a caixa não se despiu por completo, ainda se mostra tão cheia de pudores, e ele ouve, ao longe, os chamados do mar e suas ondas, ouve as pessoas lhe chamando para navegar no tormentoso e barulhento oceano. Ele se deixa, por um longo-breve-curto espaço de tempo se levar pelos chamados e chega mesmo a fechar a caixa mágica e a pousá-la no colo. Olha ao seu redor, vê as ondas tão altas, batendo com tanta força na praia, e, com medo do que encontrará, resolve mergulhar na paz e segurança do livro que tem em mãos.
            Dá uma nova chance à história que não o prendeu no início, e quando menos se dá conta, ela o tem nas mãos, já o conduz por seus labirínticos caminhos e, sem que ele se aperceba, está novamente navegando, mas dessa vez nas águas claras e calmas da literatura.
            Não se sente mais um navegante solitário, agora acompanhado por mil e um personagens vívidos e barulhentos. Vê o calmo mar que tem em torno de si e deseja não mais sair dele, ficando toda a eternidade a navega-lo. Mas a magia contida naquele livro tem um fim, e ele já a sente nas mãos, escorrendo, na medida em que as páginas vão se sucedendo umas às outras, que vão acabando e que os personagens vão, finalmente, tendo seu fim, que a história vai chegando a seu fim. Vai sentindo o mar voltar a se avolumar ao seu redor e, temeroso, quando fecha o livro, tendo lido a última palavra, se vê novamente navegando naquele oceano tormentoso que é a vida real. Mas não se deixa abater e cair em desespero quando vê as gigantescas ondas que se lançam sobre seu navio. É essa a vida real na qual tem que navegar.
            Por mais que no oceano-vida em que tem que navegar as coisas estejam difíceis, sabe que sempre há uma ilha de tranquilidade e paz onde pode aportar, que há, sempre, oceanos e mares que a circundam, onde as águas são tranquilas, e para poder usufruir dessa paz basta abrir uma caixa mágica chamada livro e se deixar conduzir por suas calmas marés de palavras.

2 comentários:

  1. Respeitosamente, discordo de que o leitor se isola num ato solitário...até certo ponto, o gesto, em si, é solitário. Entretanto, ao abrir os olhos para os pensamentos alheios que lhe vem pelas palavras alheias...de um autor, de um pensador ou mesmo um anônimo, vive-se o diálogo. Em silêncio, as vozes do mundo lhe chegam pelas palavras...

    Abraços

    Araceli

    www.pedradosertao.blogspot.com.br

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  2. "...Dá uma nova chance à história que não o prendeu no início, e quando menos se dá conta, ela o tem nas mãos.." Isso é fato! Mas também acontece o contrario, as vezes a leitura começa empolgante e cai um pouco. Mas isso ñ importa, o q vale é viajar em cada historia. Muito bom o seu conto

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