
Quando nasceu, devido a uma promessa que sua mãe fizera para
que o filho nascesse saudável, recebera o incomum nome de Simprônio. Cresceu,
como toda criança cresce, sem se dar conta do tempo que passava, e na
adolescência um alguém lhe dissera, jogando-lhe como um elogio, embora ele não
tenha entendido como tal, que ele era uma pessoa de notável senciência devido a
sua sensibilidade e à maneira como percebia o mundo ao seu redor. Acabaram os
dois caindo no chão, arranhando-se, esmurrando-se, xingando-se de tudo quanto
era ofensa, imaginando, Simprônio, que o outro lhe xingava de néscio, de um
sem-ciência, ou coisa do tipo. Fechou-se em seu mundo, mais do que vivia
fechado, com mais uma estranha palavra que recebera na vida. Já não lhe bastava
aquele nome que sua mãe havia lhe dado, agora mais aquela palavra. O outro, o
ex-amigo, tentara lhe explicar, quando ele partira com os punhos em riste, que
a palavra senciência não era nada daquilo que imaginara, mas sim um elogio, mas
ele, acostumado a receber tantas piadas dirigidas por seus colegas de escola
devido ao seu nome, às rimas que faziam, jogando-lhe tantas e tantas palavras
na cara, que ele, cego e surdo como estava, perdeu a razão a acabou com a única
amizade que tinha na escola. A mãe nunca entendeu o mutismo do filho, que se
acentuou após aquela briga. A atitude mais sensata fora tomada: Simprônio
mudaria de escola.
A mudança
não lhe fez bem, pois tudo continuava como antes: as mesmas brincadeiras sem
graça, as mesmas rimas com seu nome, as mesmas piadas, a ponto dele ficar mais
e mais fechado em seu silêncio. Aprendeu, a duras penas, que a melhor maneira
era, para tantas e tão incomuns palavras que lhe eram jogadas na cara, a
desenvolver um “ouvido de mercador”. E assim o fez, com o intuito de recomeçar,
com a esperança de nunca mais ouvir aquela balela sem importância que lhe era
atirada diariamente, fechado em um cárcere que construíra protegido por grossas
paredes para si, como que num sótão de suas próprias emoções. Sua mãe,
preocupada, o levou a um médico, com a esperança de curar o menino daquele
mutismo, mas este, incapaz de fazê-lo falar seja lá o que for, foi taxativo em
seu diagnóstico: esquizofrenia! A mulher deu um grito quando viu aquela palavra
escrita em letras garrafais, chorou o abraçou o filho, que apenas levantou
levemente a sobrancelha quando ouviu aquela palavra dita pelos lábios do
médico, mais uma para a sua “coleção de palavras”. A mãe, então, movida pela
única coisa que lhe restava, sua fé, levou o menino a padres, pastores e
curandeiros, e todos extraíram dinheiro e mais dinheiro da ingênua mulher, que
sempre voltava para casa mais e mais abatida ao ver o seu filho naquele estado
eternamente isolado em seu próprio mundo. Tomou uma difícil e sensata decisão:
deixar o filho viver do jeito que ele entendia ser a melhor para ele,
respeitando os seus silêncios. Simprônio, então, ao ouvir aquelas palavras
vindas da boca de sua mãe, sorriu, coisa que não fazia há anos, e a mãe, ao ver
aquelas curvas nos lábios do filho, chorou de alegria e o abraçou.
Simprônio
continuou a viver normalmente sua vida, não mais dando ouvidos aos que lhe
endereçavam palavras ásperas a ponto das pessoas não mais repararem nele. Ingressou
na universidade e ali, pela primeira vez, as pessoas não se importavam com seu
estranho nome e muito menos com o seu mutismo, a ponto dele se sentir um pouco
mais a vontade para abrir a boca e conseguir ouvir, vez por outra, a sua
própria voz. Mas o mundo de uma universidade não era fácil, e ele tinha que
seguir uma rígida rotina de estudos, trabalhos, atividades acadêmicas diversas
e mais os estágios num caos-ordeiro que tinha se instalado em sua vida. Passava
os dias tão ocupado, tão sem-tempo para falar banalidades que todos falam em
corredores de universidade, que logo colocaram seu apelido de Simprônio Calado,
do qual ele gostou, pois não era, aquela alcunha, proferida com tons
pejorativos pelos seus colegas de curso.
Simprônio
Calado, havia realmente adotado a alcunha como sobrenome, graduou-se com
méritos acadêmicos e logo conseguiu ser designado para funções administrativas
numa repartição pública. Lá era responsável por toda a burocracia. Ficava, da
hora em que chegava até a da saída, isolado, dentro de uma sala, soterrado por
um número incalculável de documentos para analisar, de autorizações para
assinar, de alvarás para conceder e de uma poção de outras coisas rotineiras de
seu trabalho. Mas apesar de sempre igual e cansativa rotina, ele, ali, se
sentia feliz como jamais estivera. Aquelas palavras, termos estranhos, escritos
tão pomposos, eram como música para seus olhos, e ele logo incorporou-as a seu
“dicionário de palavras estranhas”. Por vezes, ele não as entendia totalmente,
mas ficava tão fascinado por ela que se negava a assinar uma autorização sendo
pedida via tão belas e polidas palavras, o que acabou por lhe gerar algumas
advertências e ser, depois, obrigado a corrigir os erros cometidos. Mesmo com a
revolta que lhe consumia nesses momentos, respirava fundo quando via aqueles
documentos novamente sobre a sua mesa, tendo sido anexado um bilhete, escrito
com caneta vermelha, um gentil bilhete de seu superior pedindo para que ele
relesse com mais atenção os documentos, revisse o que havia assinasse e, após
isso, fosse entrega-lo nas mãos dele. Quando isso acontecia, ele, mesmo
sentindo que cortava em sua própria carne, refazia o trabalho, negava a
autorização, e se dirigia por aquele longo, estreito e úmido corredor até a
sala do chefe. Batia duas ou três vezes na porta, e sempre ouvia, ao abrir uma
brecha na porta, um “espere aí fora, que daqui a pouco lhe chamo. Estou
ocupando, numa ligação importante com um secretário!”, e ele fechava a porta
delicadamente e esperava, sentado num banco duro de madeira, que seu chefe
terminasse a ligação. Exercitava a tolerância e paciência, pois, por vezes,
essas ligações duravam horas, e só quando seu chefe soltava um sonoro suspiro,
sabia que em breve seria chamado e receberia o sermão a que estava tão
acostumado. Eram sempre as mesmas palavras duras, embora ditas de forma
educada, lhe chamando a atenção para mais um erro naquela semana. “E se eu não
tivesse aqui para revisar o seu trabalho, como seria? Já perdi as contas de
quantas autorizações equivocadas você assinou nos últimos meses, Simprônio! Por
favor, preste mais atenção ao que está lendo antes de assinar um documento,
seja lá qual for!”, dizia seu chefe, e depois abaixava a cabeça e ia se deter
em outros trabalhos, dando por encerrada aquela reunião.
Simprônio,
sempre que chamado a atenção por algo que ele julgava injusto, tornava-se ainda
mais calado, e passava dias inteiros chegando mais cedo e saindo mais tarde do
trabalho só para não ter que esbarrar com pessoas e proferir um “bom dia!” ou
um “boa noite e até amanhã”, preferindo passar os dias entretido na leitura de
documentos diversos escritos com tão belas e incomuns palavras. Mas de tanto
errar, assinando o que não deveria assinar, acabou sendo designado para uma
outra função dentro da repartição, pois seu chefe já havia cansado de lhe
chamar a atenção. Foi com um sentimento de pesar que deixou para trás aquela
mesa, vendo que ainda havia sobre ela tantos e tantos documentos escritos tão
magistralmente que deixara de ler, tantas e tantas palavras que não lhe fora
permitido tomar para si e incorporar ao seu já tão vasto vocabulário. No
entanto, apesar dos pesares, foi com o desejo de superação e imensa satisfação
que assumiu a nova função: agora seria responsável por toda a correspondência
inter-repartições.
Passava
ininterruptas horas daqueles longos dias lendo aquelas cartas tão insossas e
impessoais que sequer lhe despertavam qualquer interesse quando ele chegava ao
trabalho e as via empilhadas sobre o seu birô. Apenas respirava fundo duas ou
três vezes, com saudade dos tempos passados no setor anterior, em que entre
tantos documentos, encontrava um ou outro que lhe tirava lágrimas dos olhos e
lhe deixava com a respiração presa ao lê-los. Por vezes era obrigado a
escrever, também, algumas cartas para outras repartições, e a reciprocidade nas
palavras que deixava as marcas no papel era a mesma: sempre palavras insossas e
impessoais.
Por vezes,
seus dias eram tão sem-sentido, tão sem-gosto, que ele tinha vontade de largar
tudo e ir embora. Mas ir embora pra onde?, ele pensava. Ir fazer o quê?
Trabalhar com o quê?, se perguntava. E continuava a seguir seus dias como
sempre os seguira: impassível, sem reclamar, sem se mover para frente nem para
trás, apenas se deixando levar pela maré. Aquele, entendia Simprônio, era um
momento de superação em sua vida, e sentiu certo alívio e gratidão por tudo
pelo que estava passando.
Um dia
chegou mais cedo ao trabalho e ao abrir sua sala, que viu aquela enorme pilha
de correspondências, respirou, como sempre, duas ou três vezes. Fechou os olhos
e só quando se despiu da impaciência que vinha se avolumando em seu peito nas
últimas semanas, foi que se sentou e começou a trabalhar.
Algo
naquela pilha de cartas não estava certo. Estavam, todas organizadas como
sempre estavam, e salvo o fato de talvez haver uma quantidade um pouco menor de
cartas do que no dia anterior, tudo parecia em ordem, como sempre estivera. Foi
então que reparou, bem no meio daquela pilha de correspondências, um envelope
diferente. Não daqueles brancos, cinza ou pardo característico, mas de um tom
de cor incomum: rosa! Ele, em sua pressa para pegar aquela misteriosa carta,
derrubou a pilha com todas as outras bem na hora em que ia passando em frente a
sua sala um colega de trabalho.
- Credo,
Simprônio! Parece que acabou de receber uma carta escrita pelo próprio
presidente dos Estados Unidos! – falou, e saiu rindo da própria piada.
Simprônio
não ouviu o que o outro dissera. Estava mais ocupado procurando a carta
cor-de-rosa que tinha se perdido. Ficou agachado, com as mãos se batendo uma na
outra na sua pressa de encontrar o tesouro encontrado-perdido. Passava as mãos
ora na cabeça, numa tentativa de retomar a calma, ora nos olhos, como que para
acordar, perguntando-se se seus olhos por um acaso não tinham lhe enganado tão
poucos minutos antes. Mas não. Seus olhos não tinham lhe enganado. Lá estava
ela, a carta, soterrada entre o peso morto de tantas outras. Ele a pegou
sofregamente como um náufrago apanha o primeiro pedaço de madeira flutuante que
vê como única forma de salvação. Esperou a respiração e os batimentos cardíacos
voltarem ao normal, para só então se levantar e lê-la.
Ajeitou de
forma desajeitada as correspondências comuns sobre sua mesa e começou a andar
de um lado para o outro pela sala, segurando firme mas com delicadeza a precisa
carta, e só quando se sentiu perfeitamente de posses de suas faculdades, foi
que parou e a olhou contra a luz, para que, ao abrir o envelope, não rasgar
junto o precioso tesouro. Ouviu o suave chiado-grito de dor do envelope
enquanto era rasgado e quando retirou de seu seio a preciosidade que ele
guardava, respirou fundo antes de mergulhar na leitura.
Era uma
carta comum, escrita em termos comuns, com uma finalidade comum, mas que, para
os olhos de Simprônio, era uma carta única, que só ele conseguia identificar o
clamor que existia por trás daquelas palavras contidas, pois eram palavras em
formas e sentidos que ele mesmo escreveria. Seu conteúdo era o mesmo daquelas
todas cartas que jaziam ali, na sua mesa, mas havia algo ímpar nela. Leu-a duas
ou três vezes, saboreando cada palavra, a forma como eram tecidas as frases, e
só quando apreendeu sua forma e belas palavras, foi que atendeu para o nome e
assinatura da remetente. Era um nome belo, tão incomum quanto Simprônio. Uma
lágrima escapou de seu olho e mergulhou naquela carta, manchando-a no canto em
que se espatifou. Simprônio se jogou na cadeira, abraçado a carta, e assim
ficou durante todo o dia. Releu-a um sem-número de vezes, e só quando já a
havia decorado vírgula por vírgula, foi que a guardou delicadamente no bolso de
sua camisa e, pela primeira vez em anos, saiu do trabalho antes do fim do
expediente, sem ao menos atentar para o fato de que não havia aberto uma única
outra correspondência naquele dia.
Dormiu e
acordou pensando naquela carta, e ao chegar ao trabalho no dia seguinte, houve
um impasse sobre a melhor maneira de escrever uma resposta, profissional/polida.
Escreveu uma carta-resposta, mas esta lhe pareceu muito insossa, escrita em
termos idênticos aos que encontrava naquelas cartas que estavam sobre a sua
mesa; escreveu uma outra, que lhe pareceu excessivamente impessoal; escreveu
uma terceira, que lhe soou excessivamente pessoal. Aos poucos, no cesto ao lado
de sua mesa, havia um monte de papel amassado. Ele passava vigorosamente as
mãos na cabeça, sem saber como e o que escrever.
Passou o
dia inteiro tentando se distrair, lendo e escrevendo as mesmas cartas de todos
os dias, e por um momento, entretido como estava no trabalho, se esqueceu,
realmente, da carta que tinha guardado na gaveta de sua mesa, e só quando viu
tinha finalizado todo o trabalho daquele dia e posto em dia o do anterior, que
deixou as mãos caírem ao longo do corpo, que bateu os olhos na gaveta fechada,
que se deu conta de que tinha que dar uma resposta àquela carta. Pegou uma
pilha de papeis em branco e iniciou uma série de cartas-resposta, mas não se
deu satisfeito com o resultado de nenhuma delas, e quando todos já tinham ido
embora da repartição, que ele se deu conta de que estava sozinho ali, de que
não havia nos corredores o som de um único passo, que se deu conta de que teria
que ir embora, novamente, sem conseguir escrever linha alguma que lhe
satisfizesse.
Voltou para
casa cabisbaixo, levando consigo, colada ao peito, no bolso da camisa, a carta
que esperava ansiosamente por uma resposta.
Durante todo
o final de semana que se seguiu ficou trancado no quarto, tendo à sua frente
folhas e mais folhas de papel em branco, esperando para serem marcadas com a
ponta cirúrgica de sua caneta, e, ao lado, a carta, à qual ele recorria a cada
vez que escrevia uma palavra. No final da tarde do domingo, ele, finalmente, se
deu por satisfeito com a carta-resposta que escrevera, em termos polidos, de
forma direta e profissional, como a sua posição pedia, mas repleto de inversões
sintáticas e de termos minuciosamente escolhidos, que só uma pessoa como ele e
como aquela que tinha lhe escrito aquela carta, seriam capazes de perceber.
Na segunda-feira, a primeira
coisa que fez ao chegar ao trabalho, foi pôr a carta que com tanto esmero
escreveu num envelope especial, de uma cor diferente aos que a repartição
dispunha, e despachou a correspondência. Mal a despachou, já ficou esperando,
impaciente, pela resposta. Esperava pela resposta da mesma forma que o solo
espera que uma gota de chuva caia do sol após um longo verão e lhe sacie a
sede.
Passaram-se
dias inteiros sem que nada de diferente acontecesse. Sempre chegava ao trabalho
mais cedo, para receber ele mesmo as correspondências do dia, e sempre via os
mesmos tão-iguais envelopes, com as mesmas cartas, escritas da mesma maneira,
com o mesmo vocabulário e pelos mesmos remetentes. Já tinha até perdido as
esperanças devido àquela espera-agonia sem-fim, quando, no final da tarde da
sexta-feira, chegou uma correspondência atrasada, e o funcionário que a
entregou pediu desculpas, alegando que tinha ficado perdida, confundida com
outros tipos de correspondência, uma vez que as cartas oficiais, trocadas inter-repartições,
nunca eram remetidas naquele tipo de envelope! Simprônio não lhe deu ouvido e
arrancou das mãos sujas do outro aquele precioso tesouro.
Em seu afã
de ler a carta, o fez com tanta pressa que não apreendeu uma única palavra de
tudo que lera. Balançou a cabeça de um lado pro outro a fim de poder se
concentrar, e só então, quando se julgava de posse de suas faculdades mentais,
foi que a leu com calma, palavra por palavra, vírgula por vírgula. Seu coração,
ele sentia, batia em uníssono ao da pessoa que escrevera aquela tão bela carta,
tão repleta de sutis e belas incomuns palavras, tão repleta de inversões
sintáticas, tão esmeradamente bem escrita!
Saiu do trabalho
como quem sai a andar nas nuvens e passou o final de semana inteiro a esculpir,
letra por letra, uma segunda carta. Em sua empolgação, chegou a pensar em
escrevê-la num antigo pergaminho que tinha, mas achou que seria um exagero,
pelo menos naquele momento.
Começaram,
nas semanas seguintes, a trocar uma infinidade de cartas, todas escritas com a
mesma minúcia, com as palavras escolhidas uma a uma. Mal Simprônio despachava a
sua correspondência, já começava a viver a impaciência da espera pelo
recebimento da resposta, e quando se passavam dois ou três dias sem ver na
pilha de cartas um envelope de cor diferente, já começava a se angustiar. Havia
momentos em que de tão alvoroçado que estava, mal conseguia encaixar uma
palavra a que só ela, ao receber e ler a carta, poderia captar o verdadeiro
sentido. Mas ele tinha persistência, e com muita paciência, tecia, no meio das
frases e palavras insossas, alguma saborosa e repleta dos sentimentos que
sentia naquele momento.
Algo novo,
inteiramente diferente, nascia e crescia no peito de Simprônio, uma palavra que
ele já tinha ouvido, mas há muito tempo, e que não conhecia o verdadeiro
sentido, mas agora, com aquelas cartas, com a angústia, com os medos que
sentia, passou a entende-la.
Ele tomou
uma resolução: iria, na manhã seguinte, enviar uma carta não direcionada à
repartição, ao departamento, mas à pessoa. Ao despachar a correspondência,
sentiu insegurança e medo, uma vez que aquela era a primeira vez que
direcionava palavras tão pessoais para uma mulher.
A resposta
demorou a vir e ele ficou noites inteiras sem dormir, chegando ao trabalho, na
manhã seguinte, com olheiras profundas. Fazia seu trabalho de maneira
distraída, mas o seu trabalho era tão pouco relevante diante dos outros da
repartição, que seus erros sequer foram notados.
A carta-resposta
veio no momento de maior angústia de Simprônio, que, ao recebe-la, estava tão
atarantado que por pouco não a rasgou no meio e acabou amassando-a inteira. Leu-a
de um fôlego só e quando leu o último ponto, uma sutil e fina lágrima escapou
do canto de seu olho e um sorriso se abriu em sua face.
Começaram,
os dois, a trocar longas cartas em que cada um podia ser a si mesmo, sem
preocupações com as linguagens insossas e impessoais das correspondências
oficiais das repartições públicas. Combinaram a enviar, agora, cartas um para o
endereço do outro, e a cada dois ou três dias, sempre que chegava a casa,
Simprônio, ao abrir sua caixa de correspondência, onde antes só chegavam os
boletos de suas contas a pagar, encontrava uma carta selada num envelope
colorido e perfumado.
As cartas
começaram a ficar ainda mais pessoais e as palavras que ela emprestava e dava e
que ele igualmente retribuía, passaram a ser ainda mais sérias e ela, certa
vez, escreveu uma carta que continha uma única frase/pergunta, feita de forma
clara e objetiva: “vamos nos encontrar?”. Simprônio não soube o que nem como
responder. Acostumado a uma linguagem de palavras incomuns e inversões na ordem
dos termos da oração, não conseguia emitir uma resposta de forma tão direta
quanto a pergunta exigia.
Ficou doente
e pôs um atestado para poder se afastar por uns dias das atividades
profissionais. Não tinha a menor condição de sair de casa e de pensar no que
quer que fosse. Tomou um sumiço na vida por algum tempo, meditando sobre como
responder aquela pergunta que mexera tanto com o seu ser. Foi então que ele
decidiu deixar de lado a linguagem pomposa, os termos pernósticos e os jargões
prototípicos de sua forma de se expressar e foi direto.
Trocaram,
ainda, mais algumas cartas antes de combinarem o encontro, e em cada carta,
apesar de retomarem a suas maneiras particulares de conversar, havia expressa,
em cada palavra, uma emoção nova para cada um deles, com a qual nenhum dos dois
estava acostumado a lidar.
Marcaram,
finalmente, de se encontrar. No dia, tanto Simprônio Calado, que havia se
tornado surpreendentemente falantes nas últimas semanas, quando ela, estavam
agitados, e quando se viram, se reconheceram imediatamente. Ambos ficaram
quietos, um olhando para o outro. Haviam sido companheiros de sala de aula
durante toda a vida escolar, moravam no mesmo bairro, em ruas bem próximas, mas
por serem fechados, cada um em seu próprio mundo, nunca tinham dedicado um olhar
um para o outro. Eram como que os excluídos da sala, os de nomes estranhos, os
sem-amigos, e agora estavam ali, um de frente para o outro, sorrindo. Simprônio
abriu os braços e ela os dela, e ambos não precisaram falar nada, nem uma
palavra desconhecida, pomposa, nenhuma simples e direta.