domingo, 6 de março de 2011

Conto da Cidade Fantasma

Aquela era uma cidade fantasma. Abandonada há décadas, até mesmo pelas almas dos que viveram e foram enterrados naquele velho cemitério localizado atrás da única igreja onde não era rezada uma missa há décadas. Até as árvores perderam a vida naquela cidade, com os troncos ressecados, inteiramente sem folhas e só não vinham inteiramente ao chão por que até os ventos não sopravam mais ali. O mato havia crescido nos primeiros anos por todos os lados, em todas as casas, no meio das ruas, mas depois deixou de crescer, secou, e jazia abandonado, em grandes tufos, por todos os cantos. Ali, animal algum pisava. Os pássaros não cantavam pela manhã, para saldar o novo dia que começava. O único rio que cortava a cidade não mais corria em direção ao mar. Ficou parado durante tanto tempo ali que acabou morrendo. Ali não havia estações do ano. No verão o sol jamais conseguia aparecer por entre as nuvens, no inverno não chovia, na primavera não havia vida para desabrochar e no outono as árvores não perdiam as folhas, pois já a haviam perdido há tempos.
            Não havia ninguém vivo que lembrava da existência daquela cidade, pois todos os que nasceram e, em algum momento da vida viveram ali, já estavam mortos ou tinham se esquecido completamente da cidade que um dia tivera vida. Não havia qualquer registro, dados e informações oficiais sobre a existência da cidade, de forma que ela não fazia parte da jurisdição de qualquer Estado ou País. Não havia placas indicando como chegar àquele lugar, mesmo por que, aquele lugar não existia. As rodovias que outrora levavam àquela cidade tinham sumido, como que consumidas pelo tempo. A antiga ferrovia também.
            Tudo ali era um completo e absoluto silêncio, pois não havia nenhum vivente por perto disposto quebrá-lo.
            Mas apesar de tudo, de todo o abandono, aquela cidade fantasma não estava totalmente morta.
            Um homem, em viagem de um lugar qualquer para um outro desconhecido, acabou se perdendo e saiu da estrada. Rumou sem destino por longas horas até que percebeu que a gasolina de seu carro estava acabando. Já era quase noite, e ele percebeu isso ao olhar para o relógio, pois pela janela do carro, olhando para o céu, não conseguiria distinguir que horas eram, se quem estava no céu era o sol ou a lua, já que não se via nenhum sinal de ambos.
            O barulho dos pneus do carro em contato com a terra e as pedras quebrou subitamente o silêncio naquela região deserta, mas logo o silêncio voltou a surgir quando o carro parou.
            O homem abriu a porta profundamente aborrecido. Só lhe faltava aquela mesmo: ficar no meio do nada, perdido, sem ninguém por perto. Bateu a porta com força ao fechá-la. Olhou ao redor, como que procurando alguém que pudesse lhe dar alguma informação ou ajuda, que pudesse pelo menos lhe dizer onde estava. Não encontrando, passou a mão no rosto, pensando no que poderia fazer naquele momento, naquele lugar. Olhou mais uma vez para o céu e de novo para o relógio, e percebeu que este havia parado. Tirou o relógio do pulso e o jogou no chão.
            - Que droga! Só me faltava essa agora – disse ele, consigo próprio. Começou então a dar alguns passos incertos, em qualquer direção, chamando por algum alguém. Mas ninguém lhe respondeu. Talvez só quem tenha lhe ouvido foi a cidade, que naquele momento, como que acordada em pleno sono, se mostrou, pela primeira vez em anos, a olhos mortais.
            A neblina que cobria a que outrora fora a entrada da cidade, afastou-se e o homem, ao ver aquela cidade sem vida que subitamente voltava a respirar, sentiu um arrepio correr por toda a sua espinha e um frio percorrer todo seu corpo.
            - Oi? Tem alguém aí? – chamou ele. Mas ninguém respondeu. Só então se deu conta de que estava completamente sozinho, na entrada daquela cidade.
            Hesitou por longos minutos, sem saber o que fazer. Pegou seu celular no bolso, mas para sua decepção, estava sem sinal. Chegou a tentar ligar para vários números, a fim de pedir ajuda, mas só o que ouviu foi o ruído estranho. Respirou fundo duas ou três vezes e com passos curtos e hesitantes, se dirigiu à cidade. A todo instante, olhava ao seu redor, a procura de alguém, de algo que lhe indicasse onde estava ou de pelo menos algum ser vivo. Aquela total ausência de vida ao seu redor lhe deixava inquieto. Mas precisava fazer algo, e continuou sua caminhada em direção à cidade, com cada passo mais lento do que o anterior.
            - Oi? Tem alguém aí? – tornou a chamar.
            Como o silêncio se fechava ao seu redor, ele retrocedeu e, ao olhar para trás, viu que a espessa neblina tinha descido, impedindo-o mesmo de ver seu próprio carro. Atemorizado, deu alguns passos incertos para o local onde julgava estar seu carro, mas tropeçou a acabou se machucando na queda.
            - Onde estou? Que cidade é essa? Onde foram as pessoas dessa cidade? – perguntava, como que sussurrando.
            À duras custas conseguiu se levantar e, mancando, foi caminhando até uma casa próxima de onde estava. Bateu na porta, chamou, mas não ouviu nada em resposta além do eco que reverberava pelos corredores e cômodos da residência. Empurrou a porta e viu que estava aberta, mas não ousou entrar na casa. Olhou para a rua, inteiramente deserta, viu as árvores nuas, mortas, inteiramente ressecadas. O único som que lhe chegava aos ouvidos era o de seus próprios passos.
            A cada dois passos que dava, ele parava e chamava, mas como nunca lhe chegava uma resposta, ele continuava a andar. Parou quando chegou a uma praça abandonada. Viu os bancos quebrados, um balanço com as correntes inteiramente enferrujadas e as pedras da calçada fora de lugar, como se alguém as tivesse retirado de seus devidos lugares, revirando-as.
            Já cansado e com a perna dolorida, ele se senta num banco daquela triste praça. Fica olhando ao redor, imaginando as pessoas que viviam ali e o que tinha acontecido a elas e à cidade para que o local tivesse se tornado aquilo que ele via diante de seus olhos.
            Perdido em seus próprios pensamentos, ele se esqueceu que estava sozinho num lugar desconhecido, até que ouviu um barulho longínquo, como de algo muito pesado sendo arrastado. Levantou-se de um salto e aguçou os ouvidos. Silêncio. Ele pensou que sua imaginação estava lhe pregando peças quando escutou novamente, o mesmo barulho, dessa vez mais próximo. E de novo e de novo. Assustado, procurou um lugar onde pudesse se esconder. Correu até uma casa grande, no final da rua, que estava com os portões e a portas abertas. Entrou e ficou escondido, num canto, agachado, abraçado às próprias pernas, esperando ouvir novamente aquele barulho, que ele não sabia do que se tratava. O único barulho que ouvia, no entanto, era o de sua própria respiração.
            Quanto tempo ficou ali, naquela posição, tremendo de medo, ele não sabia, mas tinha a impressão de que havia passado uma eternidade.
            A cidade inteira havia mergulhado, novamente, em seu mais completo silêncio, e ele resolveu sair de onde estava. Suas pernas ainda tremiam e seus passos eram inseguros. Percebeu que, do lado de fora, a neblina se adensara a ponto dele não conseguir enxergar absolutamente nada do que estava à sua frente. Chegou a esbarrar no portão de frente a casa e a tropeçar numa calçada. Caminhava com os braços esticados para frente, como se procurasse algo em que pudesse tocar. Tinha a impressão de que havia algo escondido naquela névoa, que o observava. Sentia um frio percorrendo todo o corpo e apressou os passos, para escapar daquilo que o estava escondido na névoa, mas parou quando esbarrou em algo. Algo se aproximava dele, e ele sentia isso. Escutou novamente aquele mesmo barulho, mais próximo, ao seu lado, junto ao seu ouvido. Suas pernas tremiam e algumas lágrimas começaram a lhe vir ao rosto. Sentia como se mil mãos lhe pegassem as pernas e o estivessem carregando para algum lugar. Tentou gritar, mas o silêncio ao seu redor era tão denso que sufocou sua voz. Sem mais forças para se manter de pé, ele desabou no chão, ainda consciente. Algo o estava sufocando de dentro pra fora e ele foi perdendo pouco a pouco a consciência. Sentia a neblina ao seu redor, densa, lhe abraçando, lhe engolindo pouco a pouco até que, por fim, fechou os olhos e caiu num sono profundo do qual nunca mais voltaria a acordar.
           

4 comentários:

  1. Angustiante metáfora da condição humana. Desolação. Morte. Desamparo. As neblinas da realidade psíquica. Um isolamento exterior das neblinas sufocantes que vêm de dentro. Excepcional paisagem do singular silêncio do desespero humano. Essa cidade nada mais é do que os fantasmas internos do ser, deslizando entre latências e manifestações Abraços, Alex.

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  2. Muito bom mesmo... poderia extender mais e daria um bom romance de suspense...

    Abraços Josué Melo

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