domingo, 1 de julho de 2012

A maldição da vida eterna


Em minha cegueira, eu acreditava ter sido abençoado com a juventude e vida eterna, e só depois de muito tempo, quando olhei ao redor e não vi mais nenhum dos que eu tanto amei ao longo de minha longa vida, foi que me dei conta de que o que tinha sido jogado sobre mim não uma benção, mas sim uma maldição.
            Não sei dizer quando e como tudo começou. Talvez tenha sido no dia, no exato instante em que olhei para a única mulher de minha vida, a quem tanto amei e, em meu desespero, desejei tê-la para sempre, viver eternamente para amá-la. Amei-a com tamanha intensidade desde o primeiro instante, desde que nossos olhares se cruzaram pela primeira vez, desejando que aquele instante durasse para todo o sempre que fechei os olhos e, em minha insensatez, pedi para viver para sempre. Na manhã seguinte, ao abrir os olhos e vê-la ao meu lado, sorrindo enquanto sonhava, soube, senti dentro de meu peito, no fundo de minha alma, que o meu desejo tinha sido, de alguma forma, por algum alguém, atendido.
            Amei-a desesperadamente, como se cada dia fosse o último de nosso amor, mesmo sabendo que este amor era eterno. A cada novo dia, a cada vez que eu a via sorrir enquanto dormia, quando a via despertar, abrindo preguiçosamente os olhos e sorrindo quando me via, eu me sentia mais e mais feliz, sentindo-me mais e mais abençoada a cada nascer do dia. Eu tinha todo o tempo do mundo para amá-la para todo o sempre, mas tinha uma eterna pressa, e mesmo sabendo da eternidade de nosso amor, tinha medo de perdê-la.
            Nosso amor, de tão intenso, deu muitos frutos, e tivemos muitos filhos aos quais amei cada um de uma maneira, mas com o mesmo amor. Curti cada momento de cada um de meus filhos, ouvindo suas primeiras palavras e ajudando-os em seus primeiros passos. Eles cresciam, pouco a pouco, mas a passos largos e decididos. Os bebês tornaram-se crianças saudáveis, as crianças, adolescentes, e os adolescentes, adultos, seguindo a lei natural envelhecendo dia após dia. Ao ver isso, ao ver que meus filhos já eram adultos, me dei conta de que eles já eram mais velhos do que eu. Foi só quando me dei conta disso, de que não podia envelhecer junto com meus filhos, que, pela primeira vez, senti o peso da maldição que carregava.
            Ao me ver no espelho percebi que tinha a mesma face de tantos anos atrás, apesar de sentir o peso da idade sobre os ombros, de sentir a alma envelhecida, e pela primeira vez em todos aqueles anos, chorei. Minha amada esposa, ao escutar o meu lamento, veio até onde eu estava, pegou-me pela mão e me guiou para longe de mim, onde eu podia me refugiar em seus braços e esquecer ou pelo menos não sentir com tanta intensidade o peso daquela maldição que carregava. Em seu colo, com os olhos fechados, eu conseguia não pensar, mas quando abria os olhos, que a olhava, que percebia o quão ela tinha envelhecido, o quão os anos pesavam sobre seus ombros, e me dava conta deque tudo precisava ter um fim, inclusive a vida.
            Passei dias a fio trancado no quarto, sem ver ninguém, sem falar com ninguém, perdido em meus próprios pensamentos quando me dei conta de que não podia ter uma vida plena, de que não podia envelhecer junto com aqueles a quem tanto amava. Senti o peso da solidão que se aproximava lentamente de mim.
            Minha esposa, minha amada esposa, abençoada como era, teve uma vida plena, envelheceu e foi agraciada com uma morte tranquila enquanto dormia. Na manhã seguinte, quando me levantei e vi que ela ainda dormia, senti, mesmo sem tê-la tocado, mesmo sem tê-la chamada e sem ouvir sua resposta, que ela já não mais vivia além de aqui, dentro de mim. Não chorei.
            Meus filhos, meus amados filhos a quem vi crescer e envelhecer dia a dia, foram agraciados com uma vida plena e morreram, um a um quando tinham completado o seu ciclo nessa vida. Eu não chorei com suas mortes.
            Meus amigos, todos os que tive em minha longa vida, foram tomando seus rumos, vivendo suas vidas, de forma que acabamos nos separando, e soube, muitos anos depois, quando tentei reencontrá-los, que todos tinham morrido. Também não chorei suas mortes.
            Meus netos e bisnetos vieram ao mundo e os amei, e quando vi que eles cresciam e ficavam mais velhos do que eu, preferi me afastar por que não queria ter que não chorar por suas mortes.
            Os meus olhos estão secos, assim como a minha alma, pois olho ao meu redor e não vejo ninguém, nenhum dos que eu tanto amei em minha vida. Julgava ter sido abençoado com a vida eterna, quando, na verdade, fui amaldiçoado com a solidão ao ver que todos a quem amava iam, um a um, deixando este mundo, deixando-me sozinho.

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