domingo, 10 de abril de 2011

Crônica da Solidão II

Estou sozinho. Talvez como nunca estive em toda a minha vida. Sempre fui uma pessoa de hábitos solitários, e as pessoas confundiram isso e me deixaram sozinho com a minha solidão. Às vezes quero chorar, sem esconder as lágrimas, mas nunca tenho ninguém por perto para que as veja banhando meu rosto. Às vezes quero gritar para ser ouvido, mas estou tão longe que, mesmo que arrebentasse a minha garganta com a força de minha voz, ninguém me escutaria. Às vezes, tudo que desejo e procuro é o calor de um abraço, mas só o que encontro é o meu próprio reflexo no espelho sendo abraçado por uma sombra. E sempre, tudo que preciso é de uma companhia, mas só o que encontro é a solidão.
            Pela primeira vez na vida percebo o quanto estou só. Não sozinho por opção, por ter procurado, por alguns instantes, estar a sós com minha própria sombra e pensamentos, mas sozinho por não um único alguém que me faça companhia, um único alguém que, mesmo não concordando comigo, consiga me compreender apenas pelo olhar ou pelo tom de minha voz. Eu nunca tive esse alguém, eu nunca o encontrei, por mais que o tenha procurado.
            A solidão me pesa no peito de tal forma que, mesmo quando cercado de pessoas, ainda me sinto só. Não encontro os olhos de ninguém quando os procuro, não vejo um único sorriso sequer, não ouso nenhuma voz a chamar meu nome, só escuto o barulho do vento e só vejo pessoas, andando de um lado para o outro, sem se importar com nada nem com ninguém, sem notar umas às outras. Isso é solidão: procurar e nunca encontrar, querer ouvir e nunca escutar, enxergar e nunca ser visto.
            Às vezes eu me canso de tanto esperar e sinto uma louca vontade de gritar, de deixar que meu clamor seja levado pelo vento para os quatro cantos do mundo, de correr, louco, sem destino certo, para onde meus pés me levarem. Mas de nada adiantaria se isso eu fizesse; o máximo que iria conseguir seria aumentar a minha frustração e ficar com o gosto amargo na boca.
            Não me lembro ao certo quando foi a primeira vez em que me senti só. Talvez tenha sido quando, quando criança, minha mãe se atrasou para me pegar na escola, que eu vi meus colegas indo embora, todo segurando firmemente na mão de suas mães, e só eu fiquei, no pátio da escola, sozinho, vendo todos indo embora, e só eu fiquei ali, esperando; talvez tenha sido quando, no colégio, fui mandado para a sala do diretor e tive que atravessar todos aqueles corredores longos e silenciosos, escutando o eco de meus próprios passos; talvez tenha sido quando vi todos os meus colegas de turma, na ocasião da formatura, indo comemorar, e só eu fiquei, sozinho, sem ter nada a comemorar, esperando sentado num banco de praça algo que nem eu sabia o que era; talvez tenha sido quando, na minha vez em que me apaixonei, a pessoa me deixou falando sozinho – ela até estava ali, mas não prestava a menor atenção ao que eu dizia; talvez tenha sido quando recebi, no trabalho, a primeira promoção e aumento salarial, mas não tinha com quem sair para comemorar naquela noite, e ir a um bar e tomar uma cerveja; talvez tenha sido quando, ao fim da festa, só eu fiquei para arrumar toda a bagunça e limpar a sujeira; talvez, talvez e talvez... São tantos talvez em nossa vida, são tantas incertezas que nem conseguimos imaginar em como seria se tudo fosse diferente.
             Não sei ao certo que fiz quando senti a solidão pela primeira vez em minha vida. Talvez tenha chorado; talvez tenha ficado calado, em silêncio, exatamente como estava; talvez tenha procurado uma companhia; talvez tenha corrido, a procura de algum alguém; ou simplesmente eu tenha ficado onde estava, conformado. Não que a solidão seja algo com que se deve conformar, se acostumar, pois com ela estamos sempre a sós, pois com sua companhia estamos sempre assim: sós.
            A solidão, para mim, é como o mar antes de uma tempestade, em que paira uma tensão no ar. É barulho e é silêncio; é calma e é agitação. A solidão, para mim, sempre teve a cor cinza. É de um cinza escuro, fechado, como o céu antes de uma tempestade que vai desabar sobre a minha cabeça. A solidão, para mim, é tão barulhenta quanto o mais completo e profundo silêncio em que ouço as vozes silenciosas que nada falam para mim, que nunca falam comigo. A solidão, para mim, é como uma folha de papel em branco, em que não há absolutamente nada escrito, na qual ninguém me escreveu, na qual eu não posso escrever, pois não tenho a quem direcionar minhas poucas e imprecisas palavras.
            Solidão é isso: é sentir-se sozinho, é saber que se está sozinho, é não ouvir o canto dos pássaros no início de uma manhã,é ouvir o barulho do vento balançando os galhos das árvores, é ver a tempestade que se aproxima, é ouvir as primeiras gotas d’água caindo no chão e encharcando a terra. Solidão nunca é bom de sentir. Sentimo-nos tão pequenos, tão limitados, tão tristes, tão sós...

2 comentários:

  1. já estive assim...descobri que estamos sós por opção, pois sempre terá alguém que nos olha com um olhar de quem adoraria ser visto por você, mas não é.

    ResponderExcluir
  2. Adorei sua crônica, tirei muitas ideias para a minha crônica escolar, não copiei, mas basiei-me em suas palavras. Ótimo !

    ResponderExcluir