Adoro acordar de madrugada com o
barulho da chuva caindo, com o barulho do tamborilar de seus dedos na janela de
meu quarto. Isso me faz lembrar de minha infância, quando, como toda criança,
eu tinha medo de trovão, e mal quando acordava de madrugada, que chovia, já com
medo de trovões e relâmpagos, eu me levantava e ia correndo bater na porta do
quarto de meus pais.
Lembro desses
momentos como se tivesse sido na madrugada passada. Eu batia na porta e ficava
lá esperando, descalço, pisando naquele chão frio. Ouvia meus pais se mexendo
na cama, sendo acordado em plena madrugada, no melhor do sono, por seu filho
mais novo, que não podia ouvir a chuva caindo e já vinha correndo com medo, e
depois ouvia a voz de minha mãe, perguntando quem era e o que queria (como se
ela não soubesse de quem se tratava). Eu, do outro lado da porta, com a voz
chorosa, pedia para ela abrir a porta. Ela vinha, abria a porta e olhava para
mim, enrolado em meu lençol, descalço, com os olhos sonolentos e, mesmo
tremendo de medo por conta do último trovão, que parecia fazer a casa inteira
balançar, sorria quando via aquela porta se abrir e minha mãe aparecer. Ela então
me mandava entrar e eu imediatamente corria e me jogava na cama e antes que ela
voltasse a se deitar, eu já estava dormindo.
Mas nem só de
medo são feitas as minhas lembranças da infância de dias e noites de chuva. Pelo
contrário, são mais feitas de felicidade mesmo. Lembro quando os dias pareciam
arrastados e preguiçoso e, para mim, entediantes, pois não podia sair, não
podia brincar, não tinha o que fazer o dia inteiro. Como todo menino, eu só
queria saber de brincar, de estar na rua, fazendo tudo, mesmo ficar em casa. Mas
a chuva lá fora não me permitia isso, pelo menos não enquanto meu pai não
chegava em casa após um longo e estafante dia de trabalho. Ela chegava se
protegendo embaixo de um enorme guarda-chuva preto, com a sua pasta debaixo do
braço e passava direto para o quarto, para se trocar. Pouco depois ele voltava,
usando apenas um calção, olhava para mim e fazia um gesto com a cabeça, para o
lado de fora. “Vamos tomar um banho de chuva?”, ele perguntava. Eu não
precisava nem responder, e saía correndo, abria os portões e corria para o meio
da rua antes mesmo dele. Logo outros meninos, vendo o exemplo, também corriam
para brincar na rua, para tomar um gostoso banho de chuva. Jogávamos bola,
corríamos de um lado para o outro, brincando, só meu pai, eu e meus amigos. Era
tão bom aquele banho de chuva, lavava a alma de forma tão completa como nenhum
outro banho é capaz de lavar!
Essa madrugada,
quando acordei, enquanto escutava o barulho da chuva, lembrei-me disso tudo, e
senti uma tremenda saudade das madrugadas de medo e dos dias e noites de
felicidades provocadas por um simples
banho de chuva. E vendo o louco dia a dia em que vivo, de muito trabalho e
pouco tempo para mim, percebo a distância e a diferença existente entre o eu de
ontem e o eu de hoje. Hoje, mesmo quando estou de folga, em casa, sou uma
pessoa constantemente preocupada, ocupada, que reclama constantemente da falta
de tempo. Talvez, hoje, na verdade, o que me falta seja um bom banho de chuva,
como os que tomava com meu pai, para me livrar de todas as preocupações e
tensões do dia a dia, para poder voltar, nem que seja apenas enquanto durar o
banho de chuva, o menino que um dia fui, que tinha medo de trovões e relâmpagos,
mas que adorava banho de chuva.
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