domingo, 14 de novembro de 2010

Cognomes

Sabe aquele assunto que parece que você é o único ser vivente na Terra que repara e sente grande fascinação? Algo como o único assunto numa mesa de bar que você puxa, se empolga, começa a falar com tal empolgação que nem repara que todos estão em silêncio, olhando fixamente para você e que, quando você termina, um alguém se levanta, agradece a companhia de todos, mas que tem que ir embora? Algumas pessoas, por vezes, até reparam no assunto, mas nem se dão conta do que realmente significa e por que está ali? Pois bem, quando o assunto é cognome eu me sinto assim.
            Sempre tive grande fascinação por cognomes, por aqueles que verdadeiramente se incorporam de tal forma ao nome da pessoa que fica impossível dissociá-lo. Algo como Ricardo Coração de Leão. Se não fosse seu cognome, ele seria só mais um homem chamado Ricardo. Já pensou se nós fôssemos estudar a história dos monarcas e das cruzadas e, ao nos referirmos a ele, falássemos apenas Ricardo, ao invés de Ricardo Coração de Leão? Há exemplo também do próprio irmão de Ricardo Coração de Leão, que recebeu a alcunha de João Sem Terra. Exemplos, há aos milhares, principalmente naquele período histórico da Idade Média, início da Renascença, Cruzadas, mas se recuarmos um pouco no tempo, iremos encontrar muitos e célebres cognominados. Até hoje em dia ainda se usa o cognome que, de tão forte e marcante que é, substitui até os sobrenomes e, se brincar, eles estão até lá no Registro Civil da pessoa, pela forma com que se incorporou à sua pessoa, se tornando mais do que uma alcunha, recebendo mesmo o valor de um sobrenome, que, sem ele, não se é ninguém.
            O cognome é algo que qualifica, que tem estreita relação com a personalidade, feitos e a história da pessoa, que o faz até ultrapassar os tempos e ser conhecido por vários séculos vindouros. O cognome é único e próprio, que o filho não herda do pai, mas que tem que conquistar o seu próprio.
            Cognomes existem desde tempos imemoriais e distinguem pessoas, mas há casos, também, de personagens da literatura que os receberam. Dom Quixote, por exemplo, o maior herói da cavalaria andante da história e da literatura mundial, recebeu o cognome de Cavaleiro da Triste Figura, mas, devido a sua bravura, ficou conhecido, mais tarde, como Cavaleiro dos Leões, depois do episódio em que desafiou um leão e saiu vencedor.
            Há grandes monarcas e cavaleiros que receberam cognomes para distingui-los, de forma que encontramos até em livros de história, como nos anais da história de grandes reinados, como da França, desde a época da Dinastia Carolíngia. Temos, por exemplo, Pepino III, que ficou conhecido como O Breve ou O Moço, Carlos Magno, O Grande, Luís, O Piedoso, Filipe III, O Bravo ou O Ousado, Luis XIV, o Rei-Sol ou o XV, O Bem Amado; na Inglaterra temos, além de Ricardo Coração de Leão e João Sem Teto, encontramos Guilherme I, O Conquistador, entre tantos outros; na Espanha vemos Filipe II, O Prudente, Filpe IV, O Grande. Encontramos grandes nomes, uns mais conhecidos, outros, talvez, nem tanto. Mas há também cognomes não tão desejados, como é o caso da rainha Isabel II, da Espanha, que é conhecida como A Chata, Carlos II, também da Espanha, O Amaldiçoado, Maria I, da Inglaterra, A Sanguinária, Eduardo I, o Pernas Longas, na França, Luis VI, O Gordo, Luis II, O Gago, Carlos II, O Calvo e já houve até uma que ficou conhecida como A Rainha Louca. Cognomes podem ser graus de distinção, algo que o qualifica, mas também pode ser uma característica, o fato é que o cognome está de tal forma imbricado ao nome do indivíduo que se o retirássemos ele seria apenas mais um.
            Hoje em dia temos famosos cognominados, principalmente no esporte. Como, por exemplo, jogadores de futebol. Temos Adriano, O Imperador, Luís Fabiano, O Fabuloso e Ronaldo, Fenômeno, sem bem que este esteja recebendo um outro cognome, depreciativo, devido à sua forma física, ficando mais conhecido como Ronaldo Bola ou Ronaldo, O Gordo.
            Mas se engana quem acha que os cognomes são exclusividade para os ricos, poderosos e famosos. Temos ilustres anônimos que recebem seus cognomes em todos os cantos do país que se vá. Não existe uma feira de bairro que não tenha o seu José da Barraca de Fruta, o Chico Peixeiro, o João Vendedor de Verdura, o Manoel Açougueiro, entre tantos outros.
            Passei os últimos dias pensando no cognome que eu receberia, por alguma distinção, característica ou coisa que o valha. O cognome, como já disse, tem que ser algo que verdadeira se incorpore ao meu nome de batismo, algo que seja uma marca minha. Cognome não é uma palavra, mas sim algo que me seja próprio, que me torne único.
            Eram horas angustiantes as que eu passava, em busca de meu cognome, quando expus os motivos de minha aflição a um amigo, que me respondeu dizendo que eu deveria me chamar Lima Neto, o Talvez. Achei, óbvio, aquela ideia o cúmulo do ridículo. Que diabo era um cognome como aquele, Talvez? Pensava em algo como Lima Neto, O Escritor, Lima Neto, O Livreiro, o mesmo Lima Neto, O Chato, O Resistente às Novas Tecnologias ou mesmo O Preguiçoso, mas estes me pareceram muito óbvios, algo como um Lugar Comum, que poderia ser o cognome de qualquer pessoa, não sendo necessariamente só meu. Mas pensando melhor, vi que o Talvez realmente tenha sido uma marcante característica minha, ao longo de toda a vida. O Talvez sempre me eximiu da culpa de um Sim dado em um momento errado e me tirou a responsabilidade de um Não inoportuno. Eu sempre fui uma espécie de Meio-Termo, nem sim nem não, sempre fui o Talvez. Então fico eu a partir de hoje, o Lima Neto, O Talvez. Tudo bem que talvez você, leitor, fique bestificado com os rumos que tomou essa crônica, talvez até nem volte a visitar esse blog, de tão chateado que ficou e esteja pensando seriamente que Talvez eu precise fazer uma visita a um psiquiatra. Pois é, definitivamente, o Talvez bem que combina comigo e irá ser incorporado ao meu nome de batismo e irei carregá-lo a partir de hoje até o fim de meus dias.

2 comentários:

  1. e você, amigo leitor, qual é seu cognome? por que é conhecido como tal?

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  2. Jura,vai se chamar assim? Acho que não. Acho que você não merece isso. Talvez não é uma palavra que exprima prosperidade, boa-venturança, acho até que soa assim.. zombeteiro. E também entendo que o dono do cognome não deve opiná-lo, ele lhe é imposto e o titular apenas tem que aceitar e assumi-lo. Eu não tenho cognome, pelo menos acho que não tenho rs,rs,rs , mas se tivesse iria aceitá-lo, fazer o quê?
    Quanto a sua crônica, está linda! muito bem escrita parabéns!

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