sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Na pior das hipóteses...


Após um longo e estafante dia de trabalho um casal se dirigia a casa. Estavam ansiosos, tanto ele como ela, pois aquele era o primeiro dia em que o filho ficaria em casa sozinho depois de chegar ao colégio. Decidiram, de comum acordo, que o menino já estava grandinho para ter babá e já podia passar algumas horas sozinho em casa, enquanto eles não chegavam, embora ela ainda o achava muito jovem, afinal de contas, “vai que acontece alguma coisa!”, dizia ela, arrepiada só de pensar, e arrependida, pensando em pegar o telefone e ligar imediatamente para a ex-babá e readmiti-la. Só não fez isso porque o marido a impediu. Estava ansioso, sem dúvida, mas orgulhoso. Afinal de contas, as primeiras horas sozinho em casa fazia parte de um processo natural de iniciação de todo homem. Era naquele momento que se deixava de ser criança e passava-se a ser adolescente e daqui a pouco, homem.
            - Não dá para ir mais rápido? – olhava ela para o relógio.
            - Não se preocupe, amor. Ele está bem – respondeu ele.
            Quando o carro parou num cruzamento, ela reclamou.
            - Por que você parou? Aconteceu alguma coisa? Você por acaso está sentindo alguma coisa que eu, como mãe, não estou sentindo? Conte-me, por favor. Não me deixe nessa agonia.
            - Amor, eu só parei o carro porque o sinal fechou – falou ele, já se deixando contagiar com a ansiedade da esposa.
            Pegaram trânsito lento, sinais fechados, tiveram que fazer um desvio, que, no final das contas, acabou atrasando-os ainda mais. Finalmente, quando chegaram ao bairro, escutaram um som muito alto, tocando uma música da moda, dessas que os adolescentes de hoje costumam ouvir.
            - Nossa, esses adolescentes de hoje escutam cada coisa!
            - Pois é, querido. No nosso tempo ainda havia música de verdade. Ainda lembro quando você ia me levar para passear e escutávamos juntos Fábio Junior.
            - Pois é, querida – falou ele, em seguida ficou em silêncio. Gostava, sim, daqueles tempos do namoro, mas não gostava de lembrar que um dia escutou Fábio Junior. Com certeza, naqueles tempos era só para agradá-la, para se mostrar romântico e sensível.
            Quando dobraram a esquina e sua rua, o som ficou ainda mais alto e conseguiram identificar a música. Era de um cantor mundialmente conhecido, que tinha uma voz muito fina, como a de uma menina que acabou de entrar na puberdade.
            - Que música horrível!
            - Fecha os vidros do carro, amor.
            Ele então fechou os vidros, mas era tarde demais. Haviam escutado o refrão da música, que ficou ecoando em suas cabeças. Era algo como “Baby, Baby, Baby, oooohhhh!, Baby, Baby, Baby, oooohhhh!”, com aquela voz irritante, que o ouvinte não conseguia identificar se era de um menino ou de uma menina, embora todos afirmassem que, sim, se tratava de um menino!
            Horrorizados, perceberam que aquele som insuportavelmente alto vinha de sua casa. Ele parou o carro bruscamente em frente de casa, olhou para ela e ambos falaram em uníssono: “Junior!”. Abriram as portas e correram. Na pressa, ela esqueceu de pegar a bolsa e ele as chaves de casa, junto com o chaveiro dentro do porta-luvas. Tiveram que recorrer a campainha. Estavam desesperados, quando, finalmente, na pausa entre uma música e outra, o menino, dentro de casa, ouviu os gritos da mãe. Abaixou o som e foi abrir a porta.
            Os pais entraram em casa e viram tudo organizado, nos seus devidos lugares. O único problema era aquele som. O menino, desinibido que era, voltou ao que estava fazendo antes: ouvir música e ensaiar os passos de dança do cantor.
            Eles chamaram o jovem, explicaram que não deveria escutar música naquele volume de som, que incomodava os vizinhos, etc, etc e etc. Jantaram, tranquilamente, e depois que o menino foi se deitar, ficaram os dois, na sala, em silêncio, um olhando para o outro. Antes mesmo de abrirem a boca, já estavam de acordo com o retorno da babá. Lógico que, pela idade do menino, não iriam mais chamá-la de “babá”. Iriam contratar uma pessoa para cuidar da casa, da arrumação, para cozinhar e até, para, vez por outra, dar uma olhada em Junior, mas não para ser sua babá. Era melhor que tivesse alguém em casa até o menino poder realmente ficar sozinho de casa e, na pior das hipóteses, era melhor ele escutar (devido a influência da “babá”) sertanejo, forró ou coisa que o valha do que as músicas que os adolescentes de hoje em dia ouvem.

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