domingo, 1 de março de 2009

O Rei do Castelo de Névoa - conto

Era madrugada e a lua já iniciava sua descida, indo se esconder atrás da montanha. Sua majestosa luz prateada ia, pouco a pouco, dando lugar a luz rosada da Aurora, que tocava com seus dedos o firmamento. Ao pé da montanha, na aldeia, o galo já se empoleirava sobre um galho, preparando-se para anunciar o nascer do sol, o início da manhã.
Fazia frio, e os aldeões, ao antes do ouvirem o canto do galo, já abriam seus olhos e, mesmo sonolentos, já se levantavam de suas camas, pois teriam um longo dia de trabalho. O galo cantou ao ver o primeiro raio de sol surgir no céu, estufou seu peito e cantou, tão alto que sua voz foi ouvida por todos na aldeia, por toda a floresta. Com seu canto, todos os pássaros acordaram, abriram suas asas e saíram de seus ninhos para encher o ar com seus cantos harmoniosos.
As pessoas saíam uma a uma de suas casas, mas mal passavam de suas portas e paravam, observando, boquiabertas, o que se descortinava bem de frente a aldeia. Ali, onde existia uma imensa área cultivável, para onde todos os homens se dirigiam todas as manhãs, havia sumido. Só se via uma densa névoa, que descera, por certo, da montanha e se instalara ali, bem em frente à aldeia. As pessoas, paradas em frente a suas casas, olhavam umas para as outras, procurando uma resposta, uma explicação para aquilo que estavam vendo. Mas ninguém sabia ao certo o que era aquilo. Alguns já depositavam no chão suas ferramentas de trabalho e davam passos inseguros em direção a névoa. Alguns, já impacientes com aquela situação, já esticavam até os braços para tocar aquilo que se interpunha entre eles e seu local de trabalho. Mas seus membros esbarravam em algo sólido como uma montanha. Estes se viravam para os outros, que, espantados, também esticavam os braços para tocar naquilo que se formara tão rápido, do dia para a noite. Logo toda a aldeia estava de pé, observando aquela estranha névoa.
Quando o sol já estava alto no horizonte soprou um vento forte, vindo da montanha, que levou para longe a maior parte da névoa. E por trás dela surgiu um imenso castelo, branco como a névoa atrás da qual estava escondido. E lá do alto, da sacada, apareceu um homem vestido com toda a pompa. Usava inúmeros anéis, segurava na mão direita um cetro e ostentava na cabeça uma imensa coroa, cravejada de pedras preciosas. Com sua voz portentosa, ele se declarava rei da aldeia. As pessoas, uma a uma, foram se ajoelhando, abaixando suas cabeças, em saudação ao seu monarca, que as observava, impassível, sentado em seu trono.
A partir daquele dia os aldeões estariam submetidos as leis ditadas pelo rei. Teriam que pagar tributos, em dinheiro, e teriam que pagar pelo uso das terras cultiváveis, antes coletivas, mas que agora ficavam dentro do muro do castelo, sendo, portanto, do rei.
Todas as manhãs, agora, os aldeões acordavam antes do nascer do sol, pois o galo, que passou a ser propriedade do rei, era obrigado a cantar antes da hora. Os homens saíam de suas casas sonolentos, com suas ferramentas sobre os ombros. Trabalhavam muitas vezes sem descanso até o pôr do sol, quando tinham permissão para voltarem a suas casas. Até as mulheres estavam sujeitas aos caprichos do rei. Eram obrigadas a ir limpar, todas as manhãs, o pátio do Castelo de Névoa, e cuidar do jardim. O rei nunca se levantava de seu trono. Ficava o tempo todo lá do alto, a observar seus súditos. E, se por um acaso algum deles não fazia as coisas como havia ordenado, seria severamente castigado por um próprio companheiro, pois assim o rei ordenava. E se deste se negasse a fazer o que o rei mandava, os dois receberiam o castigo de um terceiro.
Ninguém nunca contestou a autoridade do rei, pois ela parecia legítima e, além do mais, ele empunhava um cetro e ostentava uma bela coroa dourada. Sentiam-se oprimidos, tristes por não terem mais suas terras em que cultivas, por não poderem mais usufruir de sua liberdade. Mas se calavam ao ouvir a voz do rei, que era como o ribombar de um trovão quando estava furioso, e os aldeões, por mais que se sentissem injustiçados, se calavam nessas situações.
As crianças não podiam mais brincar fora de suas casas, correndo livres pelos campos, pois o rei odiava o barulho de seus risos. Os pássaros não podiam mais voar e cantar, já que suas vozes incomodavam a sensível audição do monarca.
Mas uma pessoa, um rapaz, nada fazia como o rei mandava. Já fora castigado inúmeras vezes, por seu próprio pai. Ficava a maior parte do dia sentado, em frente a sua casa, mostrando-se ao rei, que não mais tinha autoridade para mandá-lo trabalhar. O rei o temia da mesma forma que era temido por todos os aldeões. Já tentara expulsa-lo de sua própria casa, mas o jovem desdenhou suas palavras, deixando-o proferir ao vento suas palavras insensatas. Os aldeões assistiam à contenda dos dois, e alguns chegavam até a tentar interceder a favor do rei. Até o pai do jovem, apesar de todo o amor que sentia pelo filho, lhe pedia para aceitar calado a sua situação, de súdito. O filho, ao ouvir tamanho despautério proferido pelo pai, sentia como se um punhal tivesse sido cravado em seu peito. Continha as lágrimas para que seu pai não visse culpado.
Numa manhã, quando o sol estava em seu ponto mais alto, e o rapaz estava sentado à porta de sua casa, observando o castelo e seu rei, quando se levantou muito lentamente. Parecia ponderar sobre o próximo passo que daria. Deu o primeiro passo, e logo se seguiram outros. Andava com os olhos voltados para o alto, observando o rei, que o observava lá de cima. Chegou ao pé da muralha do castelo, e viu o quão artificial ela era feita, que parecia sólida como uma rocha, mas que, no fundo, não passava de névoa. Olhou para o alto e viu o rei, pela primeira vez, se levantar de seu trono e parar à amurada do castelo. Os olhos dos dois se encontraram. Um pequeno e quase imperceptível sorriso surgiu na face do rapaz, que olhou para trás e percebeu que era observado por todos, homens e mulheres, que temiam a fúria do rei, que viria após aquela afronta. O rapaz respirou, sentindo o ar encher seus pulmões, sentindo o cheiro da terra recém-semeada. Abaixou a cabeça, pensando bem no que ia fazer. Passou lentamente as mãos no rosto, com os olhos fechados. Quando tornou a abri-los, fitou bem o monarca, pois esta seria a última vez que o faria. Respirou fundo, enchendo bem os pulmões, duas ou três vezes, expirando devagar. Tornou a puxar novamente o ar para dentro de si, mas desta vez o segurou fundo, para liberá-lo de uma vez, num sopro, em direção ao castelo. O sopro foi tão forte que parecia uma ventania, e o castelo, por ser feito apenas de névoa, foi levado pelo vento, ficando apenas o rei, que empunhava não mais um cetro, mas sim um pedaço de galho seco e tinha sobre a cabeça apenas umas folhas de uma planta qualquer. Não havia percebido que seu castelo se desmanchara, e tentou falar, e sua voz, agora, soava tão baixo como um sussurro. Os aldeões, vendo que tudo pelo qual passaram não era mais que uma ilusão, foram, uma a uma, para suas casas, cuidar de seus afazeres, deixando aquele rei sem súditos falando sozinho.

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