domingo, 15 de março de 2009

Entre Lágrimas e Risos - Conto


Mal o sol havia nascido por inteiro no horizonte e uma menina, já desperta pelo barulho que se fazia em frente a sua casa, estava sentada, pasma com o que seus olhos viam. Passava as costas de suas mãos a todo instante em seus olhos, como se não acreditasse no que tinha diante de si. Tinha um sorriso estampado na face, pois de frente a sua casa, do outro lado da rua, a poucos metros de onde estava, era montado um circo, recém-chegado a cidade, com toda a sua parafernália e barulhos, artistas e operários, animais e crianças, estas correndo soltas, livres, de um lado para outro, sob o olhar vigilante de seus pais, que ocupados como estavam com a montagem das arquibancadas, palco e picadeiro, não podiam dar a seus filhos a atenção necessária. E a menina, fascinada como era por circo, via tudo isso diante de seus olhos e percebia a felicidade estampada em cada face, em cada adulto, em cada criança, e até nos animais, que mesmo estando presos em correntes ou enjaulados, pareciam satisfeitos com a atmosfera em que viviam, de brilho, risos e alegria. Esta menina, com olhar perscrutador, observava atentamente cada uma daquelas pessoas, quando seus olhos caíram sobre um homem que, curvado, pegava um pesado martelo para bater com ele um prego, depois estendia um pedaço de lona sobre a armação de madeira e metal da estrutura do circo e em seguida ia até uma fonte próxima, enchia de água um grande balde e, com as mãos em concha, jogava um pouco d’água no rosto e sobre os ombros. Esse homem, já bastante velho, apesar de seus rijos músculos, parecia a única pessoa que não estava feliz naquele dia, e a menina via até uma única e solitária lágrima escorrer pelo seu rosto, misturando-se ao suor que corria em abundância e a água que tinha recém jogado em sua face. Ela se pergunta como esse homem podia se sentir de alguma forma infeliz, pois o circo era um ambiente de alegria, em que todos deveriam estar felizes.
À noite, quando o último raio de sol sumiu no horizonte, todas as luzes do circo foram acesas. Era uma profusão de cores vibrantes e alegres, e alguém, pelo alto-falante, anunciava e convidava a todos para assistirem ao espetáculo. A menina, muito excitada, foi a primeira a comprar seu ingresso na bilheteria recém-armada em frente a entrada do circo e sentou-se na primeira cadeira, de frente ao palco. Seus olhos brilhavam de tanto contentamento. Olhava para todos os lados, embriagada com todas aquelas cores que a cercavam. As cadeiras eram coloridas, a lona do teto era colorida e até as pessoas que estavam ali usavam roupas coloridas.
O espetáculo teve seu início quando um homem apareceu como que num passe de mágica, surgido por entre a fumaça e o brilho dos fogos de artifício. O barulho dos aplausos a cada número apresentado era ensurdecedor, mas ninguém reclamava disso, pois eram suas próximas mãos que, por si sós, batiam uma contra a outra, eram de suas bocas que emitiam os mais altos e vibrantes assobios. Houvera a apresentação dos mágicos, equilibristas, números do trapézio, dos animais, mas o mais esperado, o que dava a magia, a graça e alegria do circo ainda estava por vir, e a menina, com os punhos fechados, quase não se contendo mais em si, de tamanha ansiedade, ouviu quando à sua frente, vindo da parte de trás do palco, escondido atrás da cortina, alguém que corria e a cada passo era como se um enorme peso caísse no chão. A cortina lentamente se abriu e a criança viu, com olhos esbugalhados, surgir no palco, o mais belo palhaço que já vira em sua vida. Tinha cabelos multicoloridos, um enorme sorriso pintado em sua face, calçava sapatos enormes, usava uma enorme calça branca, repleta de pontos, cada um de uma cor, e uma camisa de corres berrantes, além de suspensórios cores nada discretas.
O público vibrou, aplaudiu, assobiou, se divertiu e, acima de tudo, riu muito de cada palavra, de cada piada, de cada número apresentado pelo palhaço, mas nenhum daqueles expectadores estava em maior êxtase do que a pequenina menina sentada na primeira cadeira de frente ao palco. Seus olhos quase não piscavam, sua boca não se fechava, aberta o tempo todo num sorriso de alegria. E quando o espetáculo terminou, ela foi a última a se levantar para ir embora. Esperava que o palhaço voltasse e contasse só mais uma piada, do qual somente ela pudesse rir. Mas o palhaço não apareceu e quando as luzes do palco começaram a ser apagadas ela saiu, mas com o intuito de voltar no dia seguinte para ver novamente aquele tão belo e feliz palhaço.
Na manhã seguinte, logo que o sol clareou e o céu ficou de um límpido azul, a menina se levantou e foi para frente de sua casa, para ver o circo. Novamente observou, andando de um lado para outro, aquele mesmo homem curvado, que parecia sempre triste com alguma coisa. A menina teve vontade de se levantar e ir até ele, segurar em sua mão e leva-lo até ao palhaço, pois ele, sim, poderia fazê-lo sorrir e se sentir alegre. Mas ela nada fez, já que era muito tímida e não sabia onde encontrar aquele que podia fazer o homem feliz.
Novamente, quando o sol se pôs no horizonte, as luzes foram acesas e teve início o espetáculo. Mais uma vez a menina foi a primeira a entrar e se sentou na primeira cadeira de frente ao palco. Nenhuma das atrações que vira dessa vez lhe chamou a atenção ou arrancou um “oooohhhh!!!” de seus lábios, pois ela tinha vindo naquele dia só e unicamente pelo palhaço, que, mais uma vez, foi o último a subir ao palco, o que aumentou a ansiedade, mas não diminuiu nem um pouco a felicidade da menina ao ver aquelas roupas tão belas e aquele sorriso tão radioso pintado na face.
Mas no dia seguinte ao acordar e ver novamente aquele homem com aparência tão abatida e triste, a menina resolveu que iria fazer alguma coisa por ele: iria procurar pelo palhaço e pedir que ele ajudasse àquele homem.
E no final da tarde, pouco antes de ser anunciado o início do espetáculo, a menina saiu de casa e entrou sorrateiramente no circo. Passou por baixo da lona, caminhou por entre as cadeiras, subiu no palco e afastou a cortina para ver onde o palhaço se encontrava. Viu onde os animais estavam sendo preparados, onde as dançarinas se maquiavam, onde o mágico escondia seus segredos, mas nada do palhaço! Foi até o local mais afastado do circo, até um trailer e espiou lá dentro pela janela. Viu, estendida sobre a cama, as roupas do palhaço, assim como sua peruca, chapéu e utensílios que usava em sua apresentação. Ficou na ponta dos pés para espiar melhor lá dentro, até que viu um homem, de costas, se aprontava. Ele estava sentado de frente para um espelho e suas mãos cobriam seu rosto. Assim ele ficou durante um tempo que pareceu uma eternidade para a menina, que quase não respirava do lado de fora, de onde espiava, até que, finalmente, ele se levantou e deixou que suas mãos lentamente deslizassem pelo seu rosto. A menina não acreditou no que seus olhos viam: diante dela, separada apenas por uma fina parede de tabulas, estava aquele homem que ela via todo dia, a quem julgava tão triste e distante, estava aquele a quem ela via toda noite, alegre e festivo quando fantasiado de palhaço. Quase tropeçou e caiu no tamanho o espanto por ter descoberto tão valioso segredo, e correu, por temer ser descoberta.
Naquela noite, mais uma vez foi a primeira a entrar no circo e se sentar de frente ao palco. Esperou pacientemente que cada uma atração entrasse e saísse. Tinha vindo ali, mais uma vez, pelo palhaço, pelo homem que via toda manhã e que toda noite se fantasiava, vestia, pintava uma máscara representando alegria e subia no palco.
Pela primeira vez ela não viu apenas o sorriso do palhaço, mas seus olhos e jurou ver, se desprender de seu olho esquerdo uma única lágrima, que escorreu pela sua face e manchou sua maquiagem. Ao ver isso, ela se levantou bruscamente, sem saber por que, e saiu, foi para sua casa, e se jogou na cama, escondeu a cabeça no travesseiro e dormiu um sono pesado, em que sonhou com um palhaço triste.
Foi acordada na manhã seguinte antes do sol nascer e, ao sair de casa, viu uma agitação entre as pessoas do circo. Procurou com os olhos o homem triste, mas não o encontrou a princípio. Olhou para todos os cantos, para todas as pessoas, até que seus olhos caíram sobre uma pessoa que ela via caminhar de forma ereta. Olhou diretamente em seus olhos e reconheceu aquele a quem procurava, e jurou ver, pelo brilho de seus olhos, um lampejo de alegria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário