
O tempo passa, e nós, os mais-novos,
já sendo adolescentes, mesmo com todo aquele espírito de rebeldia e de natural
desejo-de-independência, começamos a mudar a opinião sobre o irmão-mais-velho. Ele
não é mais o chato de outra época, de alguns anos atrás, mas, ainda assim, nós
ainda insistimos, só para nós mesmos, em rotulá-lo, injustamente, como tal. Ele
não é mais o vigilante, o que vai nos enredar aos nossos pais, o que vai nos
dizer que é hora de entrar ou que não devemos fazer isso ou aquilo, mesmo
porque, nessa época, nós mesmos já sabemos distinguir (na nossa opinião) o que
é certo e o que é o errado, mas, mesmo assim, continua a nos observar
atentamente, dessa vez com um olhar mais brando, não militar como de outrora, mas
com um olhar de cuidadoso observador. Fingimos, por vezes, que não, mas lhe
damos ouvidos quando ele, tomando o seu lugar e a responsabilidade de direito,
vem nos dirigir uma palavra, um conselho de um alguém já amadurecido, calejado
pela vida, que só quer o nosso bem, que quer nos guiar pelo caminho certo. Nós,
rebeldes, por vezes, como somos, só de pirraça, fazemos questão de mostrar que
faremos as coisas de nosso jeito, mas que, tão logo ele vira a cara,
desapontado por nós “não lhe termos dado ouvidos”, que não está mais olhando
(só para não lhe dar o gostinho!), nos pomos no mais completo silêncio e a
pensar em cada palavra dele, e vemos que ele tem razão, e resolvemos seguir
passo a passo o que e como ele aconselhou a fazermos.
Na idade adulta, já com todo o peso,
responsabilidade, amadurecimento e justiça que tal idade traz, ao olhar para
trás, que revemos e revivemos cada momento, cada lembrança que temos de nosso
irmão-mais-velho, percebemos o quão injusto fomos com ele no passado,
principalmente na infância. Notamos que, olhando para dentro de nós, temos mais
dele do que ele jamais imaginaria. Guardamos bem mais doces lembranças dele do
que lembranças chatas.
Lembramos da felicidade que era o
dia em que ele resolvia limpar suas coisas, que ia rever o que não mais queria,
e que nos dava aquele objeto-de-desejo que era determinada coisa que olhávamos
com olhos tão cobiçosos por tanto tempo, e quando recebemos tão presente, o
pegamos nas mãos como se fosse uma o mais precioso e delicado cristal do mundo
e passamos dias sem fim sem larga-lo. Lembramos com especial prazer dos
brinquedos dele, que ele cuidou com tanto zelo durante tantos anos, e do júbilo
que foi o dia em que os recebemos como herança que ele nos lega, em que,
mentalmente, juramos fazer por onde tê-los merecido por herdá-los, que juramos
zelar por eles da mesma forma que ele zelou para que a próxima geração possa ter
o prazer de brincar com aqueles brinquedos que são tão preciosos e cheios de
histórias. Ficamos com o coração despedaçado quando vemos a geração seguinte
(normalmente os primeiro sobrinho) destruir os brinquedos que duraram tantos
anos, que passaram tantos anos para chegar até eles, serem destruídos assim, em
fração de segundos. Ficamos com vontade de esganá-los, não por ele ter destruído
um brinquedo que foi nosso, mas por ter acabado com algo que foi de nosso
irmão-mais-velho.
O irmão-mais-velho é aquele de quem
herdamos as coisas, e não apenas as materiais, como os brinquedos, que foram destruídos
pelo primeiro sobrinho, mas as coisas imensuráveis, imateriais. Herdamos gostos,
como o pela leitura dos quadrinhos, que começou a ser adquirido quando
acompanhamos ele e nosso pai a banca de jornais, e que por ver o patriarca
comprando uma revista para o primogênito exigimos o nosso direito de ganhar,
também, a nossa, mesmo que a gente não as leia. Mas só em ir, mensalmente, à
banca, acabamos por, aos poucos, ir olhando com outros olhos para as
revistinhas e começamos a tomar o primeiro gosto pela leitura, seguindo os
passos do primogênito.
Como legítimos herdeiros, herdamos,
também, o gosto pela leitura, seguindo os mesmos passos dele, mesmo por que são
dele os primeiros livros que pegamos de empréstimo (e alguns a gente até
esquece, propositalmente, por vezes, de devolver, torcendo para que ele se
esqueça do livro e nós possamos herdar o nosso primeiro livro). Herdamos,
também, os gostos pelas músicas sem que a gente perceba. Começamos a gostar das
mesmas músicas que ele, a ter os mesmos ídolos, a ter a mesma rilha sonora de
nossa vida, mesmo sem saber, ainda, quem são aquelas pessoas que tocam aquelas
músicas e quais os nomes dos artistas e das bandas, mesmo sem saber o que quer
dizer a letra daquela canção.
O irmão-mais-velho é aquele alguém
que é uma espécie de banco a quem recorremos, principalmente na adolescência,
quando ainda não trabalhamos e os vemos, já, ganhar seu próprio dinheiro. Chegamos
meio timidamente e pedimos dinheiro emprestado (que nunca pagamos) para ir ao
cinema, fazer um lanche ou para sair com a nossa primeira namorada.
Somos eternamente gratos ao
irmão-mais-velho por ter sido ele o que nos levou ao primeiro show, que nos
levou para passar o primeiro carnaval longe dos pais, numa casa de praia com um
monte de amigos, justamente o mais legal carnaval de nossa vida.
O irmão-mais-velho é aquele que nos
orienta a seguir os passos dele, pois ele já sabe os atalhos e, por querer
tanto o nosso bem, nos conduz tão suavemente, nos dando as opções, não nos
influenciando, mas nos orientando pelo que ele julga (e sabe) ser o melhor.
É ele um dos que mais vibra quando
passamos no vestibular, que nos ensina onde ir no dia de fazer a matrícula na universidade,
que se preocupa em saber se estamos de posse de toda a documentação, que quer
saber como foi o primeiro dia de aula, que incentiva na árdua procura pelo
primeiro estágio e que liga quando saímos de nossa primeira entrevista de
emprego e que vibra e quer comemorar quando conseguimos o primeiro emprego.
É o irmão-mais-velho aquele que, no
dia de nosso aniversário, é dos primeiros a ligar e faz questão de querer sair
para almoçar ou jantar fora, para comemorar, afinal de contas, “data tão
especial não pode passar em branco”.
Olhando para trás, vemos que o
irmão-mais-velho não é só um irmão, um alguém com quem temos um laço sanguíneo,
com quem compartilhamos o mesmo sobrenome e o mesmo quarto durante grande parte
de nossa vida, mas um alguém a quem muito respeitamos, amamos. Temos mais em
nossa alma do irmão-mais-velho do que nos damos conta e do que ele mesmo é
capaz de perceber. O irmão-mais-velho é e significa tudo isso e muito mais. O irmão-mais-velho
é um alguém especial, mais-que-único em nossa vida, um alguém que seguimos os
passos, a quem queremos ser igual quando crescermos.