domingo, 26 de janeiro de 2014

Ser-Escritor

Não é fácil ser escritor! Não é nada fácil pegar aqueles negócios diminutos que para alguns são apenas letras, coloca-los numa sequência lógica de forma que produzam um som, que formem palavras e destas dar-lhes um sentido dentro daquele organismo vivo chamado frase. Por vezes ficamos longos minutos pescando no ar letras e palavras que estão ali, à nossa frente, flutuando, juntando-as, por vezes brigando com elas, segurando firmemente com nossas mãos, lutando para que se encaixem perfeitamente no corpo daquela frase.
            Escrever dói! Escrever é cortar a própria carne, é expor a própria alma, fazer aflorar e se deixar tomar por aquele sentimento que jazia adormecido no fundo do coração, com o qual não queremos nunca mais nos deparar justamente por temê-lo. Escrever é falar de si mesmo, do que acredita, mesmo que esta verdade venha disfarçada, camuflada entre mil e uma palavras bonitas de uma bela ficção.
            Escrever é viver, é suar, é chorar! Nenhum texto vem ao mundo pelas hábeis mãos de um simples escritor sem a medida exata de dor, sofrimento e esforço. Existem, sim, momentos de “iluminação”, de um “rompante de inspiração”, que são raros, e nestes os textos fluem mais, as palavras “saem mais fácil” e se encaixam com naturalidade naquela “frase perfeita”, mas mesmo nestes momentos, o escritor sofre para manter-se na luz, sofre para não deixá-lo passar e fazer jorrar mais, mais e mais palavras e chora, angustiado, ante o medo de perdê-lo sem que antes tenha colocado o último ponto na última frase daquele texto que, a seus olhos, adquire a beleza de uma obra-prima.
            Escritor é um ser deveras mentiroso! Ele pega uma verdade e a distorce, contando-a de tal maneira, disfarçando-a, camuflando-a de tal forma que ela se torna irreconhecível sob a roupagem de uma ficção. Por outro lado, ele colhe uma mentira, uma ficção, e com ímpar habilidade para tecê-la de forma que, no final, ela está tão bem contata e apresentável que se confunde e confunde muita gente que a toma como “a verdade absoluta e indiscutível”.

            Escritor, apesar de humano, é um ser a parte! Ele é diferente, vive mil e uma vidas, que se mostra com mil e uma faces, todas elas sendo diferentes, mas nenhuma delas deixando de ser ele. Ele tem hábitos, gostos e rotinas diferentes de todas as outras pessoas, pois é regido não pelas “vontades do mundo”, mas sim pelo que manda o texto que quer e força um “nascimento”, sendo dele uma espécie de escravo, um canal para que possa vir ao mundo!

6 comentários:

  1. .... Ah, escrever, de fato, não é fácil não, acho que é preciso insight, hora certa, sabe-se lá qual e conseguir a proeza de escrever algo tão bom que cative e conquiste o futuro leitor e aí é que está realmente o imbróglio da questão. Porque podemos escrever, escrever e fica por isso mesmo ou podemos apenas colocarmos algumas linhazinhas no papel e isso se torna um argumento irretorquível para que o escritor seja instigado a continuar. Se bem que, acho, todo autor precisa se precaver com seus insights e não deixar se manipular, não é necessariamente porque escreveu algo tãããõooo bom que escreverá de novo e é preciso prestar muita atenção quanto a isso, ou seja, malhar em ferro frio, jamais. A inspiração acabou, o dom acabou, que fazer né, eu acho que emendas ficam piores do que sonetos. Hoje em dia é uma tal mania de trilogias, começa um troço e obrigatoriamente, sei lá se por conta de interesses pecuniários, vamos ao volume 2,3,4, sei lá que mais, esticando um assunto que não tem mais para onde esticar e fica tudo muito sem graça, fica tudo muito chato.
    Em suma, eu penso e enfatizo que é preciso o dom de escrever, saber bem fazê-lo, mas sobretudo fazer a ficha cair e apreender se o insight ainda se mantém ou se foi parar em outras plagas.

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  2. Achei interessante qndo vc diz: "Escrever é falar de si mesmo, do que acredita, mesmo que esta verdade venha disfarçada, camuflada entre mil e uma palavras bonitas de uma bela ficção". Como leitora, também sinto q o q se lê diz um pouco de vc. No meu caso sempre busco algo q eu possa me identificar de uma forma ou de outra... Muito bom seu texto. Nunca havia parado pra pensar sobre um escritor ao ato de suas produções.

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  3. Tem dois trechos em especial que eu achei muito fortes.
    "Escrever dói! Escrever é cortar a própria carne, é expor a própria alma, fazer aflorar e se deixar tomar por aquele sentimento que jazia adormecido no fundo do coração, com o qual não queremos nunca mais nos deparar justamente por temê-lo."
    Eu achei isso muito íntimo e muito intenso. Achei particular você escrever isso, e me deixou até sem palavras.
    O outro trecho foi:
    "Escritor é um ser deveras mentiroso! Ele pega uma verdade e a distorce, contando-a de tal maneira, disfarçando-a, camuflando-a de tal forma que ela se torna irreconhecível sob a roupagem de uma ficção."
    De fato o escritor é um mentiroso de primeira categoria, e isso é até engraçado da parte dele, e de sua parte, claro, por integrar essa categoria. A vida é bela porque nela existem mentirosos que ousam pegar papel e lápis e, através das palavras, colorir essa vida vazia
    Obrigada por você ser escritor e ousar colorir a vida.

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  4. Escritor é um cara que vai no blog chorar as pitangas ao invés de sentar e escrever.

    De chorar mesmo!

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  5. Na entrega do Oscar 2014 de melhor roteiro adaptado, Robert De Niro disse o seguinte:

    "A mente de um escritor pode ser uma coisa verdadeiramente aterrorizante. Isolada, neurótica, estragada pela cafeína, prejudicada pela procrastinação, consumida por sentimentos de pânico, auto-aversão, de esmagamento da alma e de inadequação ... Isso quando está em um dia bom."

    Achei bastante apropriado!

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