domingo, 2 de fevereiro de 2014

Pescaria (d)e lembranças

Sempre considerei “brincar de lembrar” uma espécie de pescaria. A gente joga uma isca qualquer, querendo pegar um grande peixe, e espera pacientemente. A isca para pegar uma boa memória tem que ser bem escolhida, podendo ser uma música, um cheiro, um sabor ou simplesmente um silêncio, algo que nos remeta a determinada memória que queremos fisgar, e ficamos ali, pacientemente (se bem que nem sempre tão pacientemente assim!), parados, pensativos, reflexivos, por vezes ficamos agitados, andando de um lado para o outro, querendo, a todo custo, atrair a lembrança. Mas não adiantar obrigar um peixe a morder a isca para ser fisgado por um anzol, assim como não adiantar obrigar uma lembrança a nos tomar. A lembrança, tal qual o peixe, chega a nós quando quer, do jeito que quer e morde a isca se quiser.
            Às vezes o mar não está para peixe, assim como nossa cabeça não está para lembrar, por mais que nos esforcemos, que coloquemos iguarias finas, elixires divinos para os peixe e estimulemos de mil e uma maneiras diferenças a memória, nada morderá a nossa isca, e teremos que nos recolher frustrados, sem termos conseguido sequer fisgar uma memoriazinha ou lembrancinha. Mas por vezes, basta jogar uma isca que mil e um peixes querem mordê-la, basta ficar em silêncio para ser tomado de supetão e se ver envolvido por milhares de lembranças, tantas que a gente não consegue se segurar e deliciar apenas uma.
            Quando a gente joga uma isca, não sabe o que vai pegar. Temos a esperança de que pegaremos um peixe grande, belo, que dará um grande almoço ou jantar, do qual nos orgulharemos e pelo qual seremos lembrados sempre que alguém, numa conversa qualquer, falar a palavra pescaria. Mas nem sempre, em nossa pescaria, pegamos aquilo que almejamos, podendo morder a isca um peixe feio, mirrado, que somos obrigados a jogá-lo de volta na água e tentar a sorte novamente em seguida, e por vezes calha até do mesmo peixe voltar a morder a isca, e nós novamente o soltamos; e há ocasiões em que pegamos um peixe até bonito, mas que, cozido, tem um sabor... Com as lembranças acontece a mesma coisa: desejamos fisgar uma lembrança doce, que nos embale em seus braços, que nos faça sorrir “sozinhos”, que nos coloque para dormir e que povoe nossos sonhos, no entanto, há lembranças que nos acometem que não são tão doces assim, que não nos fazem sorrir e que tem o gosto, por vezes, amargo, que não nos despertar qualquer tipo de saudade. Mas lembrar e pescar é assim mesmo: não só belos, grande e saborosos peixes vivem no mar ou rio, assim como não só de doces e agradáveis lembranças estão repletas a nossa vida.

            Mas apesar de todos os riscos, de ser mesmo uma verdadeira arte (e nem todo mundo é artista), de se exigir muita paciência e perseverança, vale a pena jogar uma isca e esperar pacientemente que algum peixe-lembrança a morda, para que possamos sentir a pressão da linha, com ele querendo fugir, mas que, agora que está preso, o faremos vir a tona, para apreciá-lo, senti-lo vivo em nossas mãos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário