quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Impossível...



Há semanas ele não saia de dentro daquele laboratório. As pessoas estavam preocupadas, já imaginando que algo pudesse ter acontecido. Lembravam-se das palavras dele, de sua empolgação quando dizia estar disposto a mergulhar em sua pesquisa mais audaciosa, capaz de entender o maior de todos os dilemas, de algo que, se ele conseguisse encontrar a resposta, iria mudar, para sempre, a vida de todas as pessoas do mundo, iria mudar os rumos de toda a humanidade. Quando as pessoas lhe perguntavam o que seria aquilo tão importante, ele se calava, deixando no ar um clima de mistério e suspense. Aquela foi sua última aparição, aquelas foram suas últimas palavras no mundo dos vivos antes de se trancar no laboratório levando consigo uma infinidade de livros, que iam desde tratados de filosofia e física quântica à obra completa de Augusto Cury e Bárbara e Allan Pease (!). Vizinhos viam as luzes do laboratório acesas vinte e quatro horas por dia e vez por outras amigos e familiares, que esperavam impacientes do lado de fora ouviam algum riso, exclamação e até choro, mas fora isso, não se tinha qualquer indício de que ele continuava vivo.
            Passados dois meses, veio um primeiro contato dele com o mundo exterior. Passou, por baixo da porta, um bilhete em que pedia livros, livros e mais livros, pois precisava deles para concluir sua deveras importante pesquisa. Ao bilhete vinha anexada uma extensa lista com nome de livros e autores de diversas áreas: literatura, psicologia, arte, ciências exatas e biológicas, medicina e mais uma quantidade enorme e diversificada de títulos de autoajuda. As pessoas, ao verem o bilhete e a lista, alguns correram para as bibliotecas a fim de encontrarem os livros requisitados, enquanto outros foram a uma livraria de shopping para comprar os best-sellers de autoajuda e psicologia. Deixaram caixas e caixas de livros em frente a porta do laboratório, além de algumas sacolas da livraria, mas ele não apareceu para pegá-las. Passaram-se semanas sem que nada acontecesse, com os livros intocados, em suas caixas e sacolas. E quando todos imaginavam que ele tinha se esquecido, eis que se abre a porta, mas o suficiente apenas para que por ela passasse uma mão que não parecia humana, agarrando as caixas (e sacolas) e puxando-as para dentro do laboratório.
            Começaram, então, a esquecer dele e passou-se até a circular rumores e lendas de um cientista maluco que se trancou no laboratório e nunca mais foi visto entre os vivos. E quando perguntavam de que se tratava essa pesquisa, ninguém sabia responder ao certo, o que aumentou ainda mais a lenda-urbana-científica.
            Foi numa noite de tempestade em que raios cortavam o céu que se ouviu o barulho de uma risada sombria e histérica vinda do laboratório. Era um riso convulsivo e macabro, que assustava e divertia a todos o ouviram. Muitos correram para ver do que se tratava e se depararam com a porta ainda trancada. Bateram, bateram e bateram, mas não se ouviu qualquer resposta. Alguns começaram a tentar arromba-la com chutes, mas todas as tentativas foram em vão. Desesperadas, as pessoas começaram a chamar o nome do que se trancara ali há tempos esquecidos, mas o único som que vinha de dentro era o da sua risada, que, cansada, começava a se extinguir pouco a pouco.
            Quando conseguiram, enfim, arrombar a porta do laboratório, encontraram um cenário de caos total, com livros e mais livros espalhados pelo chão, alguns rasgados, outros riscados, outros com as páginas soltas, esvoaçando ao vento. Viram, também, instrumentos de laboratório quebrados, vidros espalhados e substâncias químicas espalhadas em todo o chão. E num canto, caído, o cientista já sem vida. Havia morrido, sim, e deixado um legado, pensaram alguns, e deixara a vida feliz, pois em sua face estava estampado um sorriso.
            Assim que levaram o corpo, começaram a tentar descobrir os frutos daquela longa, exaustiva e difícil pesquisa que lhe consumira a vida. Encontraram inúmeras anotações com cálculos, citações de livros, páginas inteiras de livros rasgadas que comprovavam as suas teorias. Mas por mais que procurassem, não conseguiam entender exatamente do que se tratava a pesquisa e quais seus resultados e respostas. Já cansados, prestes a desistir, ouviram a voz de um alguém que tinha encontrado algo que parecia muito importante, o ponto de partida, os primeiros questionamentos daquela pesquisa / projeto-suicida.
            - Olhem só esse caderno. Foi o primeiro que ele escreveu, onde estão as primeiras perguntas que tanto o inquietavam.
            - Vamos! Abra-o logo e leia o que tem escrito.
            Na primeira página estava escrito, em letras garrafais, “O que se passa na cabeça das mulheres”. Todos os presentes se entreolharam, com a respiração presa. Virou a página e leu os primeiros questionamentos:
            - Por que riem quando estão tristes? Por que choram quando estão alegres? Por que são tão difíceis? Por que nunca conseguem ser claras quanto ao que pensam e sentem? Por que não conseguem ser diretas e objetivas? Por que são tão complicadas? – leu em voz baixa, quase sussurrando, aquele que tinha descoberto o caderno, pois naquelas páginas, escritas com letra tão imprecisa, estavam as respostas capazes de mudar a forma como entendemos o mundo (e as mulheres), algo capaz de mudar, para sempre, a humanidade.
            Ele virava as páginas num frenesi desenfreado, mas nelas só se lia uma série de informações desencontradas, frases desconexas e cálculos infundados. Vez por outra se lia algo que conseguiam entender, como um diário, em que o cientista anotou os avanços e retrocessos de sua pesquisa. Nas palavras escritas notava-se a empolgação, quando dizia estar chegando muito perto, ou a frustração, quando escrevia que tinha se enganado, e que teria que recomeçar tudo do zero.
            Encontraram uma série de cadernos idênticos, com anotações dos andamentos da pesquisa, mas todos igualmente complexos e indecifráveis (como a mente das mulheres!).
            Um alguém encontrou o caderno em que estava escrito, na capa, a palavra “todas as respostas”. Nele a letra do cientista estava ainda mais indecifrável, demonstrando toda a sua pressa e empolgação para apresentar ao mundo os resultados da pesquisa que iria mudar toda a humanidade.
            Leram, letra por letra, palavra por palavra, frase por frase, com a respiração presa, tudo que estava escrito, até que chegaram a última frase.
            - O que torna as mulheres tão complicadas e complexas é...
            - É o que? Fala logo! Leia o que está escrito aí – pediu, implorou um impaciente.
            O que tinha o caderno em mãos olhou para todos que estavam ao seu redor e mostrou a frase inacabada, em que, no lugar das palavras, havia um único risco, um borrão, como se a mão daquele que escrevia tivesse saído de seu controle no exato instante em que estava para escrever as respostas.
            Todos, boquiabertos e frustrados, ficaram em silêncio, sem acreditar em tudo aquilo que tinha se passado. Tinham chegado tão perto. Sentiam como se o grande segredo do universo tivesse chegado perto de ser desvendado, tendo ficado ao alcance de sua mão e escapado num lapso, por conta de uma crise histérica de riso, que matou aquele que desvendou o mistério.
            Começaram, um a um, a sair do laboratório destruído, e ficou só uma pessoa lá dentro, que olhava tudo ao redor e falou consigo mesmo e com o espírito do cientista, que ainda continuava ali, rindo.
            - Desgraçado. Descobriu o que passa na cabeça das mulheres e esse foi o seu fim: morreu de tanto rir e não contou pra ninguém! Agora ninguém mais será capaz de desvendar tal mistério.

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