domingo, 17 de fevereiro de 2013

A mulher que andava nas nuvens



Ela andava distraída nos últimos dias, alheia a tudo que acontecia ao seu redor. As pessoas próximas começaram a se preocupar e vez por outra uma tentava lhe indagar a respeito dos motivos daquela súbita mudança. Ela, no entanto, não via motivos de por que tanto alarde. Sentia-se simplesmente bem, e se andava distraída era por que algo de mais importante exigia a sua atenção mais do que a rotina do seu dia-a-dia. Ela, que sempre acordara tão tarde, andava sempre às pressas, muitas vezes atrasada entre um compromisso e outro, passou a acordar cedo, todos os dias, só para ser a primeira a ver o primeiro raio de sol a surgir no horizonte, só para ser a primeira a ouvir o saldar dos pássaros para um novo dia que estava nascendo. Passou a andar sem a menor pressa, e agindo assim passou a chegar pontualmente a todos os seus compromissos.
            As pessoas não notavam as mudanças positivas ocorridas nela. Se por acaso a viam sorrir, diziam que ela ria para o nada, como uma louca, mas se esqueciam de ver que ela sorria de volta para uma criança, para uma flor ou simplesmente por que estava feliz ou por que se sentia viva. As pessoas não viam, não compreendiam os seus motivos, e atribuíam a sua nova forma de ver e sentir a vida a um mal-estar súbito, a uma loucura que a tinha invadido e tomado de supetão. Ela, alheia a tudo que lhe falavam pelas costas, sequer escutava as palavras de censura que lhe eram jogadas. Preferia dar a devida atenção, escutar o que realmente tinha importância: o canto dos pássaros, o barulho do vento e até o da chuva que caía ao fim da tarde.
            Ela, só por andar despreocupada com os assuntos tão banais, que não mereciam grandes preocupações, fora tachada de louca; por não se preocupar e se prender a uma rotina, de desleixada; por prestar atenção às coisas simples da vida, de “aérea”. Chamaram um médico, que a examinou minunciosamente e, ao término, uma constatação: havia poesia em excesso em sua vida. Parecia, segundo as palavras do médico, que a poesia da vida tinha lhe atacado e era a causa de sua estranheza. As pessoas começaram, então, uma busca desesperada por uma cura, por algo que a trouxesse de volta à vida normal.
Submeteram-na a um rígido tratamento de controle de sua sanidade. Trancaram-na em um escritório e lhe deram pilhas e mais pilhas de documentos para analisar, mandaram que preparasse milhares de relatórios e participasse de inúmeras reuniões. Ela aceitava tudo aquilo passivamente, sem reclamar. E, ao sair do trabalho, à noite, completamente esgotada física e mentalmente, sentia-se triste, por não ver mais o sol no céu, mas percebeu que havia algo se não tão grandioso, igualmente belo: a lua e as estrelas. Passou, então, a, sempre que saía do trabalho, por mais cansada que estivesse, olhar para o céu e vê-lo salpicado de estrelas e a contemplar a esplendorosa lua, que brilhava majestosa, solta no firmamento.
As pessoas, vendo que não havia cura para aquela poesia pela vida por que ela fora tomada, passaram a vê-la como “uma pessoa sem cura”. Deixaram, então, que vivesse a sua vida como bem entendesse. No entanto, antes de tomarem tal decisão, ainda a rotularam de “a mulher que andava nas nuvens”, só por que ela tinha por hábito olhar para o céu, pelo menos uma vez por dia respirar fundo duas ou três vezes, e deixar que aquela paz, que aquela paz da vida lhe absorvesse por inteiro.

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