sábado, 12 de janeiro de 2013

Próxima Estação: Nova Vida

Um frio no estômago foi o que ele primeiro sentiu ao pisar naquela terra desconhecida.
Havia viajado por longos dias e noites ininterruptos dentro daquele vagão de trem que seguia lentamente sobre aqueles trilhos que cortavam florestas, que mergulhavam no coração de montanhas, que atravessavam pontes precárias, que ameaçavam a qualquer instante se soltar e mergulhar a locomotiva no vazio de uma queda sem fim, e que mergulhavam em descidas íngremes que pareciam lhe levar ao centro do mundo. Viajava sozinho, como que fugido, não de uma pessoa ou por conta de algo que fez ou deixou de fazer, mas de si mesmo. Fugia da vida, que deixava para trás, e ia em busca de um outro eu, de um sentido para sua vida, em busca de uma nova existência.
Escolheu aquele trem por ser o que partia antes do nascer do sol. Queria ver o nascer do sol longe de casa, sentindo pela primeira vez o sabor daquela liberdade, longe daquele sentimento de vazio que vinha o oprimindo há tempos. Ninguém veio se despedir dele, pois ele não havia anunciado sua partida. Não houve lágrimas por parte dele, pois embora não estivesse sorrindo, sentia uma felicidade por saber que aquilo era o que ele precisava fazer por si.
Não sabia para onde se dirigia, mas a medida que os dias foram sucedendo as noites, as noites, os dias, que os dias se transformaram em semanas e que ele passou a perder a noção do tempo, soube que estava cada vez mais longe daquele lugar que um dia chamara de casa, daquilo que um dia chamara de vida. Agora respirava aliviado ao saber que seu lar era onde estivesse, que a sua vida passaria a ser aquela na qual mergulhava, imprevisível, que deveria ser vivida dia a dia.
Não abriu a boca uma única para falar durante toda a viagem. Seus sentidos, para compensar, estavam todos mais do que abertos aos cheiros, sabores, toques, sons e vistas que se descortinavam perante seus olhos. A cada novo instante, era bombardeado por mil e uma diferentes sensações. A chuva que caia lhe parecia ora bela, ora tristes, lembrando lágrimas que o céu deixava escapar de seus olhos. E quando via o céu chorando, olhava para trás, ao longe, tentando ver, por mais longe que estivesse, sua casa, onde todos davam por sua falta e onde, acreditava ele, alguns até já tinham derramado lágrimas, exatamente como aquelas que o céu derramava. O nascer do sol e o canto dos pássaros ao saldar o novo dia lhe renovavam as esperanças, palavra esta que ele, em sua vida anterior, já nem sequer usava, nem sequer se lembrava e há tempos não pronunciava. E na viagem, ele a pronunciava a cada manhã, sempre que abria a janela do vagão que ocupava para saldar e ser saldado por um novo dia. As noites, por mais escuras e longas que fossem, não lhe eram assustadoras, pois a lua, sempre majestosa, estava a lhe iluminar e lhe iluminar com sua luz prateada, assim assustando todos os seus fantasmas, seus medos, suas inseguranças que por ventura viesse a sentir. Quando se sentia só e carente, ele se deixava tocar e acariciar pelo vento, que com seus dedos finos e toque suave, o abraçava por inteiro.
Uma manhã, ele, ao acordar, que abriu a janela, olhou ao longe e soube que se aproximava da ultima estação do trem. Sua viagem chegaria ao fim, mas sua jornada estaria apenas começando. Naquele dia, passou-o inquieto, andando de um lado para outro tal qual um animal enjaulado e a medida que a estação se aproximava, mais e mais ansioso ele ficava. Não sabia o que iria encontrar nem em que terra iria em breve pisar pela primeira vez.
O sol foi seguindo lentamente seu trajeto ao longo do dia e ao se pôr no horizonte, deu lugar a uma noite sem lua. Era a primeira noite sem lua desde que ele iniciava aquela viagem. Sentiu, a princípio, medo, por se sentir pela primeira vez só, mas dai olhou para o céu e o viu coalhado de milhões de diminutas estrelas e se lembrou que elas são como os sonhos, que a gente não pode tocá-los, é bem verdade, mas que podemos e devemos ser guiados por elas! Sentou-se e esperou pacientemente pelo fim da viagem e início de sua jornada, de sua nova vida.
Na manhã seguinte acordou, como sempre, antes do nascer do sol, e percebeu que o trem ia diminuindo pouco a pouco a sua velocidade, pois se aproximava da última estação. Permaneceu sentado, esperando pacientemente. Respirava fundo, sentindo o ar entrar em seus pulmões e se espalhar por todo o seu corpo.
O trem diminuiu sua velocidade aos poucos até parar completamente. Pela janela ele olhou a estação apinhada de pessoas que iam e vinham. Uns que chegavam eram saudados e abraçados por aqueles que os esperavam, enquanto outros desciam com suas grandes malas e ficavam olhando de um lado para o outro, esperando, por certo, por alguém que não viria, abaixavam a cabeça e seguiam a pé, sozinhos, em meio àquela multidão.
Tentava prolongar aqueles últimos momentos antes de desembarcar naquele desconhecido mundo. Pegou a única mochila que trouxera de casa com umas poucas mudas de roupa, jogou-a sobre os ombros e abriu a porta do seu vagão. Antes de descer aquele degrau que o separava do mundo, respirou fundo mais uma vez.
Pôs seus pés firmemente no chão e sentiu um frio repentino no estômago que se espalhou por todo o seu corpo. Fechou seus olhos e sentiu seu coração bater acelerado. Só quando se acalmou, abriu os olhos, olhou em torno de si e então percebeu que o trem havia dado uma volta completa no mundo e o trazido de volta para casa. Mas ele sabia que o trem não havia lhe trazido para a mesma casa, de volta para viver a mesma vida, pois ele, naquela viagem, havia se tornado um outro homem, e estava prestes a iniciar uma nova vida. Deu um primeiro passo misturando-se à multidão, sendo não mais um, mas um único homem em meio aquelas tantas pessoas.

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